Entre uma e outra salva de palmas à virtual ascensão do G-20 à condição de ‘instância decisória’ do futuro da economia planetária, sugere-se aqui uma pausa para um alerta: cumpre ao bom jornalismo descortinar um panorama que esteja ao largo do ufanismo e das ideologias dominantes e evidencie o cabo-de-guerra que, entra crise, sai crise, tem capitaneado o curso da história.
Como bem sabem os leitores dos cadernos econômicos, o Brasil tem trabalhado, notadamente desde o governo FHC, para afirmar-se como porta-voz não apenas dos países sul-americanos como das chamadas potências emergentes em assuntos de interesse global.
Dentre esses esforços, perfilam-se os movimentos diplomáticos rumo à ampliação do Conselho de Segurança da ONU, o envio de tropas de paz ao Haiti, o protagonismo em organizações como a OMC, as gestões em encontros multilaterais como a Rodada Doha e o trabalho persistente para a formulação de uma agenda mundial por meio de grupos como o G-8, o supostamente ‘recém-promovido’ G-20, o G4 (Brasil, China, Índia e África do Sul) e o chamado Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), entre outras ações relevantes.
O dever de perguntar
Nesse contexto, eis algumas perguntas que o jornalismo tem o dever de formular, em face das últimas notícias sobre o combate à desordem econômica mundial (noves-fora as injustiças sociais de todo o sempre). De nossa parte, tentemos adiantar as respostas.
1.
Como será, afinal, esta ‘nova fase’ do G-20? Foi, aliás, o que a IstoÉ (edição 2937, de 19/11/2008) se propôs a clarificar, na palavra do presidente brasileiro, em um texto assinado por Denize Bacoccina:
‘‘Não esperem muito do G-20. É apenas um começo, ainda que promissor’, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobre a reunião do grupo em Washington no último fim de semana. Mas ele mostrava satisfação por estar finalmente participando do grupo que vai discutir e possivelmente coordenar posições não apenas emergenciais, mas que podem resultar num redesenho de todo o sistema financeiro internacional. ‘Antes, quem se reunia era o G-8. Agora, é o G-20 que vai tomar decisões’, comemorou o presidente em uma mesa-redonda com líderes dos três maiores sindicatos italianos, na visita que fez ao país na semana passada.’
‘País se recusa a dividir a conta’
No que diz respeito aos anseios do nosso quintal, a reportagem é objetiva:
‘O Brasil quer discutir a crise e também ter o direito de dizer aos países ricos que eles devem fazer alguma coisa para evitar que as conseqüências da ‘crise deles’, como disse o presidente Lula, se espalhem para o resto do mundo, abortando o crescimento dos emergentes, como ameaça ocorrer no ano que vem. Ao mesmo tempo, o País se recusa a dividir a conta. ‘Se houver medidas dolorosas, tem que ser da parte deles’’.
2.
O fortalecimento do G-20 é uma vitória da diplomacia brasileira?Sim, inequivocamente, mas é preciso levar em conta as circunstâncias em que aquela se deu. O G-20 ‘graduou-se’ menos em razão da ‘política de quem não chora não mama’ do que em conseqüência da ‘realidade de fundo-de-poço’ da economia americana. As dezenas de medidas anunciadas, na direção de um aumento da cooperação global, da transparência do mercado financeiro e de mecanismos que impeçam o protecionismo, resultam da quebradeira do andar de cima.
Efeitos da nova ordem
3.
Quais serão os efeitos domésticos dessa ‘nova ordem’?Ainda é cedo para dizer. Resta saber se uma maior integração internacional será suficiente para conter o que pode estar a caminho, de acordo com as palavras do próprio presidente brasileiro, conforme a Folha, em 16 de novembro:
‘Questionado sobre o nível de desemprego na Europa, Lula não descartou temores de que efeito semelhante ocorra no Brasil. ‘Se a crise se aprofundar, e as exportações caírem, a crise pode chegar a todos os países.’ A resposta do governo brasileiro, afirmou, é explorar o potencial do mercado interno e manter os investimentos que já estavam previstos. ‘O que pode acontecer de pior é que uma crise que começou por causa da especulação venha a criar problemas no setor produtivo de quem precisa crescer. A economia brasileira pode não crescer tudo o que gostaríamos, mas não pode deixar de crescer porque o povo precisa trabalhar.’’
Não deixa de ser curioso o fato de que a maior potência mundial tenha emergido à custa do lucro de duas guerras mundiais que, enfatize-se, lutaram-se a milhares de milhas do seu território. Sempre haverá quem lucre com a crise alheia.
Daí a pergunta que jornalistas e especialistas deverão tentar responder, de modo realista e condizente com o que a história nos tem ensinado ao longo dos séculos: o Brasil ganhará ou perderá com a crise, como diria o presidente Lula, ‘dos outros’?
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Jornalista