O ombudsman do New York Times, Clark Hoyt, baseou-se na publicação de três controversos artigos sobre saúde, em janeiro, para questionar em sua coluna de domingo [17/2/08]: ‘quando a precisão pede que um jornal entre no meio de uma disputa científica e quando a responsabilidade pede que o diário tome um dos lados?’. Não se trata de uma questão nova e, historicamente, o NYTimes tem demorado a declarar vencedores de disputas científicas. Em 1979, por exemplo, 15 anos após um relatório federal ter alegado que fumar é perigoso à saúde, artigos no diário ainda citavam o porta-voz do Instituto do Tabaco argumentando que a alegação não estava efetivamente comprovada. Ao final do ano seguinte, quando um outro relatório governamental considerou o tabagismo a causa número um de mortes evitáveis, o jornal não fez nenhum esforço para apresentar o outro lado.
Os três artigos publicados no mês passado e mencionados pelo ombudsman traziam temas que facilmente provocam controvérsia: o primeiro questionava se uma condição dolorosa conhecida como fibromialgia é uma doença real; o segundo, se vacinas causam autismo; e o terceiro, se níveis elevados de mercúrio no atum são prejudiciais à saúde.
Fibromialgia
O artigo publicado na primeira página do diário no dia 14/1 divulgava o anúncio do primeiro medicamento aprovado para fibromialgia, distúrbio crônico caracterizado por dor generalizada e fadiga, cuja existência é questionada por alguns médicos. ‘Estou desapontada que uma publicação reputada como o NYTimes publique um artigo sem sentido sobre fibromialgia’, escreveu a leitora Joanne Nuckton, furiosa com o fato de alguém duvidar de sua constante dor, inabilidade de concentração e profunda exaustão. ‘Exijo que seja publicado um ponto de vista diferente’.
Hoyt, entretanto, não concorda com a crítica. O artigo, assinado por Alex Berenson, trouxe a visão de alguém com fibromialgia e de médicos que acreditam que a condição é real e que, inclusive, não tem tratamento. Na realidade, foi dado mais espaço aos que acreditam na existência da doença que aos céticos. O título da matéria (‘Fibromialgia é uma doença real. Ou pelo menos é o que diz a Pfizer…’), em tom sarcástico, pode ter intensificado reações como a de Joanne. Berenson alega que, por estar na capa do diário, procurou um título provocativo. Mas a provocação parou por aí e o artigo tratou do assunto em um tom preciso, porém sem maiores detalhes sobre os sintomas da fibromialgia. Para Hoyt, o diário acertou no tom e forneceu uma apresentação equilibrada do assunto, que divide especialistas.
Vacinas e autismo
A outra matéria, publicada na primeira página do caderno de cultura do dia 23/1 e escrita por Edward Wyatt, tratava de um debate levantado no primeiro episódio do seriado Eli Stone, da rede ABC, que questionava se vacinas infantis podem causar autismo. No programa ficcional, uma advogada ganha um veredicto do júri a favor da mãe de um autista, ao argumentar que havia sido provado que um conservante com mercúrio usado em uma vacina de gripe havia provocado a condição na criança. Porém, pesquisas realizadas por diversas instituições ao longo dos anos não encontraram evidências para apoiar uma conexão entre vacinas e autismo. O thimerosal – conservante em questão – foi retirado das vacinas infantis em 2001 e os índices de autismo não baixaram por conta disto.
Pediatras, temendo que alguns pais deixassem de vacinar as crianças por conta do episódio televisivo, pediram à ABC para cancelar a série. A rede recusou-se a fazê-lo, mas acrescentou um aviso aos telespectadores com um link para o sítio do governo, que desconsidera a relação entre vacinas e autismo. O artigo de Wyatt deixou claro que há um debate sobre o tema e deu igual peso aos dois lados. Em 2005, o diário ficou do lado dos cientistas, quando dois repórteres investigaram estudos científicos e milhares de documentos de pais convencidos de que havia relação entre vacinas e autismo. O Centro de Controle de Doenças deve publicar mais uma pesquisa sobre o tema no ano que vem.
Mercúrio e atum
Já a questão do mercúrio no atum foi tratada em artigo de capa do dia 23/1, que divulgou que testes realizados em 20 restaurantes e lojas japonesas em Manhattan revelaram que é alto o nível de mercúrio no atum comercializado – tão alto em alguns casos que a Food and Drug Administration iria tomar ações legais para retirar o peixe do mercado. Michael Gochfeld, físico e professor de medicina que testou as amostras, ressaltou que ninguém deveria comer uma refeição com nível tão alto de mercúrio ‘mais que uma vez a cada três semanas’. O impacto foi significativo: um restaurante afirmou que as vendas de sushi caíram 30%.
A repórter do USA Today Donna Freydkin, que come sushi cinco vezes por semana e é freqüentadora de um restaurante mencionado no artigo, fez um teste para avaliar o índice de mercúrio em seu sangue e descobriu que era duas vezes e meia maior que o normal. ‘Meu médico me falou para não comer mais atum para o resto da vida’, contou. Pesquisadores concluíram que o mercúrio pode prejudicar o desenvolvimento neurológico de crianças e fetos. Em 2004, o governo pediu que crianças, mulheres grávidas, mulheres que pretendessem ficar grávidas e as que estivessem amamentando não consumissem mais que 340 gramas por semana de peixes com baixo índice de mercúrio e que evitassem a combinação de determinados peixes; o alerta, entretanto, não mencionava o atum. Donna, que tem 35 anos e planeja engravidar, foi beneficiada com o artigo do NYTimes. ‘Mas e quanto ao resto da população?’, indaga Hoyt. O sítio do diário perguntou ao epidemiologista de Harvard Dariush Mozaffarian se as pessoas deveriam parar de comer atum. Na opinião dele, os riscos de não se comer peixe ultrapassam os possíveis danos do mercúrio em adultos saudáveis. Por isso, para Hoyt, seria necessária uma cobertura mais equilibrada e menos alarmista sobre os efeitos do mercúrio em pessoas consideradas saudáveis e que não se encaixam nas restrições à substância.