Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Toma que o filho é teu

Hoje em dia a imprensa analisa à imprensa, sob a ótica da redentora ética jornalística, graças a Deus e à bendita crítica da mídia: seja bem-vinda a nosso meio eternamente, amém. E, por isso, levantou-se muita poeira quando um dos maiores jornais do mundo, o periódico espanhol El País, publicou manchete acusando o ETA (grupo separatista espanhol) de cometer o atentado terrorista nos trens de Madri, na Espanha, no dia 11 de março.

Acuado depois que o grupo terrorista árabe al-Qaida assumiu a responsabilidade pelo acidente, El País culpou o primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, pela informação errada. Não só isso: na véspera das eleições espanholas, o jornal publicou extensas explicações sobre seu erro (‘Matanza de ETA en Madrid’), difamando Aznar abertamente, com severas críticas a seu governo e a sua ética pessoal.

Devolução tardia

O candidato do ministro perdeu as eleições, e não há como voltar atrás. Mas cabe ainda julgar: de quem é, na verdade, a culpa? Está certo que o primeiro-ministro errou em anunciar algo não-comprovado, mas não devia o sempre eficiente e renomado El País ouvir, checar, verificar, confirmar para publicar suas matérias, assumindo assim a responsabilidade por elas?

O jornal comete o erro de dar a informação precipitadamente, e dias depois justifica a aberração culpando a fonte, por fornecer informação errônea. Ora, mas não é a fonte quem define títulos e manchetes do jornal! O próprio El País decidiu, letra a letra, pela manchete tendenciosa que incriminava o ETA, neste caso, inocente.

A idéia de El País era empurrar, devolução tardia, a responsabilidade pelo erro jornalístico a Aznar. Perto da eleição, isso talvez tenha sido a bomba que explodiu as chances do candidato do governo. Onde está a ética do jornal, que acolhe a fonte e lhe dá voz, e depois a incrimina? Ambos, Aznar e El País, pariram um filho indesejado, um erro vindo de uma acusação precipitada, e agora ninguém quer ficar com ele! Pois assuma, que o filho é teu!

Mais filhos bastardos

A pobre e santa ética é ultrajada, outra vez, por interesses particulares e políticos da imprensa-empresa. Imparcialidade? O quê! Em que mundo você vive? Os jornais existem para dar sustentação ao poder, ao regime que favorece seus interesses. Eles erram, no entanto, e não só El País, ao não traçar planos ordenados sobre sua ambição e ética.

Ambição é tudo aquilo que se almeja alcançar: na mídia é a objetividade, o impacto e o ineditismo; é o furo de reportagem, a urgência da notícia, o ‘mais rápido possível e antes de todos’. Do outro lado, a ética são os limites morais que os veículos impõem na busca desta ambição. Ética deveria vir antes de ambição.

É preciso saber os limites, até onde se pode e se está disposto a ir, antes de correr atrás do que se quer. Os jornais, porém, atropelam e ferem a ética em prol da ambição, e assim o mundo prossegue com cada vez mais filhos bastardos, como o de El País com Aznar, que ninguém quer assumir.

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Estudante de Jornalismo em Taubaté, SP