A notícia de que o Ministério Público Federal denunciou o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza e outras 26 pessoas recoloca em debate a questão do financiamento das campanhas eleitorais. Pelo menos seria de se esperar que a imprensa conectasse o novo fato às discussões sobre a reforma política que patinam no Congresso Nacional.
O notório publicitário, que se tornou figura comum nas manchetes escandalosas que acompanharam o caso que a imprensa chamou de ‘mensalão’, foi denunciado por um fato anterior: a acusação de envolvimento no caixa 2 da campanha do agora senador Eduardo Azeredo, do PSDB, que em 1998 tentava se reeleger governador de Minas Gerais.
Valério e os supostos cúmplices, entre os quais figuram diretores do Banco Rural e o ex-juiz eleitoral Rogério Tolentino, teriam criado na ocasião o esquema de arrecadação de recursos com base em contratos superfaturados com empresas estatais. O dinheiro, desviado através de empresas controladas por ele, seria destinado a financiar a campanha de Azeredo. O magistrado teria recebido 300 mil reais para garantir que a candidatura de Azeredo não viesse a sofrer restrições na Justiça Eleitoral.
O publicitário está preso desde o dia 10 de outubro por envolvimento em outro caso de corrupção. Ele e o ex-juiz eleitoral Tolentino são acusados de comandar uma quadrilha que tentava chantagear fiscais da Receita Federal em benefício de empresas com problemas no Fisco.
Falta um empurrão
O leitor certamente se recorda de como a imprensa encheu páginas e páginas com o outro escândalo, aquele que envolveu o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e deputados da base aliada do governo federal.
Agora que o suposto articulador do esquema que parece ter se espalhado por toda a política nacional está na iminência de ir a julgamento, seria uma boa hora para reportagens investigativas que pusessem a nu essa velha prática.
Quem sabe, com um empurrãozinho da imprensa e o devido engajamento da opinião pública, não se consegue fazer com que o Congresso aprove uma lei que moralize as campanhas eleitorais.
Ou seria esperar demais da imprensa e do Congresso?
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Consciência negra
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 225 dos 5.561 municípios do país, não chegou a animar os jornais para um debate sobre a herança cultural africana ou as conseqüências da escravidão nas diferenças sociais que ainda marcam a sociedade brasileira neste século 21.
O dia, 20 de novembro, foi escolhido em função da data da morte de Zumbi, o líder do Quilombo dos Palmares, em 1695. A data deveria carregar, portanto, o espírito libertário e a marca da utopia, que caracterizaram a tentativa dos quilombolas de recriar em terra estranha uma sociedade que consideravam ideal. Mas os jornais de quinta-feira (20/11) oferecem pouco mais do que a programação cultural e de entretenimento para a efeméride.
A Folha de S.Paulo se limita a noticiar a programação do show de música marcado para a Praça da Sé, na capital paulista. O Estado de S.Paulo noticia que a estátua do marinheiro João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata, será reinaugurada na Praça XV, no Rio. O Estadão também reproduz debates sobre as divisões no chamado movimento negro no Brasil e as opiniões divergentes entre as lideranças da comunidade étnica sobre a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos.
O Globo não produziu uma edição diferenciada, mas recheou o jornal de hoje com reportagens sobre a situação dos brasileiros de origem africana, mostrando que a Justiça ainda reluta em dar ganho de causa aos queixosos que tentam se valer da legislação anti-racista.
Também no Globo, destaque para uma consulta do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, segundo a qual 98% dos cariocas votariam num negro para governador do Rio, enquanto 96% afirmam que votariam num candidato negro para presidente da República.
Democracia racial
A imprensa não precisa de um dia especial para discutir as questões relevantes para a sociedade, mas as efemérides sempre servem para refrescar a memória e repensar a História.
No caso das relações étnicas e as diferenças sociais que ainda herdamos da escravidão, os jornais não consideraram importante aproveitar o Dia da Consciência Negra para esse debate.
E por aí seguimos, alardeando que o Brasil é a maior democracia racial do mundo. E soam os tambores e repicam os tamborins.