Até onde a interatividade do sistema de televisão digital realmente alcançará? A criança que brinca com bonecas pode considerar sua ação interativa? Já a boneca, que por vezes é até mesmo programada para responder em alto e bom som, interage com a pessoa? A sensação de interatividade existe, mas a comunicação não pode ser considerada efetivamente de via dupla quando se percebe que há uma programação pré-estabelecida, constituída para dar respostas prontas a questões previamente projetadas.
Numa perspectiva ampla, a TV pode ser considerada interativa desde a sua criação, por ser permitido apertar seus botões e escolher o canal a que se deseja assistir. Mais tarde, com a chegada do controle remoto, essa relação tornou-se ainda mais efetiva, estabelecendo o que se conhece por efeito zapping, prática em que o telespectador fica trocando de canal. No entanto, é preciso relativizar o efeito interatividade, pois essas duas experiências citadas só podem ser consideradas interativas se classificadas num grau baixíssimo.
A interatividade estabelecida entre homem e máquina, independente do conceito que se adote, apresenta limites. Via de regra, este recurso tem sido incorporado essencialmente como uma estratégia de mercado para dar autenticidade ao produto midiático e atrair o público consumidor. A participação do telespectador alia-se à suposta ação de prestação de serviço desenvolvida pelas emissoras televisivas através do marketing-cidadão, como modo de agregar valor à marca da empresa que, a partir dessas iniciativas, de certa forma assume o papel do Estado na prestação de serviços à comunidade – justamente pelo fato do ente estatal não operar nos moldes exigidos pela pauta social.
Publicidade substitui educação
O termo interatividade vem sendo muito utilizado desde o lançamento da TV digital, em parte como tática de venda do novo modelo de televisão. Porém, nem mesmo o middleware Ginga, indispensável para a interatividade, está disponível em escala comercial, ainda que esteja previsto para ser lançado ainda este ano. No entanto, os tipos de conteúdos interativos a serem veiculados a partir desta tecnologia não estão definidos, sendo o alto custo para manter uma programação interativa a principal barreira a obstaculizar uma maior diversificação da produção. Ainda que o software brasileiro venha a estar disponível no mercado neste ano, o sistema não atingirá sua plenitude pela falta de comprometimento e empenho por parte dos grupos de comunicação hegemônicos em criar uma estrutura de programação de acordo com os interesses sociais.
Outro empecilho refere-se à usabilidade da tecnologia, que muitas vezes dificulta o acesso e requer instruções aos usuários. A usabilidade torna-se um requisito fundamental para que o sistema televisivo digital possa representar algum avanço social, já que de nada adianta lançar recursos que não conseguem ser plenamente utilizados pela população. Além disso, a maioria do povo brasileiro desconhece as características do sistema digital e o modo pelo qual se dará a troca do aparelhamento, inclusive quanto às relações de custo que envolvem o processo como um todo, na medida em que a publicidade, como sempre, substitui a educação.
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Pela ordem, professor titular no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), coordenador do Grupo de Pesquisa Cepos; mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos; e graduando em Comunicação Social – Jornalismo na Unisinos