A morte do jornalista gaúcho Osmar Béssio Trindade, aos 72 anos, em Porto Alegre, no dia 1º de julho de 2009, comoveu a todos os que o conheceram e que, como eu, tiveram a oportunidade de trabalhar e aprender com ele sobre o ofício do jornalismo e da verdade. Nascido em Santana do Livramento, Trindade morreu no Hospital Santa Rita, da Santa Casa de Misericórdia, especializada em tratamentos de câncer.
Iniciou sua carreira profissional em A Platéia, de Livramento, no Rio Grande do Sul. Foi editor de polícia, chefe de reportagem e um dos líderes mais respeitados da redação da Folha da Manhã, editada em Porto Alegre, na década de 70, pela Companhia Jornalística Caldas Jr.. Durante o período agudo da ditadura militar, Trindade foi demitido do jornal por exigência do Exército, em um controvertido episódio que envolveu Breno Caldas, proprietário do jornal e porta-voz dos setores políticos e econômicos mais conservadores do Rio Grande do Sul. A saída forçada de Trindade marcou o início do fim de uma das mais criativas e inquietas redações formadas no jornalismo brasileiro da época, uma referência de qualidade jornalística, coragem e coerência política na luta pela democracia em outros estados brasileiros.
Osmar Trindade foi um dos criadores e presidente da Cooperativa dos Jornalistas do Rio Grande do Sul (Coojornal), fundada na capital gaúcha como uma tentativa bem sucedida de fortalecimento do mercado de trabalho. Entre outras publicações, a Cooperativa editou o tablóide Coojornal, com forte presença na imprensa alternativa e democrática brasileira. Entretanto, por pressões do Serviço de Informações do Exército (SIEX), durante o governo do general Ernesto Geisel, o Coojornal acabou fechando, após as prisões de seus principais editores – Elmar Bones da Costa, Rosvita Saueressig, Rafael Guimaraens e Osmar Trindade.
Independência e coragem
Sobre Osmar Trindade escreveu Sylvia Bojunga, jornalista e editora de ViaPolítica:
‘Conheci o Trindade no final dos anos 70, quando eu cursava a Faculdade de Comunicação e via os profissionais do Coojornal como modelos para um trabalho jornalístico sério e engajado. Não cheguei a me tornar sua amiga, pois nossa convivência foi breve, mas tenho muitos amigos que o acompanharam de perto em épocas distintas de sua vida, no Brasil e no exterior, e que confirmam, unânimes, a lembrança que tanto me marcou: militante batalhador, alma boa, coração grande. E isso ficava evidente na forma como tratava a todos, de olhos atentos. Nos últimos dias, foi emocionante acompanhar a mobilização dos amigos e familiares para trazê-lo de volta ao Sul, muito doente, para a despedida final. Mais uma prova de que os afetos verdadeiros se mantêm vivos no tempo e na distância. Como nunca, nesses tempos de mudanças que agravam as mazelas de quem decide abraçar o jornalismo como ofício, Trindade ainda teria muito a nos ensinar. Lembrado seja!’
Os três senadores do Rio Grande do Sul – Pedro Simon, Paulo Paim e Sérgio Zambiasi – registraram no Congresso um voto de pesar pela morte de Osmar Trindade.
‘Em 1980, acusado de divulgar documentos secretos do Exército, Trindade foi preso, num quartel em Porto Alegre, junto com os jornalistas Rafael Guimaraens, Rosvita Sauressig e Elmar Bones. Quando saiu, alguns meses depois, decidiu deixar o país, exilando-se na África, onde trabalhou durante 15 anos em Moçambique, como assessor técnico do Unicef, acompanhando a luta pela independência daquele país. De volta ao Brasil, em 1991, editou a Folha do Amapá, a convite do governador do Amapá, João Alberto Capiberibe. Mais recentemente, trabalhou em campanhas políticas na condição de free lancer e, ultimamente, discutia com um grupo de jornalistas a criação de um novo jornal em Brasília.’
Desde sua internação, dia 24 de maio, no Hospital Regional Asa Norte, em Brasília, o jornalista recebeu o apoio de uma rede formada por amigos e familiares, inclusive no exterior. Algumas horas depois de seu retorno à capital do Rio Grande do Sul, Osmar Trindade morreu. Segundo os três senadores gaúchos, ‘Osmar Trindade deixa um legado marcado pela independência e coragem na atuação profissional, mostrando que é possível fazer jornalismo com um sentido ético e de respeito aos direitos humanos.’
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Jornalista, tradutor e editor de ViaPolítica