Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma matéria incapacitada

O ombudsman do Washington Post, Michael Getler, dedicou sua coluna de 5/9/04 a responder reclamações diversas dos leitores. Muitos deles se queixaram da chamada de primeira página dedicada ao discurso do vice-presidente Dick Cheney na convenção do Partido Republicano: ‘Cheney chama Kerry de incapacitado’. A expressão, que, por si só, já é muito forte, tem peso extra no contexto da eleição, porque tem ligação implícita com o livro Unfit for Command (incapacitado para o comando), lançado como parte do esforço do grupo de veteranos militares Swift Boat Veterans for Truth para colocar em dúvida a participação do candidato democrata à presidência na Guerra do Vietnã.

No caso da matéria do Post, o problema principal é que Cheney não usou o termo ‘incapacitado’ em nenhum momento de seu discurso. O redator que criou o título provavelmente se inspirou no lide do repórter John F. Harris, em que reporta que, em seu discurso, Cheney argumentou que ‘o presidenciável democrata demonstrou, por meio de suas declarações públicas e votos, que é incapacitado para ser o comandante-em-chefe numa época de terrorismo’.

Getler observa que essa conclusão poderia ser tirada por qualquer um que ouvisse a fala do vice-presidente, mas que a escolha de palavras não foi adequada. O jornal deveria ter evitado qualificar a opinião de Cheney, deixando que o leitor concluísse por conta própria. Alguns leitores, com razão, condenaram a ligação subliminar que o Post fez entre Cheney e o livro dos veteranos. Ficou ainda mais evidente que o jornal deu a notícia de forma equivocada quando Kerry repercutiu a matéria no dia seguinte ao discurso de Cheney, dizendo que ele o havia chamado de ‘incapacitado’, algo que não aconteceu de fato.