Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os porres do presidente

Larry Rohter, correspondente do New York Times, o principal jornal dos EUA, errou feio em sua matéria de domingo, 9/5. Deu paradoxal lição a quem escreve: não é assim que se escreve. Escrever sobre aquele tema e daquele modo supõe um conhecimento que ele demonstra não ter.

Às evidências. Na abertura, o autor, sem citar as fontes para afirmação tão grave, depois de dizer que ‘o presidente Lula nunca escondeu sua inclinação por um copo de cerveja, uma dose de uísque ou, melhor ainda, um copinho de cachaça’, introduz uma adversativa: ‘Mas alguns de seus conterrâneos começam a se perguntar se sua preferência por bebidas fortes não está afetando sua performance no cargo’. Bebidas fortes? Um copo de cerveja, uma dose de uísque e um copinho de cachaça são bebidas fortes?

Bebidas fortes deve ter tomado o senador Edward Kennedy quando, guiando bêbado, levou sua secretária à morte em Chapaquidick. Há alguma pessoa que, se sentindo prejudicada, queixou-se de supostos exageros alcoólicos do presidente Lula? Quem são os conterrâneos que fizeram confidências ao jornalista? São fontes confiáveis? O que sabem que não sabemos?

O segundo parágrafo dispensa comentários: ‘O governo esquerdista de Da Silva…’ Só se Lula fosse canhoto, seu governo seria de esquerda. Não há um único e escasso ato que possa caracterizá-lo como ‘esquerdista’. Os mortos da guerrilha do Araguaia, passados dezesseis meses, ainda não fazem jus a tumbas e cruzes que memorem seus nomes. Seus ossos, quem sabe onde estão não informa e nem é obrigado a informar. Com muitos outros desaparecidos e injustiçados, dá-se o mesmo. Familiares e amigos apelam em vão às autoridades. Não é necessário ler o resto do parágrafo, é?

No terceiro parágrafo, o autor alude a ‘especulação’ sobre seu aparente desengajamento e passividade’, ‘relacionados a seu apetite por álcool’, embora registre que ‘seus apoiadores, entretanto, negam as acusações de excesso de bebida’. Então, quem afirma?

Os quatro parágrafos seguintes são dedicados a Leonel Brizola, o único que teve a coragem de assumir que ouviu dizer que o presidente bebe em excesso, que já bebia muito na campanha de 1998 e ‘de acordo com o que estão dizendo, continua a beber’. Estão dizendo? Quem?

A seguir, o jornalista toma ao pé da letra a verve e as figuras de estilo do escritor Diogo Mainardi, demonstrando que, além de não saber escrever, o americano também não sabe ler, o que é muito coerente. Escrever é sobretudo ler a realidade, cifrá-la e entregá-la ao leitor para que a decifre. No comentário ao texto de Mainardi, a carta de um leitor ‘preocupado com o alcoolismo de Lula’ é água para o monjolinho do repórter.

Vale tudo?

Nos parágrafos seguintes, é simplesmente inusitada e desproposital a comparação com Jânio Quadros. O povo jamais esteve preocupado com os porres de Jânio. Misturando alhos com bugalhos, imediatamente liga Jânio a Jango, e acena com o fantasma de 1964!

Outro colunista invocado pelo correspondente é Cláudio Humberto Rosa e Silva, em cuja coluna, mediante consulta por e-mails, foi escolhido um nome para o avião presidencial, pivô de outra polêmica, o preço de 56 milhões de dólares. O novo avião deveria chamar-se ‘Pirassununga 51’, em analogia com o Força Aérea Um, do presidente Bush, e com famosa marca de cachaça.

O correspondente do NYT inscreveu-se ao troféu Jayson Blair, por conclusões equivocadas. Os hábitos privados de Lula não têm a menor importância para o povo, que está preocupado é com o salário mínimo, a Previdência, a saúde, a segurança, o transporte. E todas as evidências são de que o presidente Lula, que não consegue fazer no governo o que prometeu na campanha presidencial e na oposição, não tem no álcool entrave nenhum. Suas dificuldades são outras, como tem dito e proclamado. Se está deixando, agora, de convencer os brasileiros, que a cada dia lhe rebaixam a popularidade, isto não se deve a bebida nenhuma. Aliás, o que a imprensa sabe da intimidade do palácio? Nossa imprensa revela com detalhes, às vezes escabrosos, a intimidade dos artistas, dos esportistas e de outros ícones nacionais.

Mas o governo daria passo decisivo na diluição dessas malvadezas se o presidente Lula concedesse de vez em quando uma entrevista coletiva, onde todos os jornalistas credenciados pudessem perguntar o que quisessem. A conversa clara é a menor distância entre a verdade e a mentira, entre o ato e o fato, entre a crítica e a malvadeza. Conversando é que se entende.

Não deixa de ser patético, porém, que áulicos do presidente Lula se sirvam de procedimentos que, brandidos contra eles, sejam imediatamente por eles condenados. Contra os outros, vale tudo? Dossiês e calúnias estão infestando a República, em todos os níveis. Começou a baixaria e não apenas porque é ano de eleições.