Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

MÍDIA & POLÍTICA
Elio Gaspari

A campanha de 2006 revisitada

‘ESTÁ NAS livrarias ‘A Mídia nas Eleições de 2006’, uma coletânea de 11 trabalhos e seis anexos, organizada pelo jornalista Venício de Lima e editado pela Fundação Perseu Abramo, do PT. É um livro valioso porque mexe com uma velha controvérsia e trata de um tema que o fingimento faz crer que não existe: a péssima relação do governo com os grandes meios de comunicação e muito vice-versa. Como bonificação, permite a análise de algumas propostas de mudança, vindas de autores que consideram os meios brasileiros como agentes do empobrecimento do debate. Para quem vê na imprensa uma ferramenta manipuladora de interesses mercantis, o livro é um armazém de argumentos. Para quem vê nos adversários dessa mesma imprensa uma seita de censores em busca de ocupação, é um trabalho revelador.

Dois artigos analisam o conteúdo dos principais jornais e revistas durante a campanha de 2006. Um, de Kjeld Jacobsen, informa: durante as 13 semanas da disputa, o noticiário positivo do tucano Geraldo Alckmin nos cinco jornais estudados (Folha, ‘O Globo’, ‘O Estado de S. Paulo’, ‘Jornal do Brasil’ e ‘Correio Braziliense’) foi sempre superior ao de Lula. Na contabilidade do noticiário negativo, Lula prevaleceu por 12×1. Noutro artigo, Alessandra Aldé, Gabriel Mendes e Marcus Figueiredo, analisaram o noticiário da Folha, do ‘Globo’ e do ‘Estado’. O noticiário negativo sobre Lula prevaleceu nos três. Na Folha não predominou o noticiário positivo de Alckmin.

E daí? Daí, nada, explica Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi. No seu artigo, demonstra que os meios de comunicação não mudaram a disposição dos eleitores. (Salvo no suspiro do dossiê dos aloprados, ao final do primeiro turno.) Coimbra aconselha: ‘Acredito que seria muito positivo para o avanço da democracia no Brasil que os grandes veículos de comunicação se dispusessem a fazer uma ampla revisão do que são e devem ser em nosso processo político’.

No capítulo das propostas, vem um texto do professor Luís Felipe Miguel, da Universidade de Brasília. Condena o que existe e sugere que o Estado abra novos canais de comunicação. Seu pensamento se assemelha ao de muita gente boa no entorno de Lula: ‘Mesmo estando em mãos privadas, a mídia não pode ficar submetida à pressão da cega busca do lucro’. Miguel descreve neutramente o que seriam quatro visões da ‘mídia ideal para diferentes visões de democracia’. Uma delas, a seu ver, é a leninista, vigente em Cuba e Coréia do Norte. Diz assim: ‘Aceito caracterizar o (…) modelo leninista como ‘democrático’ com certa dose de generosidade’. Ele não mostra simpatia pelo gênero em extinção, mas sendo um crítico que vê no cenário brasileiro, poderia ter registrado que o modelo leninista ampara-se na censura, no desemprego e na cadeia.

Quem quiser concordar com ele, que o faça. Quem quiser discordar, também tem no ‘A Mídia nas Eleições de 2006’ uma valiosa fonte de informações.’

MEMÓRIA / PRINCESA DIANA
Teté Ribeiro

Biografia ácida expõe Diana dez anos após sua morte

‘Foram mais de 250 entrevistas. Várias viagens ao Reino Unido. Um adiantamento de US$ 2 milhões. Dois anos de prazo -um para a reportagem, um para escrever o calhamaço de 486 páginas. E um almoço no restaurante do hotel Four Seasons de Nova York, um mês antes da morte da princesa, em 31 de agosto de 1997.

Tina Brown e Diana não estavam sozinhas. Anna Wintour, outra editora britânica radicada em Manhattan, essa da revista ‘Vogue’, queria comemorar a sessão que Diana tinha feito com o fotógrafo Mario Testino para a capa da edição de setembro de 1997. A princesa de Gales, então com 36 anos, havia gostado das fotos, das roupas, de Testino, de tudo. Anna Wintour também.

Como sabia que sua colega da ‘Vanity Fair’ -que, como a ‘Vogue’, também faz parte do cardápio da editora Condé Nast- tinha um certo fascínio pela princesa, convidou-a para o almoço. O encontro das três britânicas durou cerca de duas horas, apesar de muito provavelmente nenhuma delas ter dado mais de três garfadas em seus pratos de peixes e legumes. Mas deu a Tina Brown a chance de observar sua celebridade favorita e, depois, citar várias vezes o almoço e estrategicamente esquecer de mencionar a presença de Wintour.

É o que faz em ‘The Diana Chronicles’ (Doubleday, 2007), o mais completo relato da trágica vida da princesa Diana, cuja morte num acidente de carro, em Paris, completa dez anos em 31 de agosto.

‘High-low’

Nas revistas que editou, da britânica ‘Tatler’, que assumiu aos 25 anos, à mais recente, a publicação norte-americana ‘Talk’, dos irmãos produtores de cinema Harvey e Bob Weinstein, passando pelas que chegou para mudar tudo, como as americanas ‘Vanity Fair’ e ‘New Yorker’, a marca registrada de Tina Brown era o que se chama hoje de ‘high-low’.

O que interessava a ela era que as pessoas em suas revistas fossem interessantes, sejam as do expediente (foi ela quem contratou autores como Malcolm Gladwell para a ‘New Yorker’ e que devolveu a Dominic Dunne sua coluna na ‘Vanity Fair’, que continua até hoje, anos depois da saída da editora), sejam as retratadas em reportagens ou fotografadas (também é de sua gestão a famosa foto de Demi Moore nua, grávida de sete meses de sua segunda filha na capa da ‘Vanity Fair’).

Sem preconceitos. Misturar o ‘high-brow’ e o ‘low-brow’, ou a alta e a baixa cultura -daí o ‘high-low’-, sempre foi seu maior talento. ‘Anna Nicole Smith foi a personagem mais desperdiçada pelas revistas de cultura’, disse recentemente à revista ‘New York’.

A ex-coelhinha da ‘Playboy’, que morreu de overdose provocada por um coquetel de remédios na Flórida no começo deste ano, lotou as páginas dos tablóides e das revistas de fofocas, mas foi quase ignorada por títulos de mais prestígio.

‘Se eu ainda estivesse editando uma revista, ela [Anna Nicole Smith] estaria na capa’, afirmou Brown.

E é com esse espírito que a escritora mergulha no fenômeno Diana. Em um momento, afirma que os namorados que a princesa teve enquanto ainda era casada com Charles eram o tipo de homem com quem ela teria se casado se não desse de topar com o príncipe em seu caminho. Estão nessa categoria o major James Hewitt, o playboy James Gilbey e o político Phillip Dunne, um dos poucos que ela na verdade não conseguiu seduzir, por ‘respeito à monarquia’, justificativa que deu então ao atual membro do Parlamento britânico para cair fora.

‘Diana teria vivido uma vida satisfatória para uma mulher de sua classe social, criado uma família tradicional no campo e tido quatro filhos que montariam em pôneis’, aposta Tina. Se tomasse esse outro caminho, acredita a autora, Diana não teria a força de vontade nem o desejo de se tornar uma mulher tão sensacionalmente bonita nem de ter experiências de vida tão extraordinárias, como o seu trabalho filantrópico.

O esforço de Diana nasceu do seu sofrimento no amor e da inadequação que sentia na vida cheia de regras da família real.

Mas Tina também não se deixa levar pela imagem de vítima da princesa.

Ela acredita que Diana tenha decidido se casar com Charles quando ele começou a namorar sua irmã mais velha, Sarah. Ela tinha 16 anos, era gorducha e bem sem graça, mas de alguma maneira sabia que o príncipe não se casaria tão cedo, quanto mais com sua irmã, que era bem mais rebelde que Diana e já tinha tido outros namorados.

Boa família

Ele precisaria arrumar uma noiva que fosse virgem e de ‘boa família’, bonita e bem-educada. Estava tão certa de que esse era o seu destino que costumava indagar a suas amigas mais próximas, quando contava com toda a certeza do mundo que seria a mulher de Charles: ‘Com quem mais ele pode se casar?’.

Diana se manteve virgem e cultivou a imagem de mocinha inocente que encontrava nas histórias de amor escritas pela autora de romances água-com-açúcar Barbara Cartland -a mesma que depois viraria sogra de seu pai e diria que o problema do casamento de Charles e Diana era que ‘ela se recusava a fazer sexo oral’, mas essa é uma outra história.

E que ninguém pense que a autora não revela detalhes mais picantes. Logo nas primeiras páginas, escancara um dos segredos mais íntimos do herdeiro do trono da Inglaterra. Quando está em estado pré-ejaculatório, Charles gosta que sua parceira o chame de Arthur, primeiro sussurrando no seu ouvido, depois mais alto, mais alto, mais alto…’

PAN NA TV
Hélio de la Peña

No estádio ou na TV?

‘A FESTA do Pan ainda não acabou, e os cariocas já estão morrendo de saudades. A cidade mudou nesses dias e calou a boca de muita gente.

Antes das competições, a conversa em qualquer esquina era se as obras seriam concluídas, se o trânsito daria um nó, se a delegação americana, por medo de um atentado, se hospedaria num submarino atômico a 200 milhas da nossa costa. Todos éramos unânimes: esse troço não vai dar certo de jeito nenhum.

Não foi o que se viu. A platéia foi à festa de abertura e ganhou de brinde um presidente para vaiar. Poderia ser mais perfeito?

Quando começaram os jogos, uma polêmica animou as rodas de chope. De onde seria melhor assistir ao Pan: do sofá da sala ou das arquibancadas superfaturadas dos estádios?

Muita gente preferiu lotar as arenas e sustenta que fez a opção mais acertada. Nada como estar na hora certa, no lugar certo. Acompanhar de perto a performance dos maiores atletas do continente, testemunhar ao vivo o choro de despedida da Janeth, aplaudir as porradas do Diogo Silva, conferir o desempenho da Fabiana Murer na vara. Fatos que vão ficar gravados na memória.

Quem assistiu a tudo de casa garante que levou vantagem. A maior foi não precisar obedecer aos comandos dos animadores, que obrigavam o pessoal a levantar, sentar, sacudir os braços pra lá e pra cá… O sujeito enfrenta fila, morre numa nota para comprar um ingresso e, quando menos espera, está ralando numa tremenda ginástica! Tudo por causa de um mané fantasiado com um microfone na mão. Dava vontade de gritar: ‘Ei, os atletas são aqueles na quadra!’.

É sensacional estar no meio da torcida vibrando a cada cortada do Giba, a cada braçada do Thiago Pereira, a cada golaço da Marta. Mas sair de casa para presenciar uma disputa de tênis de mesa entre dois chineses de países diferentes e nem ver a bolinha? Aboletar-se de frente para o Atlântico para perder de vista os nadadores da maratona aquática que avançam mar afora? Fala sério!

Sem falar de boliche, tiro ao alvo e peteca, digo, badminton. Isso não é esporte, é lazer. Prova de hipismo do pentatlo moderno passa todo domingo, nas cassetadas do Faustão. Ginástica com fitinha e bambolê ficaria melhor na arena multiuso do Cirque du Soleil.

Agora, o que todos queriam ver não passou na TV. Aconteceu num ginásio secreto: a boate da Vila. Ali todas as noites o vigor físico dos atletas foi posto à prova. Muito suor, muita adrenalina, popozões esculturais testando seus limites. E sem a presença de animadores profissionais! Pena que eu não estava lá…

HÉLIO DE LA PEÑA , 48, é humorista do ‘Casseta & Planeta’’

TELEVISÃO
Daniel Castro

Briga de egos

‘O modelo de produção de novelas da Globo, um dos mais bem sucedidos do mundo, vive um momento crítico. Baseado na parceria entre autor e diretor de núcleo, o sistema sofre com o conflito de egos e desavenças cada vez mais freqüentes entre essas duas figuras fundamentais nos bastidores das novelas. O diretor de núcleo comanda uma equipe que grava as cenas idealizadas pelo autor.

Reservadamente, autores da emissora afirmam que os diretores de núcleo têm poder demais e que alguns mexem em seus textos, sem dar satisfações. O ideal, para eles, seria uma divisão mais equilibrada.

Depois do confronto entre a autora Glória Perez e o diretor Jayme Monjardim, que foi afastado do comando da novela ‘América’, em 2005, o Projac (central de estúdios da Globo) foi cenário de um novo conflito, desta vez entre o autor Carlos Lombardi e o diretor Ricardo Waddington, em ‘Pé na Jaca’.

A crise só veio à tona agora. Lombardi e Waddington, que discordaram, logo de início, da escalação de um diretor, deixaram de se falar por volta do capítulo 70.

Lombardi pediu à direção da Globo para não escrever mais novelas, apenas minisséries e seriados. A ‘briga’ entre Glória Perez e Jayme Monjardim também trouxe conseqüências. A novelista só renovou seu contrato, no final do ano passado, após a rede aceitar uma cláusula em que ela não se submete a diretores de núcleo.

Alguns profissionais dizem sentir falta da figura do produtor-executivo, o homem-forte das séries americanas. Esse papel, até dez anos atrás, teria sido desempenhado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que intervinha nas crises entre autores e diretores.

É verdade que o modelo americano também não é imune a crises de egos. Para o diretor Ricardo Waddington, a figura do produtor-executivo é secundária. ‘Não existe um modelo ideal. Existem talentos que se juntam para fazer coisas boas. Algumas dessas uniões são duradouras, outras não’, afirma.

O autor Aguinaldo Silva (‘Senhora do Destino’), que já teve atritos com diretores de duas novelas suas, diz que o ‘importante é que todos ponham seus egos de lado e não percam de vista o fato de que novela é trabalho de equipe, e que quem manda é a emissora’.

A Globo não quis se pronunciar, por se tratar de assunto ‘estratégico’ e ‘interno’.’

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Atrito começa com escolha de elenco

‘Muitas vezes as desavenças entre autores e diretores de núcleo já começam na escalação do elenco, tarefa que os dois costumam dividir, assim como a escolha do figurino, da cenografia e da trilha sonora. E se tornam mais graves quando o primeiro concebe a história de uma forma e o segundo a executa de outra.

Carlos Lombardi e Ricardo Waddington começaram a se estranhar em ‘Pé na Jaca’ antes mesmo de a novela estrear, com a escalação de Paulo Silvestrini como um dos diretores da trama. A escolha dos diretores é função do diretor de núcleo, mas Lombardi achava Silvestrini incompatível com seu estilo. Reclamou a Mario Lucio Vaz, diretor-geral artístico da Globo, que afastou Silvestrini.

Waddington passou a alterar falas e cenas. Durante a novela, Lombardi foi parar duas vezes no hospital, com pressão alta, supostamente por causa dos estragos feitos em seu texto. Passou a chamar Waddington de ‘O Diabo Veste Diesel’.

‘Pé na Jaca’ foi uma novela em que me diverti muito escrevendo para um elenco de protagonistas muito bons. Há coisas na novela que não gostei, com certeza, mas isso é passado’, limitou-se a responder Lombardi, ao ser questionado sobre os bastidores de ‘Pé na Jaca’.

Waddington preferiu não comentar as desavenças. ‘Acho absolutamente natural e normal que exista boa química entre autores e diretores. Mas há químicas que desandam no meio do processo. Faz parte das relações humanas’, disse.

Antes de Lombardi e Waddington e de Glória Perez e Jayme Monjardim (que romperam relações porque a autora idealizou para ‘América’ uma heroína sofredora, porém forte, e viu no ar uma chorona), outros ‘casamentos’ foram desfeitos.

O próprio Lombardi teve problemas com Wolf Maya, em 2003, durante ‘Kubanacan’. Lombardi atrasava a entrega de capítulos, o que afetava o ritmo de gravações. Maya acabou tirando férias no meio da novela. E depois foi tratar da implantação de ‘Senhora do Destino’ (2004), de Aguinaldo Silva.

Silva teve problemas com Daniel Filho e Ricardo Waddington em ‘Suave Veneno’ (1999) e com Marcos Paulo em ‘Porto dos Milagres’ (2001). Deu certo com Wolf Maya em ‘Senhora do Destino’ e irá repetir a parceria na próxima novela das oito, ‘Duas Caras’. Para ele, a relação ideal é ‘aquela em que ninguém perde tempo a medir centímetros e dizer ‘o meu é maior do que o seu’.

Silvio de Abreu (‘Belíssima’), que nunca teve atritos, abre o ‘segredo’: ‘Nunca aceitei trabalhar com um diretor de núcleo que não me entendesse, que fosse extremamente vaidoso ou inseguro a ponto de querer parecer o dono da bola’.

Manoel Carlos, que no ano passado trocou Ricardo Waddington (diretor de suas quatro novelas anteriores) por Monjardim, diz que autor e diretor ‘têm que atuar em suas respectivas áreas, procurando não invadir o território do outro’. ‘O diretor de núcleo tem poder dentro da área em que atua, mas o autor é a autoridade maior da novela. Ele é principal responsável pelo produto’, diz.’

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Gilberto Braga e Dennis Carvalho formam par perfeito na emissora

‘No ar atualmente com ‘Paraíso Tropical’, Gilberto Braga e Dennis Carvalho são um exemplo de parceria entre autor e diretor dentro da Globo.

Eles se ‘conheceram’ em 1978, quando Carvalho foi um dos diretores de ‘Dancyn’ Days’. Estão ‘casados’ desde 1984, ano em que Carvalho foi promovido a diretor-geral, em ‘Corpo a Corpo’. Desde então, Braga só ‘traiu’ Carvalho em uma novela (‘Força do Desejo’, 1999) e duas minisséries (‘Anos Dourados’, 1986, e ‘O Primo Basílio’, 1988).

A seguir, Braga fala sobre o sucesso dessa parceria:

FOLHA – Por que você e Dennis Carvalho funcionam?

GILBERTO BRAGA – Acho que por um número grande de razões. Somos parecidos, tentamos dar valor ao que merece, dar um peso justo a cada problema. Não somos competitivos. O sucesso do Dennis é meu e o meu sucesso é dele. Nunca, nesses quase 30 anos, nos perguntamos quem manda mais. Temos respeito e admiração um pelo outro.

FOLHA – Vocês nunca tiveram uma rusga?

BRAGA – Nem meia. Já tivemos divergência de opiniões. Em ‘Labirinto’ [minissérie de 1998], por exemplo, eu pensei para um dos papéis-chave numa atriz que ele não queria. Na mesma hora, eu procurei outra atriz, nem argumentei que achava que a minha indicação estava certa. Aliás, continuo a achar que estava, mas a minha relação com o Dennis [Carvalho] era mais importante do que essa escalação.

FOLHA – Você já teve problemas com outros diretores?

BRAGA – Problemas sérios nunca tive. Mas tive algumas poucas frustrações, no início da carreira.

FOLHA – Qual é a relação ideal entre autor e diretor?

BRAGA – É a de respeito mútuo que eu tenho com o Dennis.’

Lucas Neves

Canal FizTV estréia hoje na TVA

‘O barbudo ‘esquentadinho’ Chuck Norris, quem diria, virou sinônimo de bom audiovisual -no Brasil, pelo menos. O rei das fitas policiais B empresta o nome à mais alta ‘patente’ conferida aos autores dos vídeos postados no site Fiz (www.fiztv.com.br), que ganha versão televisiva amanhã, com a estréia do canal pago FizTV (por enquanto, só para assinantes da TVA).

Com programação 100% composta por conteúdo produzido pela audiência, o canal exibirá, 24 horas por dia, os trabalhos mais bem avaliados pelos internautas cadastrados no Fiz. Os vídeos serão agrupados em núcleos temáticos, como humor (Fiz.Humor), animação (Fiz.Anima), turismo (Fiz.Lugares) e inclassificáveis (Fiz.Tura, corruptela de mistura). Haverá também programas que servirão de vitrine para criações dos alunos de parceiros, como a USP e a PUC-SP.

O público não verá apresentadores. De sexta a domingo, em blocos de oito horas, vão ao ar as edições inéditas. Reprises ocuparão o resto da semana.

A popularidade do YouTube indica que, em doses homeopáticas, vídeos que exploram a gaiatice e o voyeurismo nossos de cada dia dão ibope. Mas será que existe demanda (tanto por parte dos realizadores quanto pela audiência) por um canal de TV exclusivamente dedicado à produção ‘artesanal’?

O gerente de conteúdo do FizTV, Marcelo Botta, diz que o apelo do canal está na organização, em categorias claras, de um conteúdo que o internauta encontra disperso na rede. ‘E, para quem produz, mais do que um porta-arquivos de vídeos de terceiros, como o YouTube, o FizTV é um espaço para trabalhos autorais’, emenda.

O ator paulistano Felipe Reis, 25, criador da série de esquetes cômicos ‘Conversas de Elevador’, que será exibida na estréia do FizTV, vê no canal ‘uma bela porta’ -o que não o impediu de colocar seus vídeos também no YouTube, ‘que dá mais retorno’. ‘Se [o FizTV] vai dar certo, é um mistério, mas acho que pouca gente sabe dele.’

Com a ajuda de parentes e amigos e inspirado pelo formato da série da década de 80 ‘Anos Incríveis’ (em que longos ‘offs’ revelavam os pensamentos do protagonista), Reis já gravou 20 ‘pílulas’ sobre saias justas de elevador. O set é o prédio em que vive, na Bela Vista (centro de São Paulo), e, para evitar embaraços não-ficcionais com os vizinhos, ele só filma durante a madrugada.

A boa repercussão das ‘Conversas’ no site Fiz, que garantiu ao ator vaga na estréia do canal, ainda não afetou o cachê: ele recebeu R$ 50 pelo primeiro esquete, ‘O Moleke do 12’. O gerente de conteúdo do FizTV promete que, em breve, a remuneração chegará a R$ 500.’

Rafael Cariello

Choque de civilizações

‘Enquanto o pequeno monomotor, com seu carregamento de repórteres, máquinas, câmeras e gravadores, faz a última curva de aproximação para aterrar na pista de pouso da aldeia Ipatse, os cerca de 300 índios kuikuro que ali vivem se preparam para mais uma série de cantos e danças, pintados e vestidos a caráter.

O aparelho pousa macio na pista de terra avermelhada que é um braço ligado à aldeia para darmos início ao que será uma espécie de conflito -de perspectivas, ao menos-, o tempo todo fantasiado de festa.

O avião levantou um bocado de poeira, que envolve os repórteres e suas tralhas ao pularem dos aparelhos. Outro tanto sobe do bater de pés na dança dos homens, que começa no centro do amplo espaço circular rodeado por grandes casas kuikuro. É só atrás delas que aparecem as árvores, que se estenderão em mata espessa por toda a volta, bem preservada somente no interior da Terra Indígena do Xingu.

As crianças são as primeiras a vir receber os brancos; são as que mais se aproximam do monomotor. Mais atrás, outros, jovens, o corpo adornado com pigmento escuro e enfeites amarelos e vermelhos, nos saúdam. Um deles segura uma câmera digital. Enquanto o repórter e Mutuá Kuikuro, 26, caminharem e conversarem até a aldeia -o índio empurrando sua bicicleta vermelha-, o cinegrafista kuikuro não desviará a câmera um segundo sequer do corpo dos brancos.

Fotógrafos e cinegrafistas brancos de um lado, cinegrafistas e outros kuikuro munidos até de celular com fotos do outro, parece o encontro de dois grupos de turistas japoneses.

As razões para estarmos todos aqui são duas: a TV Cultura mostrará à imprensa o primeiro de 16 capítulos da nova série de programas do jornalista Washington Novaes sobre o Xingu, que estréia hoje, às 18h; os kuikuro apresentarão aos brancos dois filmes realizados por eles e farão a inauguração do seu ‘centro de documentação’, que ‘guardará’ sua cultura em imagens e sons.

Tanto Novaes quanto os índios andam preocupados com a continuidade de sua cultura no Xingu. As visões sobre o problema é que divergem.

‘Vai se perder’

Carlos Fausto, antropólogo do Museu Nacional, ligado à UFRJ, nesse momento com o corpo pintado e adornado de penas e colares de caramujo, conta que há cinco anos o cacique kuikuro Afukaká mandou chamá-lo para uma tarefa importante. Em tom fatalista, o líder indígena reclamava que os jovens não se interessavam mais em aprender os cantos necessários para a correta realização dos rituais -uns e outros centrais para a manutenção da forma social kuikuro.

‘Ele pediu que se registrasse tudo. ‘Vai se perder’, disse. ‘Estou certo de que isso vai acontecer. Quero que você grave tudo para mim’, conta Fausto.

Com o apoio da ONG Vídeo nas Aldeias, e de recursos de pesquisa seus e de sua mulher, Bruna Franchetto, também antropóloga, deram início à capacitação dos jovens em técnicas de vídeo, para que eles próprios passassem a filmar e a ‘guardar’ seus cantos.

Tecnologia e tradição

Havia um problema: o acesso a esses cantos não podia ser franqueado indiscriminadamente a todos os índios, já que seu saber constitui marca de prestígio, de mestres que os repassam, mediante pagamento em tradicionais bens de luxo, a jovens aspirantes.

Foi necessário realizar pagamentos aos que sabiam os cantos pelo registro. E usar as gravações como um aparato técnico para a transmissão tradicional, e não como uma forma de divulgação irrestrita dessa ‘riqueza’. Fausto diz que está funcionando. Que os integrantes do coletivo kuikuro de cinema -seis ao todo- ganharam prestígio, e que as gravações provocaram uma retomada da procura, pelos mais jovens, do processo de aprendizagem.

A aposta arriscada no domínio da ‘magia branca’, da tecnologia, parece funcionar. Novaes, por sua vez, vê mais riscos de perda que de ganho nesse contato. Com um grande chapéu branco pregado na cabeça, folgadas bermudas e camisa comprida, propõe à reportagem sentar à beira do grande descampado central, enquanto a tarde de sábado cai com velocidade e os mosquitos intensificam a coleta de sangue.

Em 1985, a TV Manchete apresentou dez episódios de sua série ‘Xingu – A Terra Mágica’, que serviu para divulgar a região ao restante do país. No ano passado ele voltou por lá para realizar os capítulos de ‘Xingu – A Terra Ameaçada’.

Novaes diz ficar ‘com o coração apertado’ pelas mudanças por que vêm passando as diferentes etnias do Xingu, especialmente com a incorporação de desejos e objetos dos brancos. Lamenta o ensino bilíngüe nas aldeias, responsável, segundo ele, por abrir, junto com a língua portuguesa, o acesso à televisão e às seduções do ‘modo de viver’ dos brancos.

‘Vão sobreviver? Os antropólogos dizem que há muitas culturas que são capazes de absorver elementos das outras sem abrir mão do que é essencial para elas’, ele diz. ‘Diria que, fora da Amazônia, do Xingu, isso não aconteceu.’

Daqui a pouco, quando cair a noite, vai começar a projeção dos filmes numa tela branquíssima esticada no meio da aldeia. Primeiro, ‘O Dia em que a Lua Menstruou’, do coletivo kuikuro. Depois, o primeiro episódio da série de Novaes.

Mutuá, o da bicicleta, que vem a ser também presidente da Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu, fala sobre a importância de os índios fazerem seus filmes. ‘Isso é para o mundo ver qual é a nossa organização aqui na aldeia. Muitos brancos não tiveram a oportunidade de conhecer os índios. Outros nem quiseram saber.’

Tukumã Kuikuro, 23, integrante do coletivo, diz que eles são mais capazes de filmar sua própria cultura que os brancos, porque sabem ‘a seqüência’ correta das coisas. ‘Quando brancos montam, fazem tudo misturado’, diz. Yakari Kuikuro, 20, assiste aos filmes. Diz que acha bom estudar português, ‘para saber a vida dos brancos’. Vestido com touca de ‘bad boy’ carioca, diz acreditar que sua cultura não vai acabar.

No filme kuikuro, eles perguntam a algumas índias por que dizem que a Lua menstrua, em dias de eclipse, se o satélite é, em sua cultura, masculino. Muitas respondem: ‘Sei lá’.

Mais tarde é dito que é o próprio eclipse que muda, temporariamente, o gênero do astro. Num dos ‘extras’ do filme (a projeção era de um DVD, produzido por eles), o cacique explica seu projeto de proteção da cultura de seu povo, afirma que ‘a tradição dos brancos é muito forte’, e pergunta, sobre os cantos agora em vídeo: ‘Será que nossos irmãos vão aprender?’. ‘Sei lá’, ele mesmo responde.

O jornalista RAFAEL CARIELLO viajou a convite da TV Cultura’

Bia Abramo

TV ainda não sabe aproveitar internet

‘A TV ESTÁ sendo, de alguma forma, reorganizada pela internet, à medida que seus conteúdos ‘vazam’ para a rede e possibilitam novas maneiras de assisti-los, mas ainda não descobriu exatamente como fazer o caminho inverso, ou seja, como aproveitar a rede para pensar novas maneiras de veicular informações.

Não se está falando aqui dos inúmeros programas de pseudo-jornalismo de celebridades, nos quais os apresentadores fazem um recorte-e-cole do ‘noticiário’ veiculado nos sites de fofocas. Nem dos sites de programas de TV que utilizam a internet para disponibilizar material excedente e criar ganchos de interatividade.

A televisão tem sido espantosamente lenta em aprender com a internet no sentido da linguagem, sobretudo na forma de tratar informação. Das cabeças-falantes do jornalismo ao uso meramente ilustrativo da imagem, a televisão ainda é um veículo muito linear: a tela da TV é uma abertura pela qual a informação se organiza de maneira seqüencial, e essa seqüência estabelece relações bastante hierarquizadas entre som e imagem.

São poucas e ainda tímidas as tentativas de usar o espaço virtual da TV de forma a ‘caber’ mais informação e a diversificar a atenção do espectador. Os canais de notícia já usam há um certo tempo a estratégia de separar a tela em ‘fatias’ ou ‘frames’, com informações laterais, mas ainda é pouco diante das possibilidades já testadas e de uso comum na rede.

Talvez a partir de um temor de que o telespectador seja menos afeito à simultaneidade de informações ou esteja num momento de relaxamento, a TV tem se mostrado conservadora em termos de linguagem. Nesse sentido, a BandNews está testando programete bastante interessante.

Chama-se ‘Memória Viva’ e consiste em um minidocumentário montado a partir do material de arquivo da TV Bandeirantes. O tema é organizado a partir de uma linha do tempo, que aparece na tela, e a ‘história’ é contada por meio de uma colagem de imagens de noticiário e jingles de publicidade, ao mesmo tempo em que uma série de palavras-chave que ‘definem’ o período são dispostas acima da linha do tempo.

Dura dois minutos e consegue reunir uma quantidade impressionante de informação, num dropes inteligente e dinâmico. O mais sugestivo é que funciona tão bem na TV (está inserido diariamente na programação da BandNews) quanto na rede (no site da BandNews e no YouTube: br.youtube.com/watch?v=Qbzs6qR7A5Q), o que indica que há uma série de possibilidades ainda a serem exploradas.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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Terra Magazine

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