Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crônica de uma chuva anunciada

O comportamento da imprensa catarinense beira o cinismo. A chuva que assola o Estado de Santa Catarina nos últimos dias não é nenhuma novidade para os que moram nas cidades atingidas. Não é novidade porque essas mesmas cidades já passaram por isso outras vezes, nessa mesma época do ano, e também porque a previsão do tempo já vinha anunciando que a chuva, quando chegasse, ficaria por alguns dias. Também não é novidade a desfaçatez oficial dos governos do estado e de boa parte desses municípios (com destaque para Blumenau e Florianópolis), veiculando aos quatro ventos os prejuízos causados pela chuva, como se eles próprios não tivessem sido avisados do que estava por acontecer. Talvez a novidade tenha ficado por conta da intensidade da chuva, muito maior do que se presumira até então.


Tudo bem que as entidades estaduais e municipais responsáveis pela resolução de tais problemas estivessem envolvidas com o ‘rescaldo’ das eleições deste ano e, por conta do rearranjo dos cargos prometidos, não pudessem ter avisado seus superiores imediatos. O ‘anúncio’, porém, não ficou limitado às agências oficiais – boa parte da grande mídia já vinha noticiando o porvir. Embora, previamente, absolvendo os poderes públicos das conseqüências do que viria.


A idéia que tentam passar os representantes oficiais do(s) governo(s) e suas afiliadas da imprensa é de que o culpado é São Pedro, que, a julgar pelo ocorrido, definitivamente não gosta do povo catarinense. Infelizmente, o santo culpado não levou em consideração o aparelhamento político-partidário das entidades que deveriam ser as responsáveis pela prevenção de tais catástrofes e acabou colocando em xeque a competência administrativo-gerencial desses indivíduos. No caso da imprensa, o que ficou submersa foi a credibilidade.


Poucas explicações


Se fosse a primeira vez que isso estivesse acontecendo, se a previsão do tempo estivesse anunciando sol e calor e mesmo se não existisse órgão governamental algum designado para administrar tal situação, somente assim poder-se-ia admitir, mas não tolerar, as desculpas e os pedidos de clemência dos governantes locais. Estes se esquecem de dizer, durante as entrevistas, que boa parte de seus orçamentos foi gasta nas últimas eleições e que, por tal motivo, tiveram ‘dificuldades operacionais’ para investir na prevenção de tantos danos anunciados. Isso não quer dizer que os problemas simplesmente deixariam de existir, mas pelo menos seriam amortizados, se gerenciados seriamente.


É provável até mesmo que uma parte desses governantes quisesse que São Pedro e sua criada destruíssem alguns lares e famílias catarinenses, pois só assim poderiam contratar em caráter emergencial (ou seja, sem licitação) as empresas que os ajudaram durante suas campanhas deste ano. Só se esqueceram de avisar a dose do que pediam aos céus. As empresas serão contratadas, indubitavelmente, mas os prejuízos acumulados superaram, e muito, aqueles desejados para um simples superfaturamento.


Enfim, existem poucas explicações para o que está acontecendo em Santa Catarina neste momento: incompetência administrativa; malversação do dinheiro público; a ira de São Pedro – ou, o mais provável, todos eles em conjunto. Mas o que chama a atenção é a cumplicidade da imprensa local. Nunca choveu tanto oficialismo.

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Médico e cidadão catarinense