PRAGAS
As sete pragas eram 10
‘Para mostrar como estão as coisas abaixo do Cristo Redentor, recentemente eleito uma das sete maravilhas do mundo moderno, os cariocas, com sua habitual verve, estão elegendo as sete pragas do Rio de Janeiro.
Se a eleição fosse hoje, ganhariam os traficantes de drogas, a violência, o caos nos hospitais públicos, as balas perdidas, as favelas nas encostas, a população de rua e os flanelinhas. A votação está sendo feita pela Internet.
A Bíblia fala em dez pragas. Mas praga é o que não falta. Assim, completariam a lista a indústria de multas, os camelôs e o excesso de ônibus na Zona Sul.
As dez pragas do Egito costumam ser confundidas com as sete maravilhas da Antigüidade. Não pelo conteúdo, naturalmente, mas pelo número. Como o sete é carregado de símbolos, não são poucos aqueles que, numa espécie de pechincha, deixam por sete as dez pragas, dando um desconto de 30%.
Eis a história das dez pragas. Moisés, com oitenta anos, e seu irmão Aarão, com oitenta e três, compareceram diante do faraó e deram início aos prodígios.
Primeiramente, Aarão jogou o cajado no chão, transformando-o em serpente. O truque era conhecido dos sábios e feiticeiros egípcios que, chamados pelo faraó, repetiram a façanha, embora a Torá e a Bíblia digam que a cobra de Aarão devorou as cobras dos egípcios.
Egípcios e hebreus viviam em sociedades em que os sacerdotes, manipulando magia, religião e ciência, tinham grande prestígio. Mais ou menos com o que ocorre hoje com os economistas. Assim, as serpentes já chegavam durinhas, transformadas em cajados, por força de uma substância com que eram impregnadas. A batida no chão as despertava da catalepsia. Então, não eram cajados que se transformavam em serpentes, mas serpentes que se transformavam em cajados.
De todo modo, as serpentes não foram uma das dez pragas que assolaram o Egito. A seguir, com a mesma vara que transformara em serpente, Moisés toca as águas do Nilo, transformando-as em sangue. Esta foi a primeira praga.
Vieram depois as rãs, os piolhos, os tavões, a peste, a sarna, o granizo, os gafanhotos, o apagão e a morte dos primogênitos.
Mas não é apenas no terreno minado das palavras que a ambigüidade e a opacidade próprias a um texto literário como o bíblico ensejam interpretações controversas.
Também na História os nomes são imprecisos, e as datas, móveis. O faraó que libertou os hebreus pode ter sido Menefta, que reinou de 1225 a 1215 a.C.
Ramsés II, Amênofis II e Tutmés II também estão quotados, apesar da diferença de dois séculos entre os reinados dos quatro citados.
No terreno difuso das versões, muitos jejunos de livros, especialmente ex-alunos do ‘ensino fundamental’ e não dos antigos ginásio e colegial, acham que Cleópatra é Elizabeth Taylor, e Moisés é Charlton Heston, que no filme Os Dez Mandamentos é casado com Yvone de Carlo. E Ramsés II só pode ser Yul Bryner.
O ensino de qualidade é tema de sérias preocupações, não apenas no Brasil, mas no mundo. A mídia pode ajudar a escola, mas nunca substituí-la. Celebridades instantâneas e efêmeras não podem ensinar como se fossem professores, aos quais ‘não falta na vida honesto estudo, com longa experiência misturado’, como disse Camões.
Recentemente uma pesquisa mostrou que, para 23% dos britânicos, Winston Churchill jamais existiu, foi um personagem de ficção. Já para 58%, Sherlock Holmes, este, sim, existiu e percorria as ruas de Londres desvendando crimes. Na mesma pesquisa, também foram dados como inexistentes Cleópatra, Ghandi e o escritor Charles Dickens. Foram ouvidas 3 000 pessoas.
Viva, pois, a literatura! O personagem é imortal, não o escritor. Às vezes, como é o caso de Sherlock Holmes, poucos sabem o nome de quem o criou!
São eternos também os temas, como demonstram as sete maravilhas e as 10 pragas. (xx)’
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