O novo conceito de jornalismo aplicado em muitos veículos, seja na televisão, na internet ou mesmo no jornal impresso, ganhou as páginas dos gibis infantis, tornando-se motivo de piada, mas uma piada reflexiva. Diferente do que é ensinado nas academias, o que se percebe é que o jornalismo atual é favorável ao sensacionalismo, à busca desenfreada pela audiência do público e à cobertura desmedida de fatos, sem seguir preceitos básicos da profissão, como a apuração, por exemplo.
Na edição nº 23 da revista em quadrinhos da Mônica, a historinha principal, intitulada ‘A Folha do Limoeiro’, traz como protagonistas da história, além da Mônica, sua amiguinha Denise, que sonha em ser jornalista. A partir de uma idéia, as duas iniciam a caça por notícias para preencher o novo jornal do bairro mais famoso no mundo criado pelo desenhista Maurício de Souza. Na página 5, Mônica indaga à amiguinha o porquê dela não criar um blog, pela facilidade na disseminação de notícias. Como resposta, a dona do coelho Sansão ouve que ‘Blog não dá dinheiro! E eu quero ficar rica antes dos trinta…’ Logo, Denise pressupõe que sendo dona de um jornal, por conseqüência, conseguiria muitos frutos, o que não é tão real assim na vida de qualquer empresário do ramo jornalístico.
Curiosidade mórbida
Não encontrando notícias de seu interesse, Denise possui nova idéia, destacada na página 16, onde segue o diálogo:
Mônica: ‘Nunca vamos achar uma notícia interessante e…’
Denise: ‘A não ser, é claro, que a gente crie a nossa própria notícia!’
Mônica: ‘Não entendi!’
Denise: ‘É simples! Vamos armar um barraco e, depois, escrever sobre ele!’
Mônica: ‘Glup! Que tipo de barraco?’
Denise: ‘Alguma coisa grande, que chame a atenção de todo mundo! Alguma coisa que o público sempre quis ver!’
Contextualizando a conversa em uma breve análise sobre o jornalismo atual, vê-se que, com maior freqüência, novos casos policiais se tornam verdadeiras novelas, principalmente nos telejornais. Em algumas emissoras, as ‘telenovelas da vida real’ ganham tanta repercussão que acabam por tomar toda a grade televisiva. Um exemplo foi à extensão dada ao ‘caso Eloá’ pela Rede Record e Record News. Aparentemente, nota-se que, quanto a este fato em questão, poucas ou quase nenhuma informação nova é veiculada, o que pode significar o fim desta ‘telenovela’, ou mesmo sua suspensão temporária. Outras novas notícias são maximizadas, sempre seguidas de uma possível perpetuação. O caso da garota estuprada em Joaçaba, no interior de Santa Catarina, é um deles. Até mostrar o vídeo, mesmo que em baixíssima qualidade, algumas emissoras fizeram. E para quê? Para informar ou motivar uma curiosidade mórbida existente no imaginário de muitas pessoas?
Dizimar conceitos
Ainda de acordo com a historinha da Mônica, no decorrer da trama Denise inventa mil e uma armadilhas a fim de criar notícias. Um possível banho no sujo Cascão, um flagra de gula contra Magali e até o ataque de ‘pingüins de geladeira’ contra os seres humanos. Por fim, consegue registrar uma briga entre Mônica e alguns meninos da turma que acaba por desencadear outras trapalhadas. Não perdendo nenhum minuto, Denise registra tudo com sua câmera fotográfica, mas acaba sendo alvo de toda a armação criada, indo parar no hospital. Na página 26, ao ser visitada por Mônica, Denise trava um diálogo que se estende em desabado e mea culpa:
Denise: ‘… Estou me sentindo muito envergonhada! A sede pelo sucesso subiu à minha cabeça e me levou para o lado sujo do jornalismo… Invadir a privacidade das pessoas… se aproveitar da desgraça alheia… e inventar notícias falsas só para vender jornais! Eu esqueci que o meu compromisso era apenas com a verdade e…’
E o diálogo segue. Mônica, então, apresenta a edição feita do jornal, na qual a própria Denise aparece em uma foto constrangedora, ao passo que ela se sente ultrajada com o feito. A protagonista da revista, então, responde à ‘aprendiz’ de jornalismo:
Mônica: ‘No jornalismo e na guerra, vale tudo! Foi você mesma quem disse, lembra?’
Enfim, quantas vezes se percebe a presença de notícias que não possuem qualquer aspecto noticioso os quais, de fato, interessem realmente à sociedade, senão a intenção de fazer sensacionalismo com o mal alheio ou desgraças pessoais que acabam por se tornar nacionais? A ética jornalística que então considerava como correto levar fatos com relevância social, como, por exemplo, a falta de incentivos na saúde pública, é cada vez perdida e enterrada em calhamaços de livros teóricos, nas estantes das academias de jornalismo. A prática jornalística acaba por dizimar muitos dos conceitos aprendidos em sala de aula, levando o foca a aprender o que realmente importa para a empresa jornalística: vender fatos, a fim de alcançar o interesse público e, como conseqüência, conquistar grande ‘audiência’, aumentando as chances com grandes patrocinadores, que retribuirão a medida com contratos vultuosos…
Fatos importantes sem destaque
Informar com o intuito de educar e fazer com que o cidadão reflita sobre o que acontece ao seu redor se tornou utopia. Tal afirmativa muitas vezes tenta renascer em um ou outro veículo que aparece no mercado, principalmente na internet, onde a interatividade possibilita ao público escolher, ler e expor opiniões sobre determinada informação. No entanto, novamente a utopia volta a se apagar, em meio à gana do sucesso e da busca por resultados, principalmente os financeiros.
Não é a primeira vez que Maurício de Souza introduz em seus gibis sátiras ou reflexões acerca do jornalismo ou mesmo da televisão. É interessante que isso continue a ocorrer. Só apresentando algumas ‘verdades’ às crianças é que será possível a criação de uma sociedade futura mais crítica e reflexiva, que questiona conceitos pré-estabelecidos, além do que é recebido ou empurrado pelos meios de comunicação. Pena que o incentivo à leitura não é plenamente instituído no Brasil.
Há fatos muito mais importantes ocorrendo no país do que a crise econômica nos Estados Unidos, a vitória de Obama – também nos Estados Unidos –, ou o resultado final da tabela da série A no futebol. A seca continua imperiosa no nordeste; as madeireiras continuam funcionando a pleno vapor na Amazônia; o tráfico de drogas ainda é intenso no Rio de Janeiro e a prostituição permanece incólume nas rodovias estaduais. Mas não são fatos tão importantes para ganhar destaque dos jornais. Quem sabe, nos gibis?
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Estudante de Jornalismo, Faculdade Estácio de Sá, Florianópolis, SC