Semana triste para o cinema mundial, que perde, em um mesmo dia, dois de seus ícones. Morreram, na segunda-feira (30/7), o diretor sueco Ingmar Bergman, aos 89 anos, e o cineasta italiano Michelangelo Antonioni, aos 94. Com mais de 50 filmes no currículo, Bergman dirigiu clássicos como O Sétimo Selo e Morangos Silvestres. Já Antonioni ajudou a romper, junto com Federico Fellini, com o estilo neo-realista que floresceu no cinema italiano após o fim da Segunda Guerra. Seu primeiro filme em inglês, o polêmico Blow up, levou à telona a primeira cena de nudez frontal feminina em um filme não-erótico. (Leticia Nunes)
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Bergman e o xadrez com a Morte
Ingmar Bergman era ‘provavelmente o maior artista cinematográfico, levando em conta o conjunto da obra, desde a invenção da câmera de cinema’, afirmou Woody Allen em uma homenagem no 70º aniversário do cineasta, em 1988. ‘É uma perda inacreditável para a Suécia, e mais ainda internacionalmente’, afirmou esta semana Astrid Soderbergh Widding, presidente da Fundação Ingmar Bergman, que administra os arquivos do diretor. Bergman morreu em sua casa na ilha de Faro, na costa da Suécia.
Filho de um pastor luterano e uma dona-de-casa, Ernst Ingmar Bergman nasceu em Uppsala em 14 de julho de 1918. Ele cresceu em companhia de um irmão e uma irmã em um ambiente familiar de severa disciplina, descrito detalhadamente na autobiografia Lanterna Mágica. O título do livro remete à infância do cineasta, quando seu irmão ganhou de Natal uma ‘lanterna mágica’, espécie de precursor do projetor de slides. Bergman ficou com tanta inveja que conseguiu seu objeto de desejo ao trocá-lo por cem soldadinhos de chumbo.
Em seus filmes, Bergman refletia sobre os extremos de sua amada Suécia: a escuridão claustrofóbica das intermináveis noites de inverno, a alegria das claras noites de verão e a grandeza da ilha onde passou seus últimos anos. Também diretor de teatro na década de 1940, ele chamou a atenção internacional em 1955, com a comédia romântica Sorrisos de uma Noite de Amor. O Sétimo Selo, de 1957, fascinou público e crítica com uma alegoria dos anos da Peste Negra medieval. O filme contém uma das cenas mais famosas do cinema, em que um cavaleiro joga xadrez com a Morte. ‘Eu estava com muito medo da morte’, afirmou o cineasta sobre o que sentia durante a produção do longa.
Em uma entrevista para a TV sueca em 2004, Bergman afirmou que não gostava de ver seu trabalho. ‘Não costumo ver meus filmes com freqüência. Fico nervoso e quase choro… fico infeliz. Eu acho horrível’, declarou. Nos últimos anos, o cineasta se dedicou a produções teatrais e alguns programas de televisão. Ele dizia que ainda sentia a necessidade de dirigir, mas não tinha planos para um novo longa-metragem.
Entre suas obras estão também Fanny e Alexander, de 1982, e Gritos e Sussurros, de 1972. Bergman foi casado cinco vezes – sua última mulher, Ingrid, morreu em 1995 – e deixa nove filhos.
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Antonioni, o poeta da câmera
Michelangelo Antonioni, um dos mais inovadores cineastas do século 20, morreu em sua casa em Roma, na noite de segunda-feira (30/7), menos de 24 horas após a morte de Bergman. ‘Com Antonioni morre não apenas um dos maiores diretores, mas também um mestre da modernidade’, afirmou o prefeito de Roma, Walter Veltroni.
Os primeiros filmes de Antonioni são um contraste ao neo-realismo italiano dos filmes de Vittorio de Sica e Roberto Rossellini, que mostravam o sofrimento da classe trabalhadora no pós-guerra. Seus filmes eram estilizados e tradicionalmente se concentravam nas experiências de uma burguesia alienada.
O cineasta nasceu em Ferrara, norte da Itália, em 29 de setembro de 1912. Estudante de economia na Universidade de Bolonha, passou a escrever resenhas de filmes em um jornal local na década de 1930. Nos anos 1940, mudou-se para Roma e começou a escrever para a revista fascista Cinema, dirigida pelo filho de Mussolini, Vittorio. Freqüentou brevemente a escola de cinema Centro Sperimentale e dirigiu diversos documentários.
Seu último trabalho foi um dos três capítulos do longa coletivo Eros, de 2004. Sua estréia no cinema foi em 1950, com Crônica de um Amor. O sucesso internacional viria em 1960, com o clássico A Aventura. O thriller Blow up, de 1966, passado em Londres, fez dele um diretor cult. Parte do público achava seus filmes pretensiosos e lentos, mas para diretores como Martin Scorcese, que o descreveu como um ‘poeta com uma câmera na mão’, o trabalho de Antonioni era de fundamental importância.
Em 1985, Antonioni sofreu um derrame que comprometeu a fala. Ele dirigiu seu último filme, Além das Nuvens, de 1995, em cadeira de rodas, com a assistência do diretor alemão Wim Wenders. No ano seguinte, o italiano foi homenageado com o Oscar pelo conjunto da obra.
‘Nos lugares vazios e silenciosos do mundo, ele encontrou metáforas para iluminar os lugares silenciosos de nossos corações, e encontrou neles, também, uma estranha e terrível beleza: austera, elegante, enigmática, assombrada’, afirmou o ator Jack Nicholson, que protagonizou o filme Profissão: Repórter, ao entregar o prêmio – que foi roubado da casa de Antonioni meses depois.
Com informações de Louise Nordstrom [AP, 30/7/07], Penelope Houston [Guardian Unlimited, 31/7/07] e Phil Stewart e Nicola Scevola [Reuters, 31/7/07].