Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Libertação de Paris, 60 anos

‘Paris! Paris ultrajada! Paris dominada! Paris martirizada! Mas Paris libertada!’ O discurso do general de Gaulle diante da Préfecture de Police, no dia 25 de agosto de 1944, ecoou em múltiplas reportagens dos telejornais e nas páginas de suplementos especiais da imprensa francesa na última semana de agosto. Os atos heróicos da Resistência e a retomada da capital fazem bem aos franceses, que vivem até hoje o governo de Vichy, os colaboracionistas e a deportação dos judeus, como uma ferida nacional mal cicatrizada.

As fotos de Robert Capa, Robert Doisneau, Cartier-Bresson, Jean Roubier e René Zuber, entre outros, imortalizaram parisienses anônimos em barricadas e combates de rua. Em preto e branco, essas fotos são mais do que flagrantes de um dia excepcional, elas impregnam a retina e os corações dos leitores de hoje com a alegria das ruas de Paris. Mas mostram também o lado sombrio da libertação: jovens mulheres de cabeça raspada, acusadas de terem sido amantes de soldados alemães, prisioneiros alemães rendendo-se nos Jardins du Luxembourg, tanques cheios de soldados franceses passando diante da catedral de Notre-Dame.

Essas fotos contam melhor do que 1.000 palavras a libertação de Paris, em 25 de agosto de 1944, dia em que o general Dietrich von Choltitz assinou a rendição dos alemães na Gare Montparnasse. Antes, o alto comando alemão já tinha sido expulso do Hotel Meurice, de onde controlava Paris. A foto de Hemingway num jipe examinando um mapa, com capacete na cabeça e binóculos pendurados no pescoço, faz parte dos arquivos do Hotel Ritz, lugar mítico da capital, onde costumava se hospedar o escritor americano, então correspondente de guerra da revista Collier’s.

Foi um magnífico dia do verão de 44. Nesse dia, diversas divisões blindadas comandadas pelo general Leclerc e pelo coronel Henri Rol-Tanguy, entre outros chefes militares, entraram na capital pelo sul, Porte d’Italie e Porte d’Orléans, e pelo sul do Bois de Boulogne, para expulsar os últimos alemães.

O avanço das tropas americanas e francesas encontrou uma pequena resistência do invasor, mas a capital foi definitivamente libertada com um saldo de 1.730 mortos, entre civis e soldados das Forças Francesas Independentes e da Segunda Divisão de blindados. Nessa batalha de Paris, os alemães perderam 2.800 homens.

Nunca se viu tanta moça bonita, todas loucas para beijar soldados americanos e franceses. As fotos as mostram em vestidos domingueiros, meias soquetes e saltos anabela, festejando com bandeiras a chegada dos libertadores. Elas subiam nos tanques, se agarravam aos soldados, extravasavam toda a gratidão da cidade aos libertadores. Um ex-soldado, já idoso, contou que nunca foi tão beijado em toda a vida. ‘Ficamos com o rosto coberto de batom’.

A festa nas ruas era uma explosão de alegria coletiva. Homens e mulheres saíram de casa para se apropriarem pouco a pouco dos principais pontos da capital. Cartier-Bresson registrou em plena Rue de Rivoli a correria de uma multidão para se proteger dos tiros inimigos, já no dia 26 de agosto.

Jornalistas não perdem uma oportunidade de produzir grandes suplementos especiais, redescobrindo sobreviventes, fazendo justiça a heróis esquecidos. Mas nesta última semana de agosto, quando toda a imprensa fez um trabalho notável de pesquisa em arquivos fotográficos e mergulhou na análise histórica dos idos de agosto de 1944, o prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, e o presidente Jacques Chirac também não descansaram, dirigindo cerimônias por toda a cidade, rebatizando praças e ruas com o nome dos heróis que ajudaram a expulsar os últimos ocupantes alemães da capital que Hitler queria ver incendiada antes da rendição. Bertrand Delanoë inaugurou uma placa lembrando a participação de centenas de republicanos espanhóis na libertação de Paris. A prefeitura de Paris promoveu dois bailes com música e personagens em trajes de época, abertos a todos os parisienses: um nos Jardins do Luxemburgo e outro na Praça da Bastilha.

De Gaulle, o maior dos heróis dessa libertação, o mais conhecido, o mais citado, o mais celebrado, já empresta seu nome ao principal aeroporto de Paris, porta de entrada da maioria dos visitantes, e ao rond-point da Praça do Arco do Triunfo, Charles de Gaulle-Étoile. O general, que comandou a resistência em Londres, apareceu em todos os suplementos especiais nas famosas fotos descendo a Avenida Champs Elysées no dia 26 de agosto, cercado de outros heróis da Resistência. Uma resistente, Rosemonde Pujol, escreveu um artigo no Le Figaro para assinalar que os heróis nesse desfile a pé não estão acompanhados de nenhuma mulher, apesar de as resistentes, que arriscaram a vida para libertar a capital e a França, terem sido numerosas.

Fim da clandestinidade

De passagem, ela lembra que não é de admirar se apenas com a constituição da Quarta República, promulgada logo depois da libertação, as mulheres francesas tiveram direito de voto. Rosemonde Pujol foi condecorada com a medalha da Resistência, como muitas outras francesas que participaram do ‘exército da sombra’. Ela, como outras, levaram durante a guerra uma vida clandestina executando ações arriscadas paralelamente à vida profissional e familiar.

Como os combatentes, havia uma rede de jornais feitos na clandestinidade e distribuídos em circuitos fechados de resistentes, como o Franc-Tireur (Franco-Atirador) e Combat (Combate). Um deles, Libération (nada a ver com o jornal atual que tem o mesmo título e foi fundado em 1973 por Jean-Paul Sartre e alguns jovens maoístas de maio de 68), foi criado em julho de 1941, por um dos movimentos da resistência. Somente em 21 de agosto de 1944 (quatro dias antes da libertação de Paris) saiu o primeiro número de circulação livre, com apenas duas páginas (frente e verso) por falta de papel. Na primeira página, uma foto do general de Gaulle e o título principal: ‘Paris luta por sua libertação’. As outras matérias contam a libertação de 20 cidades da França. Outro título comemora: ‘Os últimos dias de Vichy’. Esse Libération parou de circular em 1964 e, alguns anos depois, a viúva do fundador, Emmanuel d’Astier de la Vigerie, deu autorização a Sartre e seus amigos para utilizarem o título no novo diário.

A imprensa francesa não-colaboracionista começou a sair da clandestinidade em agosto de 1944. Combat, Franc-Tireur e Défense de la France (rebatizado depois France-Soir, em novembro de 1944) se instalaram na sede de um jornal falido, L’Intransigeant. Os jornais L’Humanité (comunista) e Le Parisien Libéré se instalaram na sede de um jornal colaboracionista, Le Petit Parisien. Le Figaro, que havia desaparecido em novembro de 1942, reapareceu no dia 23 de agosto com duas páginas.