Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Blogs, barrigadas e baixarias

Apesar de não ter escolhido o jornalismo por profissão, a atividade do
jornalista sempre me despertou bastante interesse. Não é por outra razão que sou
leitor do Observatório da Imprensa há bastante tempo. A análise da
imprensa por profissionais da imprensa é um tema palpitante, e certamente traz a
mim, enquanto destinatário de notícias, um olhar diferenciado em relação às
publicações midiáticas.


Se me considero um leitor ávido por notícias, dentro do jornalismo a minha
preferência sempre foi pelo mídia esportiva, notadamente aquela relacionada ao
futebol e à Fórmula 1, assuntos que me desligam, ainda que momentaneamente, das
agruras do dia-a-dia às quais estamos todos sujeitos, em maior ou menor
grau.


Por esta razão, há alguns meses eu lia diariamente as notícias do site
Grande Prêmio www.warmup.com.br, conceituado veículo
eletrônico de notícias sobre o mundo do automobilismo, comandado pelo jornalista
Flavio Gomes. Acompanhava diariamente as notícias sobre a Fórmula 1 publicadas
pelo GP, e também o blog do seu dono, que está dentro do site. Por acompanhar os
comentários de Flavio Gomes na ESPN Brasil, tinha-o em alta conta, como
jornalista preparado para falar sobre o tema e respeitoso com o público e com
sua profissão. Não sou profissional da mídia, repito, mas minha antiga
curiosidade pelo tema me permitiu sempre identificar o bom e o mau
jornalismo.


Aposentadoria compulsória


Eis que, para minha surpresa, deparei com um episódio intrigante envolvendo
aquelas pessoas (Flavio Gomes e Grande Prêmio) por quem cativei tanto respeito.
Em outubro, nas minhas leituras diárias do noticiário da Fórmula-1, soube, pelo
Grande Prêmio, que o veterano piloto Rubens Barrichello faria no Brasil a sua
última corrida pela equipe Honda e, provavelmente, pela categoria. De fato,
àquela altura, era um comentário recorrente em todos os meios que tratam da
Fórmula-1, mas não como certeza irrefragável, e sim, como uma possibilidade
concreta – que, como tal, carecia de confirmação pela Honda e pelo próprio
piloto, o que não acontecera.


Era fato: Barrichello, com 36 anos, é considerado velho demais para uma
categoria tão exigente como a Fórmula 1, e seu talento não é tão superior ao de
vários outros pilotos candidatos ao seu lugar. Normal, portanto, a sua despedida
forçada. Confirmar a saída de Barrichello era, pois, questão de tempo. O que
significa dizer, porque dá no mesmo, que só o tempo – e não a vontade do
jornalista, seja por qual motivo for – se encarregaria de dizer que a partir de
2009 o experiente piloto deixaria a Fórmula-1.


Contrariando as previsões do Grande Prêmio, todavia, Flavio Gomes divulgou em
seu blog, em 18/11/2008, que o repórter Bruno Vicaria (coincidentemente, do
mesmo Grande Prêmio que noticiara a aposentadoria compulsória de Rubens
Barrichello) apurou a informação de que Rubinho continuaria na Honda em 2009.
Divulgou tal nota, obtida por fonte sigilosa, em seu blog.


‘Sim, sou mal-educado’


De imediato, lembrei-me das notícias que eu havia lido no site de Flavio
Gomes, desmentidas por um repórter que trabalha bem embaixo do seu nariz. E,
motivado entre outras razões por seu comentário no blog de que aquela notícia
precisava ser maturada, e que por isso não estava no Grande Prêmio, meio,
segundo ele, ‘mais sério’ de jornalismo, fiz um comentário no blog de Gomes
criticando a postura do site em dar a carreira de Rubens antecipadamente por
encerrada. Fi-lo porque, das duas uma: ou o Grande Prêmio cometera o que o
jargão jornalístico apelida de ‘barrigada’ (dar uma notícia sem confirmação como
se sacramentada fosse), ou o repórter Bruno Vicaria estava mentindo. Em qualquer
caso, uma falha jornalística da parte de Flavio Gomes, seja por permitir a
‘barrigada’ em seu site, ou por dar atenção a uma informação sabidamente falsa
em seu blog.


Respondendo meu comentário, Flavio Gomes seguiu o caminho mais fácil:
desqualificar a crítica desqualificando o crítico. Disse que o Grande Prêmio
nunca havia ‘aposentado’ Rubens Barrichello. A íntegra de sua resposta,
reproduzo:




‘Não seja mala, o GP nunca noticiou ou manchetou que era a última corrida,
rapaz. Sempre no condicional. Leia direito. E o Bruno não publicou a informação
dele no site, e sim no seu blog. Tentei ser o mais claro possível no texto que
escrevi. Se não entendeu, eu posso desenhar. Sim, sou mal-educado, mesmo, antes
que pergunte’ [ver
aqui
].


Avestruz arrogante


Ponderei, então, com o colunista, que o Grande Prêmio havia, sim, dado a
notícia da saída de Rubens Barrichello como certa. Enviei-lhe, inclusive, a
reprodução de notícia neste sentido. Flavio Gomes, todavia, omitiu a publicação
deste comentário meu, imagino, por temer que seus leitores percebessem o mesmo
que eu percebi.


Diante da assumida demonstração de má educação desferida contra um leitor,
Flavio Gomes demonstra despreparo para lidar com o público, algo que faz parte
do seu ofício. Mas isso, isoladamente, não me traria maiores incômodos, pois
educação é algo que depois de certa idade é como aquela propaganda de carro: ou
você tem, ou você não tem. Não tenho o mínimo interesse em educar Flavio
Gomes.


O que realmente me incomodou foi perceber que um grande e respeitado veículo
de comunicação, comandado por um experiente jornalista, mesmo confrontado com a
constrangedora encruzilhada de ter de assumir um grande erro ou outro grande
erro comporta-se como um arrogante avestruz: faz de conta que os equívocos não
existem e ainda destrata quem os aponta. E isso não tem nada a ver com o fato de
a blogosfera ser um espaço, por assim dizer, livre na internet, onde o blogueiro
dispõe da forma que quiser sobre o que quiser.


Reconhecer o erro


Entendo ser cabível discorrer sobre este episódio não por algum ranço pessoal
contra o jornalista em questão, mas pelo fato de que a imprensa ter normas,
acredito, que exigem responsabilidade com a informação publicada. Se ela é
certa, assim deve ser transmitida para o público. Se é mera especulação, por
mais forte que seja, não pode ser passada como outra coisa, sob pena de
desmoralizar o veículo de comunicação – e, via de conseqüência, o jornalista por
ele responsável.


Por tudo isso, a conduta do site Grande Prêmio diante da iminente ‘barrigada’
cometida no episódio Honda-Rubens Barrichello serve, a meu ver, para que a
imprensa esportiva ligada ao automobilismo trate de modo mais sério as notícias
que veicula. Porque, por mais fácil que pudesse parecer o palpite sobre o futuro
do veterano piloto (e considerando crível a notícia dada por Bruno Vicaria,
ainda que não se concretize), dar por favas contadas um fato jornalisticamente
relevante sem base para tanto não passa disso mesmo: um palpite. A meu ver, nem
adianta mais o Grande Prêmio torcer para que Rubens Barrichello seja ejetado da
equipe Honda. A única forma de corrigir o erro cometido é reconhecer que ele
existiu, e tomar providências para que não se repita.


***


PS: Aqui
e aqui
estão os links que reproduzem as matérias originalmente publicadas no Grande
Prêmio, no site da Bridgestone, parceira do GP, em 30/10/2008 e 07/09/2008, onde
se aponta a aposentadoria antecipada de Barrichello.

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Advogado, Fortaleza, CE