Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornais passam à margem da História

A imprensa brasileira acompanhou diligentemente, por intermédio das agências internacionais de notícias e com seus próprios correspondentes, o encontro de representantes das vinte economias mais desenvolvidas do mundo – que se iniciou em São Paulo no dia 8 deste mês e terminou domingo (15/11), em Washington. Os relatos publicados são um primor do jornalismo convencional, com textos muito semelhantes, contidos, sem espaço para manifestações de euforia ou de excessivo pessimismo. A leitura atenta das reportagens, artigos, opiniões, frases soltas e análises encomendadas e selecionadas pelos editores revela um conjunto de edições corretas. É pouco.

A História desfila sob os narizes e olhos da imprensa e o que lemos é apenas isso: um relato equilibrado, isento, convencional, de um acontecimento que deverá passar para a crônica do nosso tempo como o ponto de ruptura de um consenso que dominou a matriz ideológica da mídia durante os últimos vinte anos. A ilusão do sistema perfeito auto-regulado, do Estado mínimo sob custódia da iniciativa privada, da malandragem individualista premiada, se desvanece sem que seus apologistas dediquem ao público uma mínima reflexão. Faz-se de conta que a imprensa não teve nada com isso, que a crise financeira é resultado da insanidade de alguns e ponto final. O sistema não se discute.

Então, façamos de conta também que esse distanciamento revela um processo de amadurecimento do jornalismo, que, de tanto ver triunfar as desonestidades travestidas de empreendedorismo, chega a desanimar da virtude de mobilizar-se por causas de interesse coletivo. Olha, assim, a tentativa dos líderes mundiais como quem edita um jornal em Marte para leitores terráqueos. E finge esquecer que até bem pouco tempo fazia boutades com as bobagens alinhavadas por uma dupla de apologistas do chamado livre mercado, que chamavam de idiotas todos os pensadores que um dia pretenderam vincular o Estado e a economia ao compromisso do combate às desigualdades sociais – entre eles o sociólogo e ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso.

Troca de fraldas

A imprensa olha a crise e as soluções propostas pelos dirigentes das principais economias do mundo como se não tivesse protagonizado e se beneficiado das ações irresponsáveis que culminaram com a ameaça da quebradeira geral e com a chegada da recessão aos melhores salões do mercado.

Não se espere um mea-culpa, que essa espécie de reconhecimento e humildade não cabe no perfil do jornalismo. Também não se iluda quem imagina que, de um momento para outro, brotarão manchetes em defesa do controle social sobre o capital, ou qualquer espécie de mudança no sistema que não sejam as medidas emergentes anunciadas pelos líderes do G-20.

A imprensa quer passar pelo centro da crise bem quietinha, levantando a menor poeira possível sobre a natureza perversa do sistema econômico que exaltou durante os últimos vinte anos. Quem sabe a crise passa sem que a sociedade insista em mais controle sobre o capital do que as 47 medidas que estão sendo recomendadas por quem vai financiar a troca de fraldas do capitalismo.

Redes sociais

Nenhuma linha sobre possíveis conseqüências sociais das medidas que vêm por aí, nenhum cálculo sobre perdas nas recentes conquistas que alcançaram parte das populações de baixa renda, principalmente no Brasil, China e Índia. E, principalmente, nenhuma referência à conveniência de incluir entre os objetivos do socorro ao mercado alguma exigência quanto ao desafio da preservação do patrimônio ambiental.

O momento histórico é grandioso, mas a imprensa tradicional parece pequena demais para fazer a crônica destes dias. Quando forem organizar os elementos para contar a história do nosso tempo, os estudiosos terão que recorrer aos blogs e às redes sociais, onde uma imensidão de dados e reflexões circula dia e noite e onde o debate inclui toda espécie de pensamento.

Os jornais, até aqui, fazem uma cobertura correta. É pouco.

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Jornalista