Leia abaixo a seleção de terça-feira para a seção Entre Aspas.
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Folha de S. Paulo
Terça-feira, 25 de novembro de 2008
FUTEBOL
O radialista esportivo que garimpou Zico
‘A prática de narrar futebol de botão revelou a Celso Garcia o jeito para o radialismo. E o olhar clínico que adquiriu para o futebol presenteou torcidas com um craque.
Natural de Lorena (SP), mudou-se criança para Belo Horizonte (MG). Só que a carreira não começou lá. ‘Enquanto todo mundo ia ao Rio conhecer o mar, ele foi conhecer o Flamengo’, brinca a neta. Nos anos 60, no Rio, começou na Rádio Continental, como repórter.
Foi na Rádio Globo, porém, que começou na área esportiva -na emissora, aposentou-se nos anos 90. Ficou conhecido como o Garoto do Placar. Teve também passagem pela Rádio Tupi, quando cobriu a Copa do Mundo de 1978 -ao longo da carreira, cobriu seis copas.
Chegou também a ser professor de radiojornalismo de uma universidade do Rio.
Sua maior contribuição para o futebol brasileiro foi ter percebido o valor de um moleque de nove, dez anos que jogava perto de sua casa.
Uns quatro anos depois, levou o menino de apelido Zico para o Flamengo. ‘Celso vivia em casa. Adorava o pastel da minha mãe’, lembra Fernando, irmão do jogador.
Zico, que estava no Uzbequistão quando o amigo morreu, chamou-o em seu site de ‘a pessoa mais importante’ de sua história esportiva. ‘Foi o maior rubro-negro que conheci’, escreveu.
Em 1997, Celso perdeu um filho com leucemia. Anteontem, morreu aos 79, no Rio, após sofrer uma parada cardíaca. Teve dois filhos e quatro netos. Deixa viúva.’
Folha de S. Paulo
Time oficializa a blindagem em site
‘Em seu site, o São Paulo divulgou que, por ordem de Muricy Ramalho, estão vetadas ‘entrevistas especiais, participações em programas ou eventos e muito menos declarações confiantes demais’ dos jogadores antes do jogo contra o Fluminense, no domingo. ‘Todos precisam entender que nosso momento é decisivo. Não ganhamos nada, e o time será blindado mesmo’, afirmou o treinador são-paulino.’
TODA MÍDIA
Apesar da crise
‘Entrando na Globo no final do pregão, ontem ao vivo, a disparada na Bovespa. ‘Além da notícia vinda dos Estados Unidos’, sobre a operação de salvamento do Citigroup, ‘uma informação divulgada pelo Banco Central impulsionou os negócios: em outubro, os investimentos diretos estrangeiros, aqueles de longo prazo feitos no setor produtivo, continuaram em alta. Apesar da crise’.
Na manchete da Reuters Brasil, ao longo de tarde e noite, ‘Apesar da crise, Guido Mantega vê expansão de 4% em 2009’. Antes, na manchete do ‘Valor’ de papel, ‘Apesar da crise, empresas investem em tecnologia da informação’, relacionando Claro, Banco do Brasil, Pão de Açúcar, Cyrela.
ARMAS, ARMAS
Moisés Naím, editor da americana ‘Foreign Policy’ e colunista no espanhol ‘El País’, entre outros, escreve com alarme sobre a ‘América Latina e suas novas amizades’. Cita as turnês do russo Dmitri Medvedev, para ‘venda de armas’, e do chinês Hu Jintao pela região -e se estende sobre o convite de Celso Amorim ao iraniano Mahmud Ahmadinejad, para uma visita.
Sobre Medvedev, que se reúne hoje com Lula, o ‘Valor’ destacou que, ‘sem alarde, o Brasil fechou a compra de 12 helicópteros de ataque MI-35 fabricados na Rússia, tanques blindados aéreos que se destinarão à vigilância da Amazônia’. Mais uns dias e a visita é do francês Nicholas Sarkozy, também com armas.
E ARMAS
Mas o foco russo é na Venezuela, detalha o ‘Christian Science Monitor’, ecoando o ‘New York Times’ ao apontar a crescente ‘preocupação’ dos EUA com o exercício naval conjunto no Caribe, esta semana
CRESCENTE
O correspondente Juan Arias escreveu no ‘El País’ sobre ‘A crescente liderança do Brasil na América do Sul’. Diz que ‘a forma como o governo brasileiro vem reagindo a uma série de contenciosos com vizinhos como Equador, Bolívia, Paraguai, Venezuela e Argentina revela, na prática, um reforço na liderança brasileira’. Descreve Lula como ‘um animal político’.
Já o argentino ‘La Nación’ destaca, do correspondente em Washington, citando assessores do presidente eleito: ‘Brasil e México, as prioridades de Barack Obama na América Latina’. Observa que seus presidentes foram os primeiros a receber ligação do democrata, que só depois falou com o colombiano e a argentina.
POR OUTRO LADO
No ‘Café com o Presidente’, Lula aproveitou o fim da conferência de biocombustíveis em São Paulo para dizer que o mundo ainda ‘vai se curvar’ ao etanol. Já na BBC o enviado Richard Bilton falou com cortadores de cana como ‘João’ e ‘Maria’, sem os sobrenomes, e ouviu da Comissão Pastoral da Terra que são como ‘escravos’. Diz a BBC que não parece ‘a energia do futuro’
DOS CIDADÃOS
No relato do jornalista cidadão de Itajaí, ‘TV não mostra o que é viver isso, famílias com as casas alagadas, levadas para abrigos’
‘Jornal Nacional’ e ‘Jornal da Record’ mostraram ontem deslizamentos gravados por cidadãos comuns em Santa Catarina, em meio à ‘tragédia’. Não faltaram também imagens de helicóptero, de cidades com ruas e mais ruas cobertas pelas águas.
O site Clic RBS, como em Nova Orleans, abriu blog só para vídeos, fotos e relatos dos ‘leitores-repórteres’. Na manchete catarinense do portal, o número crescente de mortos, segundo a Defesa Civil, listando nomes completos e idades de três a 78 anos -com descrições como ‘caiu de uma canoa quando passava por uma rua alagada’ ou ‘deslizamento de terra atingiu a residência em que morava a família’ de seis, todos mortos.
Ecoou pelo mundo, via CNN, BBC, Al Jazeera.’
TELEVISÃO
Playboy vai vender filme pornô no celular
‘O Sexy Hot será o primeiro canal pago brasileiro a explorar comercialmente várias mídias.
A partir de dezembro, venderá vídeos eróticos pelo celular.
Em janeiro, colocará no mercado caixas de DVDs com longas-metragens pornográficos. Até abril de 2009, oferecerá filmes para download na internet.
O canal pertence à Playboy do Brasil Entretenimento, empresa formada no ano passado entre Globosat (Globo) e Playboy TV Latin America. A Globo detém 60% do negócio.
Ao oferecer conteúdo fora da TV paga, principalmente em DVD e pela internet, a Playboy tenta conquistar o cliente que busca privacidade para acessar conteúdo erótico. O celular visa um público mais jovem.
Depois do Sexy Hot, a empresa fará a mesma operação com o For Man, de pornô gay.
O Sexy Hot já distribui filmes pela internet, mas apenas em streaming, tecnologia de qualidade inferior. Informa já ter 20 mil assinantes desse serviço, que pagam R$ 17,90 por mês. Com a oferta de vídeos para download na internet, o assinante poderá baixá-los em seu computador e ‘queimar’ o conteúdo em CD ou DVD para vê-lo na TV. O material será oferecido nos formatos de assinatura mensal e venda avulsa.
Pelo celular, o Sexy Hot oferecerá vídeos de até 45 segundos, com cenas de filmes, por R$ 4,50 (preço sugerido às operadoras). Também terá ringtones, wallpapers e jogos.
CAMISA
Se aceitar o convite de Walcyr Carrasco, Marcos Pasquim quebrará a ‘tradição’ de só trabalhar em novelas de Carlos Lombardi. Carrasco prepara a próxima novela das sete, ‘Caras & Bocas’. Já confirma os nomes de Flávia Alessandra, Malvino Salvador, Ingrid Guimarães, Ary Fontoura, Fulvio Stefanini, Henri Castelli, Deborah Evelyn e Maria Zilda.
CAMPANHA
Está prevista para esta quinta, na Câmara dos Deputados, a audiência pública que discutirá a renovação das principais concessões de TV do país, como as cinco da Globo. A ONG Intervozes promete levar denúncias de ‘casos de violação de direitos’ contra minorias (quilombolas, deficientes, gays, presos) em programas da Globo, Band e Record.
SÃO JORGE
Impulsionada pelo jogo do Corinthians (18,4 pontos), que a precedeu, ‘Negócio da China’ deu mais audiência no sábado (19,6) do que na sexta (18,6). O normal é o contrário. Antes, o ‘Caldeirão do Huck’ dobrou o ibope de 11 para 22 e cravou média de 18 pontos.
ANTÍDOTO
A Record começou ontem a veicular anúncios, estrelados por atores e apresentadores, pregando otimismo contra a crise financeira mundial. Num dele, diz que ‘nossos sonhos’ e ‘nossa vontade’ são maiores do que qualquer crise.
HORIZONTE
Por causa da crise, a Record prevê crescer em 2009 ‘apenas’ 15%. É muito, mas não para os parâmetros nada modestos do marketing da emissora.’
Cristina Luckner
TV conectada
‘Enfim a internet começa a ser bem aproveitada pela mídia televisiva brasileira. Está, sim, em fase beta, mas há boas idéias e formatos interessantes. Tanto na TV aberta como nos canais pagos, o meio vai além da já tão batida ‘interatividade’ que não passa da leitura de e-mails no ar.
O ‘Roda Viva’, da TV Cultura, sempre contou com a participação do telespectador. Agora, depois de 22 anos no ar, o programa reinventa essa participação e transforma o telespectador passivo em uma figura ativa dentro do programa.
Essa nova figura -cruzamento entre telespectador e internauta- ainda precisa ser batizada. São twitteiros, palpiteiros, pauteiros, roteiristas que, de suas casas, interagem ao vivo, com perguntas nos chats, participações em vídeo e análises do conteúdo exibido no ar.
A Cultura começou a transmitir, em caráter experimental, há pouco mais de dois meses, a íntegra do programa no site www.radarcultura.com.br/rodaviva, às vezes antes mesmo de ser apresentado na TV.
Esse é um verdadeiro processo de ‘auto-furo’, mas que, para os produtores, não é prejudicial. Eles acreditam que, assim, o público terá acesso mais livre ao conteúdo.
‘A TV e a internet não são concorrentes; se complementam. Com essas transmissões on-line, criamos um novo público: mais jovem, politizado, antenado’, diz Lia Rangel, responsável pelas transmissões participativas do canal.
Lia conta que a Cultura tem observado experiências mundo afora, como a da TV criada por Al Gore na internet, feita com a colaboração de internautas, a Current TV. ‘Queremos atrair os superconectados e quebrar monopólios. Qualquer um pode produzir conteúdo.’
Corrida pelo ouro
Paulo Markun, presidente da Fundação Padre Anchieta mantenedora das rádios e TV Cultura, compara esse início da TV 2.0 à caça ao ouro no Velho Oeste. ‘Não gosto dessas definições [TV 2.0]; acho que é mais do que isso. Esse início funciona como uma corrida em busca do ouro, com centenas de garimpeiros dando com os burros n’água e apenas um ou dois que vão se destacar.’ E completa: ‘Queremos ser um desses’.
Na tela do computador de quem assiste ao ‘Roda Viva’ pela internet estão três visões diferentes: a da câmera ‘oficial’, a dos bastidores e a câmera que acompanha o andamento do trabalho do chargista Paulo Caruso. Nas colunas de texto, perguntas e comentários chegam via chat e twitter.
Outras experiências de transmissão experimental participativa já foram feitas pela Cultura, como nos programas ‘Vitrine’ e ‘Cambalhota’.
Na TV paga, o Futura faz uma experiência parecida. O ‘Jornal Futura’ disponibiliza antes na internet uma reportagem que será veiculada na TV.
‘Por não trabalharmos dentro dos moldes da atualidade e da notícia quente, temos a possibilidade de fazer essa reflexão sobre a notícia’, diz a gerente-geral do Futura, Lúcia Araújo.’
Sylvia Colombo
Glenn Close volta a assustar em ‘Damages’
‘Que Glenn Close é assustadora, todo mundo já sabia. Afinal, quem esquece a amante psicopata de Michael Douglas em ‘Atração Fatal’ (1987)?
O seriado ‘Damages’, cuja primeira temporada sai agora em DVD, pega carona nesta capacidade de aterrorizar da atriz para amarrar um engenhoso thriller em 13 capítulos.
Close é Patty Hewes, uma temida advogada, chefe de um dos mais importantes escritórios de Nova York, conhecida por sua capacidade de manipular as leis de acordo com o interesse dos seus clientes.
Seu adversário do momento é o empresário milionário Arthur Frobisher (Ted Danson), acusado de tirar de modo ilegal os benefícios de centenas de seus ex-funcionários.
A história se mostra em dois planos. Um deles acontece no presente, quando essa briga de peixes-grandes começa a evoluir. O outro se passa alguns meses à frente, no momento em que um sangrento assassinato misterioso revela-se como o clímax da intriga.
No centro da tormenta está a jovem Ellen Parsons (Rose Byrne), iniciante na profissão, que acaba de ser admitida no escritório de Hewes sem saber muito bem o porquê. Na verdade, não é em seu talento que a raposa velha está pensando, mas sim no fato de que, próxima a ela, está uma testemunha que pode destruir Frobisher.
Num suspense à ‘24 Horas’, em que a cada bloco do programa uma surpresa ou dá sentido novo à trama ou a embrulha ainda mais, cada personagem vai deixando claro que possui segundas intenções ou segredos íntimos que devem defender a todo o custo.
O título da série -que em português significa ‘danos’- cabe perfeitamente, pois todos pagam caro por ações de moral duvidosa, alguns deles com a própria vida.
Mas o ponto em que a série inova mesmo é ao chacoalhar um clichê do cinema norte-americano, o ‘filme de tribunal’. Apesar de se tratar de uma trama ‘jurídica’, quase não há cenas de embate direto nas cortes. Tudo se desenrola nos bastidores, e a cada episódio com eletrizantes viradas.
Premiada com Emmy, Globo de Ouro e outros, ‘Damages’ promete melhorar se vier mesmo a ter uma seqüência. Afinal, quando esta primeira temporada acaba, os poucos que eram bonzinhos ou morreram ou passaram de vez para o ‘lado negro da força’.
DAMAGES
Lançamento: Sony Pictures
Quanto: R$ 69,90
Avaliação: bom’
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O Estado de S. Paulo
Terça-feira, 25 de novembro de 2008
DITADURA
Exposição de fotos mostra País sob o AI-5
‘O Ato Institucional número 5, editado em 13 de dezembro de 1968, é tema da exposição AI (s) Nunca Mais – Imagens que o Brasil não viu ou esqueceu. Por meio de imagens, dá um panorama do País após o endurecimento do regime militar. A exposição fica na Caixa Cultural, no centro do Rio, até 23 de dezembro, com entrada franca.’
TECNOLOGIA
Apple é acusada de infringir patente
‘A Apple é o alvo de um processo que afirma que a tecnologia usada para que o iPhone possa navegar na internet infringe uma patente registrada por Elliot Gottfurcht e dois co-inventores de Los Angeles.O processo foi registrado pela EMG Technology ontem, no Texas. A EMG foi fundada por Gottfurcht e tem somente um empregado. A Apple disse que não iria se pronunciar sobre o assunto, pois não discute litígios pendentes.’
TELEVISÃO
Pantanal X Favorita
‘Silvio Santos vai mudar um de seus bordões. Para abrigar Revelação, a primeira novela de sua mulher, Iris Abravanel, o patrão terá de abolir a anúncio que informa a exibição de Pantanal no SBT para ‘logo após A Favorita’.
Com a estréia da trama de Iris no dia 8 de janeiro, Pantanal passará a competir com a trama das 9 da Globo. A reprise, que estava entrando no ar por volta das 22h30, irá ao ar pontualmente às 22 horas.
A mudança deve afetar toda a grade de programação da emissora, que sofrerá uma espremidinha a partir do dia 8.
Tudo para comportar Revelação antes das 23 horas.
O novo embate pode não agradar à Globo e à Record, pois Pantanal é sempre uma ameaça e pode sim roubar audiência de A Favorita e Os Mutantes.
A idéia de SS é bombar o ibope com Pantanal para deixá-lo em alta para sua nova aposta. O dono do SBT pensou até em exibir a reprise antes das 22h, mas bateu nos banhos de rio e na classificação indicativa do folhetim.
Outra estratégia do SBT é exibir Revelação colada em Pantanal, sem intervalo comercial, para segurar a audiência.’
Arnaldo Jabor
Flora, que amamos odiar
‘A extrema maldade de Flora da novela A Favorita nos faz indignados e fascinados. Patrícia Pillar esta dando um show, como também Gloria Pires fez no passado com Maria de Fátima em Vale Tudo, que iniciou a leitura da psicopatia brasileira. Ela está em toda parte, na política principalmente, na busca louca do sucesso e na fuga do anonimato e em sua decorrência: o crime. Antigamente, nos romances e filmes, nos identificávamos com as vítimas; hoje, nos fascinamos com os vilões. Não torcemos mais pelos mocinhos – torcemos pelos bandidos. Por quê? Bem, porque os psicopatas são o nosso futuro, a vida moderna nos levará a isso. Pensem no último Coringa do Batman, interpretado pelo falecido Heath Ledger.
Diante dos cadáveres, da miséria, do cinismo, somos levados a endurecer o coração, endurecer os olhos, a ser cínico em busca de um funcionamento ‘comercial’. Do contrário, seremos descartados, tirados ‘de linha’ como um carro velho. A sociedade está parindo legiões de psicopatas, muitos disfarçados de chiques ou light. Nem todo psicopata esquarteja mulheres no parque. O livro Mentes Perigosas, da psiquiatra Ana Beatriz B. Silva, nos dá medo: a cada 25 pessoas, uma é psicopata. Podem passar a vida toda tranqüilamente, prejudicando os outros, sem nunca serem descobertas.
O psicopata light, que não faz picadinho de ninguém, tem as mesmas molas que movem o esquartejador. Ele parece muito sadio e simpático. Não é nervoso nem inseguro. Tem encanto e inteligência; sem afetividade ou culpa para atrapalhar, tem uma espantosa capacidade de manipulação dos outros, pela mentira, sedução e, se precisar, pela chantagem. Questionado ou flagrado, o psicopata sempre se acha inocente ou ‘vítima’ do mundo, do qual tem de se vingar. Ele, em geral, não delira. Suas ações mais absurdas e cruéis são justificadas como lógicas, naturais, já que o ‘outro’ não existe. Não sente nem remorso nem vergonha do que faz (o que nos dá uma secreta inveja). Ele mente compulsivamente, muitas vezes acreditando na própria mentira, para conseguir poder. Seu fraco ‘amor’ aparece apenas como posse ou controle. Não olha para dentro de si, nem aprende com a experiência, simplesmente porque acha que não tem nada a aprender.
O psicopata não deprime. Ele atua e pode fazer muito sucesso num mundo onde a alegria falsa e maníaca é obrigatória. Estes tempos de alegria obrigatória são ‘sopa no mel’ para os psicopatas, os chamados psicóticos ‘sãos’, como os nomeiam alguns psicanalistas hoje.
Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de ‘funcionar’, temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ser uma mímica dos produtos de ‘qualidade total’. Para isso, há o Prozac, o Viagra, os uppers, os downers; senão, nos encostam como arcaicos. ‘A depressão não é comercial’, me disse uma bichinha chorando, um costureiro à beira do suicídio que tinha de sorrir sempre, para as freguesas, para as fotos, senão perdia a clientela e a fama.
No entanto, a depressão importa. A melancolia é fundamental para a criação e para a felicidade. Estamos erradicando uma força cultural brutal, a musa por trás de muita arte, poesia e música. Estamos aniquilando a melancolia.
Há uma nova ciência, a ciência da felicidade. Parece realmente ser uma era de perfeito contentamento, um grande mundo novo de sorte persistente, alegria sem problemas, felicidade sem penas.Mas, sem um desencanto com o sentido da vida, sem um ceticismo crítico, sem a morte no pensamento, ninguém chega a uma reflexão decente. A melancolia, longe de ser uma mera doença ou fraqueza de espírito, é quase um convite milagroso para transcender este status quo banal e imaginar as inimagináveis possibilidades de existência. Sem melancolia, a Terra iria provavelmente se congelar num estado fixo, tão previsível como o metal. Só com a ajuda da angústia constante este mundo à beira da morte pode ser transformado, reavivado, levado ao novo.
Quando nós, com aparente felicidade, nos seguramos numa ideologia qualquer, este mundo subitamente parece entrar numa coerência estática, uma divisão rígida entre o certo e o errado. O mundo, dessa forma, torna-se desinteressante, morto.
No Brasil, com a crise das utopias e com a exposição brutal de um escândalo por dia, com a propaganda estimulando a ridícula liberdade para irrelevâncias, temos o indivíduo absolutamente sozinho. Isso leva a um narcisismo desabrido, base da psicopatia. Somos hoje sem limites morais em luta por um lugar ao sol. Ou pela fama ou por um golpe na praça. Queremos ser ricos ou famosos. A sobrevivência moderna precisa do crime, cada vez mais.
E esse comportamento está deixando de ser uma exceção. O psicopata é um prenúncio do futuro, quando todos seremos assim para sobreviver. A velha luta pela ética, pela paz, pela solidariedade está virando uma batalha vã. Esses sentimentos humanos só foram possíveis ‘historicamente’. Raros foram os momentos em que vicejaram. Os chamados comportamentos ‘humanos’ estão se esvaindo na distância. O que é o ‘humano’ hoje? O ‘humano’ está virando apenas um lugar-comum para uma ‘bondadezinha’ submissa, politicamente correta. O ‘humano’ é histórico também. Talvez não haja mais lugar para esse conceito, que é mutante. Somos máquinas desejantes que nos transformamos com o tempo e a necessidade.
Antes, os psicopatas tocavam num mistério que não queríamos conhecer. Tínhamos medo deles. Hoje, temos de competir com os psicopatas, que em geral nos vencem, com sua eficiência, rapidez e falta de escrúpulos. Estamos vendo que essa antiga doença vai acabar virando uma ‘virtude’ no futuro.
Ficou arcaica a idéia de compaixão e um dia seremos tocados pela graça da insensibilidade. Como os psicopatas. Temos de esfriar o coração para viver no Brasil. Por enquanto, ainda falamos ‘Que horror!’, mas um dia chegaremos a um coração perfeitamente frio. Um dia seremos todos psicopatas.’
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