Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mário Magalhães

‘Os métodos empregados pelos repórteres muitas vezes não ficam claros. Um dos mais preciosos é o chamado ‘off the record’, quando o jornalista mantém em sigilo a identidade de quem lhe fornece informações. Em inglês, significa ‘fora dos registros’. É condição que as fontes impõem em certas circunstâncias.

Foi o ‘off’ que permitiu à Folha estampar na terça uma notícia exclusiva: o aposentado Genival Inácio da Silva, irmão mais velho do presidente da República, havia sido indiciado pela Polícia Federal na Operação Xeque-Mate.

Vavá, seu apelido, é suspeito de tráfico de influência no Executivo e de exploração de prestígio na Justiça. Os jornais concorrentes relataram apenas o cumprimento da ordem de busca e apreensão na casa do parente de Lula. Ignoravam o indiciamento.

Outro ‘furo’ sem a nomeação de fonte, contudo, não se sustentou. Também na terça, na edição São Paulo/DF, a primeira página anunciou: ‘Na Índia, Lula se irritou com a notícia da operação [que atingiu Vavá] e reclamou a assessores de não ter sido avisado’.

Em página interna: ‘A Folha apurou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava na Índia, reagiu com grande irritação ao ser informado da inclusão de seu irmão na investigação da PF. Ele reclamou por não ter sido avisado com antecedência e disse a auxiliares que já havia pedido ao irmão que tomasse cuidado para não comprometê-lo’.

Já na quarta esse relato sumiu. Em seu lugar, o jornal descreveu a ‘contrariedade’ de Lula ‘por não ter sido avisado do indiciamento com antecedência’. Uma coisa é saber antes da operação, outra é saber antes do indiciamento.

Após bancar as duas versões, sem reconhecer o engano da original, ainda na quarta a Folha divulgou uma terceira (mais tarde referendada pelo Ministério da Justiça e o Planalto): o ministro Tarso Genro alertou o presidente sobre a operação duas horas antes da busca e apreensão.

Até a sexta se desconhecia a verdade. A dúvida inexistiu para o jornal ao alardear na terça, sem reservas, a ‘grande irritação’ do presidente.

A Folha deveria tomar mais cuidado com o ‘off’. Ele está na origem de grandes reportagens, mas também na de vexames (o ‘New York Times’ teve repórter que inventava histórias e as punha na conta de fontes ocultas).

A fonte que se preserva na sombra não raramente aproveita para ‘plantar’ dados e testemunhos falsos ou imprecisos que a ajudam.

De acordo com ‘O Estado de S. Paulo’, Franklin Martins ‘criticou a imprensa por não fazer uma investigação paralela à da PF [na Operação Xeque-Mate] e supostamente aceitar o material fornecido por suas fontes sem questionamento nem averiguação’.

O ministro da Comunicação Social está certo. Acrescento: sua recomendação vale tanto para as fontes na polícia quanto para as que os jornalistas mantêm no Planalto.’

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‘Fotos parecem editorial’, copyright Folha de S. Paulo, 10/06/07.

‘A decisão do governo da Venezuela de não renovar a concessão da emissora RCTV é anti-democrática e agride o interesse público de assegurar a manifestação de pensamentos políticos diversos, inclusive no jornalismo eletrônico.

A RCTV teve uma postura golpista e, portanto, avessa ao Estado de Direito na tentativa fracassada de depor o presidente constitucional Hugo Chávez em 2002.

A primeira impressão não é contraditória com a segunda. Sem pluralismo na informação, não há democracia.

A RCTV não constitui modelo de jornalismo independente, mas partidário. O que Chávez quer, porém, não é TV autônoma, mas vassalagem. Melhor um canal de oposição raivosa que um de porta-vozes que não fiscalizam o poder.

A Folha tem posição editorial contrária a Chávez. É legítimo formular opinião. Mas o jornal não deveria permitir que ela contaminasse o noticiário. Foi o que pareceu ocorrer no fim de semana passado. No sábado, a primeira página exibiu fotografia de três comportadas funcionárias da RCTV. No domingo, mostrou duas chavistas, indo e vindo, com biquínis sumários. Soou como editorial oposicionista.

A Folha escapou até agora do clima de campanha contra Chávez. Erra quando não cita os motivos alegados pelo governo contra a RCTV, mas mantém o pluralismo. Será uma pena se transformar o espaço noticioso em opinativo.’

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‘Falta bastidor sobre Serra’, copyright Folha de S. Paulo, 10/06/07.

‘A Folha vai bem melhor como tribuna de opiniões divergentes sobre a ameaça -ou não- à autonomia universitária do que ao noticiar a mobilização nas universidades estaduais paulistas. A cobertura teve tropeços, da demora em identificar o impacto do movimento à ausência de muitas informações.

Dezenas de leitores que escreveram ao ombudsman vêem o jornal simpático aos grevistas, outros tantos ao governador José Serra. É sinal -positivo- de equilíbrio.

A maior deficiência tem sido esquecer o Palácio dos Bandeirantes -ao contrário do que ocorre com os invasores da reitoria da USP, personagens de numerosas páginas.

A Folha não contou quem teve a idéia de emitir os decretos que conflagram o ensino superior, se o governador buscava o confronto ou foi surpreendido pela reação que o desgasta, nem como as alas do PSDB se posicionam na crise.

O jornal só lançou o olhar atento sobre os estudantes. Falta investigar o governo, revelar seus bastidores. Em suma, fazer reportagem.’