A comunicação instantânea via internet, a facilidade de registrar cenas usando telefone celular e a rede transformada na principal fonte de informação são as grandes novidades do século 21. Junte-se a facilidade tecnológica com a cultura da celebridade instantânea – não importa o que torna as pessoas famosas – e temos casos como o da jovem estuprada pelos ‘amigos’ em Santa Catarina. E o que antigamente era um crime difícil de comprovar passa a ser divulgado como um feito que merece ser noticiado.
Em Santa Catarina, uma menina foi à festa de alguns amigos, ficou inconsciente devido ao consumo de álcool (pelo menos essa é a informação oficial), foi estuprada por pelo menos um rapaz e, no dia seguinte, um vídeo mostrando o crime apareceu na internet. Os rapazes foram presos e vão responder a processo.
Neste cenário, como a imprensa escrita pode competir com a rede? No buscador UOL, por exemplo, ao digitar a palavra estupro, aparecem 137 mil resultados. No Google, são 7.260.000 resultados. São artigos, notícias de jornais, blogs e vídeos, muitos vídeos sobre o tema. O que sobra para os jornais? Dar as notícias de forma resumida ou refletir sobre o assunto.
‘Alcoolizada e inconsciente’
No domingo (16/11), os dois caminhos foram seguidos pelos grandes jornais. A Folha de S.Paulo preferiu noticiar as conclusões do inquérito policial:
‘A menina de 15 anos vítima de estupro que teve imagens gravadas com um celular e distribuídas pela internet sofreu pressão de um dos suspeitos para não registrar ocorrência, segundo a polícia de Joaçaba (SC), a 419 km de Florianópolis. Três jovens, um de 16 e dois de 18 anos, foram detidos na quarta-feira sob acusação de estuprar a menina em uma festa e divulgar imagens do crime. Um dos rapazes presos telefonou e escreveu pelo MSN pedindo para que ela não denunciasse porque iriam se ferrar, afirma o delegado Ademir Tadeu de Oliveira. O estupro ocorreu no dia 25 de outubro, durante uma festa da qual participaram 13 amigos, incluindo pelo menos mais uma garota de 19 anos. A menina estava alcoolizada e inconsciente, segundo a polícia. Os três detidos são estudantes de classe média. Ontem, um rapaz que foi à festa disse, em depoimento, que deixou a menina em casa, de carro, depois de chegar ao local e vê-la sair do banheiro sem roupas’ (Folha de S.Paulo, 16/11/2008).
Refletir sobre assuntos espinhosos
O jornal O Estado de S. Paulo prestou um serviço melhor aos leitores no artigo ‘Estupro: crime sem atenuantes’, ao discutir esse tipo de violência contra mulheres:
‘O estupro é um crime contra a integridade, dignidade e intimidade das mulheres. É a principal violência de gênero, pois é um crime de homens contra mulheres. Ao contrário do que se imagina, o estupro é um crime doméstico, cujos autores são homens das relações familiares ou sociais das vítimas. Os violentadores são maridos, namorados, parentes ou vizinhos, personagens que quase impossibilitam a denúncia e a enunciação pública do crime… Não é fácil denunciar um crime de estupro. Ao denunciar o agressor, a vítima torna pública sua intimidade, também violando sua privacidade e dignidade. Mas é um crime persistente à vida social. Há estupro em todas as sociedades conhecidas. Onde há desigualdade entre homens e mulheres, há violência de gênero e o estupro é a sua expressão mais perversa’ (O Estado de S. Paulo, 16/11/2008).
O artigo, que continua discutindo o debate no Supremo Tribunal de Justiça – onde se estuda a possibilidade de descaracterizar o estupro como ‘crime hediondo’ quando não houver morte da vítima –, ajuda a entender melhor o caso de Santa Catarina ao dizer que na maioria das vezes o agressor é conhecido da vítima. E mostra que, nesses tempos de internet – que acabou prestando um serviço ao divulgar um crime difícil de ser comprovado –, o papel da imprensa escrita, cada vez mais, é o de ajudar os leitores a refletir e entender melhor os assuntos espinhosos como a violência contra mulheres, ainda mais quando cometida por gente do mesmo nível social dos leitores.
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Jornalista