Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O futuro do mestrado e a formação de jornalistas

A continuidade dos cursos de mestrado em seus padrões atuais no Brasil foi questionada publicamente pelo epidemiologista Naomar Monteiro de Almeida Filho, reitor da Universidade Federal da Bahia, em seu artigo ‘O fim do mestrado…’, na edição de domingo (23/11) da Folha de S.Paulo. A discussão por ele proposta já ocorre há algum tempo na comunidade acadêmica. Ele a destaca agora para também ressaltar iniciativas adotadas em sua instituição.


No que diz respeito ao jornalismo, essa discussão é posta na mídia no momento em que o Ministério da Educação se propõe a avaliar a possibilidade de criar cursos de especialização ou de pós-graduação para que formados em outras áreas também possam exercer essa profissão (‘Haddad defende discussão de novas diretrizes para cursos de jornalismo’, Agência Brasil, 19/09/2008).


O artigo do reitor da UFBA tem alguns pressupostos que parecem ser equivocados. Um deles é o de que o mestrado, definido como habilitação à docência em nível superior, ‘só existe no Brasil e, em menor escala, em alguns países latino-americanos’. Isso não confere, por exemplo, com as orientações da pós-graduação da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Seja como for, no Brasil já existe há algum tempo a tendência, ainda em nível restrito, de aceitar o acesso direto da graduação para o doutorado daqueles que se mostram em condições de fazê-lo sem passar pelo mestrado. Nunca houve impedimento legal para isso, e esse acesso direto é consagrado em muitos países.


Em síntese, Almeida Filho propõe para o Brasil aquilo que, segundo ele, já ocorre em sua instituição: a ‘expansão dos mestrados profissionais (devidamente redesenhados) e equivalência entre essa modalidade e cursos de especialização’. Para isso, diz ele, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) deve rever todo o marco regulatório do mestrado no Brasil e ‘elaborar diretrizes específicas para os mestrados profissionais’. Essa modalidade enfrenta há algum tempo resistência de parte da comunidade acadêmica, mas é vista também de forma positiva, como mostraram alguns artigos da Revista Brasileira da Pós-Graduação em sua edição de julho de 2005 (v. 2, n. 4).


Lato ou stricto sensu?


Independentemente de a proposta do reitor baiano corresponder ou não a uma tendência majoritária ou crescente do ensino superior brasileiro, a discussão que ele traz para fora da academia possui elementos relevantes para a temática a ser discutida pelo MEC. A comissão com essa incumbência já tem seu presidente definido: José Marques de Melo, fundador da Escola de Comunicações e Artes da USP, onde lecionou de 1967 a 1993 e foi diretor, e desde 1993 professor de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo. O comunicado do MEC sobre a aceitação de Melo para o cargo se referiu apenas a ‘estabelecer as novas normas e diretrizes curriculares dos cursos de jornalismo’. No entanto, declarações anteriores do ministro Fernando Haddad foram claras em relação a avaliar também alternativas de formação profissional por meio de pós-graduação para diplomados em outras áreas.


Especialização e mestrado são modalidades muito distintas de pós-graduação. A primeira é feita em cursos lato sensu, que têm muito mais a ver com a formação continuada. Eles não visam à formação de pesquisadores, embora alguns deles cheguem a oferecer condições para isso. São concebidos sob a perspectiva de um graduado poder se aperfeiçoar, especializar ou atualizar por meio de sucessivos cursos ao longo de sua vida profissional. Já o mestrado, inclusive o profissionalizante, se dá por meio de programas stricto sensu, que correspondem, em princípio, a uma etapa de formação para a pesquisa. Como explicou Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia da USP e diretor de Avaliação da Capes,




(…) todo curso de atualização ou de informação, por melhor que seja, deve estar fora do stricto sensu. Essa é a fronteira entre o lato e o stricto sensu: no mestrado profissional espera-se que a pessoa, mesmo não pretendendo depois ser um pesquisador, incorpore certos valores e certas práticas com a pesquisa que façam dela, em definitivo, um usuário privilegiado da pesquisa. (‘Ainda sobre o mestrado profissional’, Revista Brasileira da Pós-Graduação, Brasília, v. 3, n. 6, p. 313-315, dez. 2006).


Em vista disso, parece ser um equívoco submeter graduados de outras especialidades a uma formação em jornalismo por meio de mestrado, seja ele profissionalizante ou não. É desejável que um jornalista seja ‘usuário privilegiados da pesquisa’, mas, nesse caso, das áreas em que ele pretende atuar, como economia, política, saúde, ciência, educação, informática e outras, e não em comunicação. Em outras palavras, essa formação complementar em nível de pós-graduação teria de ser lato sensu.


Planos do MEC


Não está nos propósitos de Haddad a alternativa de formação por meio de mestrados profissionalizantes, segundo Edson Luiz Spenthof, professor da Universidade Federal de Goiás, ex-diretor da Fenaj e atual presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ). Em seu relato sobre a audiência em 23/10/2008 de representantes da entidade, da Fenaj e da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) no MEC, o professor afirmou que Haddad não pretende também tratar do assunto no plano do lato sensu.


Por exclusão, restaria apenas o mestrado tradicional como alternativa de pós-graduação. No entanto, o ministro teria afirmado também, nessa audiência, a possibilidade de uma ‘dupla diplomação’. O presidente do FNPJ ressaltou três vezes em seu relato que a posição de Haddad sobre esse assunto ‘não ficou clara’.


O ministro, felizmente, não se mostrou norteado nesse tema pela questão da obrigatoriedade da formação de jornalistas, conforme estabeleceu o Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969. Cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre o Recurso Extraordinário 511961, do Ministério Público Federal de São Paulo, que ensejou Ação Cautelar 1.406, da Procuradoria Geral da República, para a qual foi concedida liminar do STF que suspendeu a exigência do diploma em 16/12/2006.


Uma das maiores ameaças aos trabalhos dessa comissão do MEC é a persistente e hegemônica tendência entre acadêmicos brasileiros de jornalismo em desconsiderar estudos e pesquisas estrangeiros sobre a formação profissional. Outro perigo é o do corporativismo dos professores de jornalismo, que já sentem o risco de fechamento de muitas faculdades devido à possibilidade de ser abolida pelo STF essa obrigatoriedade do diploma específico que serviu de combustível para a proliferação desenfreada de cursos no país.


Em relação a essas duas ameaças, o ministro da Educação já parece estar vacinado. Na audiência aos representantes do FNPJ, Fenaj e SBPjor, Haddad pediu aos presentes sugestões de nomes, ‘mas que não devem ser indicações institucionais, pois isso não teria dado certo em outras ocasiões’, relatou Spenthof. ‘Também não se comprometeu em aceitar, a priori, as nossas indicações. Ele disse que espera que as pessoas indicadas tenham uma sólida experiência tanto de redação quanto da docência e uma igualmente sólida formação teórica’, complementou o presidente do FNPJ.


Um terceiro fator de risco é a excessiva ideologização de estudos e pesquisas no Brasil no campo do jornalismo e seus reflexos no ensino de graduação e de pós-graduação, como apontou Hélio Schuch, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, em seu artigo ‘Adequação do ensino na formação de jornalistas’ (Sala de Prensa, v. 2, n. 2, outubro de 2002). Nesse ponto, a escolha de um estudioso com ampla envergadura intelectual que é José Marques de Melo para presidir a comissão do MEC se mostra um bom lance inicial do ministro.


Retrocesso e maniqueísmo


Enquanto isso, alguém precisa avisar ao colega de Haddad no Ministério do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, que ainda há tempo para poupar sua pasta de perpetrar um papelão. Em vez de aguardar não só pelas conclusões da comissão do MEC sobre a alternativa de formação de jornalistas, mas também pela decisão do STF sobre a exigência do diploma, um grupo que jamais deveria ter sido montado segue em plena atividade. Trata-se do grupo de estudos ‘para propor alterações na legislação em vigor a fim de viabilizar a regulamentação da profissão de jornalistas’, estabelecida pela Portaria MTE nº 342, de 23/07/2008.


Formado inicialmente por representantes de categorias profissionais, de empresas jornalísticas e do próprio ministério, o grupo já teve a debandada dos membros empresariais por causa do dirigismo dos trabalhos para a obrigatoriedade do diploma. Além disso, já afirmado no artigo ‘Dois anos após o CFJ, outra péssima idéia do governo’ (08/08/2008),




Se há alguma coisa que o tema da regulamentação da profissão de jornalista no Brasil já tem de sobra, e não precisa de mais nenhum reforço, é o inevitável estreitamento da razão decorrente do enfoque reducionista à relação capital-trabalho, que nada mais faz senão limitar a interpretação de cada um dos fenômenos a um enquadramento binário e maniqueísta.