Leia abaixo a seleção de quinta-feira para a seção Entre Aspas.
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Folha de S. Paulo
Quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
SEQÜESTRO EM SANTO ANDRÉ
Caso Eloá
‘‘Parabenizo o Ministério Público Federal pela justa multa aplicada sobre a RedeTV por expor menores seqüestrados, como a jovem Eloá, sem nenhum alvará judicial, respeito e ética nas entrevistas grotescas do programa ‘A Tarde É Sua’, de Sônia Abrão.
Há muito tempo este e outros programas de ‘entretenimento’ vêm apelando para sensacionalismos que exploram a desgraça humana e afrontam toda a sociedade. Buscar audiência a qualquer custo, sem ética, sem responsabilidade social e sem humanismo é inadmissível.’
JOEL RENNÓ JÚNIOR, coordenador-geral do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (São Paulo, SP)’
LÍNGUAS
Carlos Heitor Cony
Data venia
‘RIO DE JANEIRO – Reclamação geral: não se suporta certo tipo de linguagem, como o economês (‘valor agregado’, por exemplo). O internetês é também intolerável (‘bj’, ‘tb’ etc.). Sem falar na mais antiga de todas, a do juridiquês, consagrada, data venia, nos pareceres e nas sentenças de todos os graus da Justiça.
Implico também com linguagem acadêmica, não exatamente a da ABL ou a de outras academias de letras, mas a da universidade, onde se localizam os mais profundos conhecedores de todos os assuntos, inclusive os literários.
Já recebi críticas e louvores da turma e nem sempre consigo compreender o que estão dizendo. Dependendo da leitura que se faz, o mesmo texto pode ter sentidos contraditórios, como certas fábulas das antigas ilhas Papuas. Dou o exemplo de uma resenha que li numa revista especializada: ‘Nos livros de Joana Quintella, a linguagem trabalha a si própria, numa pulsão metamorfoseadora de pluralidades de sentidos, compensando a ausência de referencialidade com um excesso luxuriante e retórico’.
Outro dia, por dever profissional, encarei um conferencista dos mais notáveis do meio diplomático, um desses caras que aparecem na televisão como ‘cientista social’. Ele explicou com sapiência e à exaustão a vitória de Obama nas eleições norte-americanas.
Não entendi nada. Antigamente, poderia dizer que não entendi patavina, mas já nem sei mais o que é ‘patavina’. Não havia tradução simultânea, como nos simpósios internacionais que se realizam em todo o mundo. Nem legendas, como no cinema.
Apesar da minha ignorância, fui perguntado por um repórter que desejou saber a minha opinião sobre o mesmo assunto. Pensei em tudo o que não entendera e respondi: ‘Acho que Obama teve mais votos do que o adversário’.’
TRIBUNA
‘Tribuna da Imprensa’
‘‘Solicito retificação da informação veiculada ontem dando conta de que esta histórica e combativa ‘Tribuna’ vende ‘800 exemplares por dia’ (Brasil).
Informo que a circulação da ‘Tribuna’ é nacional e que, em média, são vendidos 50 mil exemplares diariamente, com encalhe perto do zero. Há dias em que chegamos a tirar 80 mil, somando a segunda edição, de acordo com informações de colegas do Departamento de Circulação.
Cabe acrescentar a enorme audiência da página da ‘Tribuna’ na internet.’
MARCIO GOMES, subeditor da ‘Tribuna da Imprensa’ (Rio de Janeiro, RJ)
Resposta do jornalista André Zahar – A ‘Tribuna da Imprensa’ não tem números de vendagem auditados pelo IVC (Instituto Verificador de Circulação).
A informação de que vende 800 exemplares por dia foi divulgada pelo Sindicato de Jornalistas do Município do Rio de Janeiro.’
TODA MÍDIA
Investir, demitir…
‘Na manchete on-line da estatal Agência Brasil, ontem o dia todo, ‘Dilma: investimentos previstos até 2010 serão mantidos’. Falava do PAC, do pré-sal e dos programas sociais, com eco no exterior, via agências européias como a Efe, sublinhando sua visão de que ‘a crise no receituário neoliberal do Estado mínimo’ leva aos investimentos estatais.
Por outro lado, nas manchetes de Folha Online, ‘Jornal Nacional’ e outros, ‘Vale demite 1.300’. Repercutiu nas agências americanas AP e Bloomberg e foi parar no ‘Financial Times’, em despacho do correspondente Jonathan Wheatley sublinhando que os cortes e férias coletivas anunciados ontem pela Vale se devem à ‘grave crise’ no setor -e atingem 13% da força de trabalho da ex-estatal.
Adriano Machado/bloomberg.com
Ontem no site da Bloomberg, operário trabalha em refinaria da Alunorte, da Vale, no Pará
‘O FIM ESTÁ PRÓXIMO’
Nouriel Roubini surgiu na capa do ‘FT’ em enunciados bombásticos como ‘O pior ainda está por vir’ e até um cartaz irônico, do jornal, ‘O fim está próximo’. Em artigo, o ‘Sr. Apocalipse’ sugere ‘Como evitar os horrores da estagdeflação’, seu oráculo mais recente. Defende ‘até políticas mais ‘loucas’, heterodoxas’.
Ele também voltou a tratar do Brasil, em entrevista à revista ‘Carta Capital’ postada anteontem. Prevê aterrissagem turbulenta para ‘todos os Brics’, cuja ‘desaceleração rápida será tão séria como uma recessão’. Avisa que ‘serão dois anos difíceis, mesmo para aqueles com fundamentos mais sólidos, como o Brasil’. Acrescenta: ‘Se bem que o Brasil tem um enorme espaço para a redução do juro, em razão da desaceleração’.
‘BRAZIL BANKER’
Segue ecoando a condenação de Daniel Dantas. A BBC se confundiu e deu que ele foi ‘encarcerado por suborno’ -e relatou os episódios anteriores envolvendo o ‘banking tycoon’, magnata bancário, que opuseram o Supremo ao juiz de primeira instância.
O ‘Washington Post’ publicou nota à página 11, descrevendo Dantas como ‘uma ex-estrela ascendente no mundo financeiro do Brasil’. O ‘FT’ postou longa reportagem, relatando como ele ‘chegou à proeminência’ na privatização das telecomunicações e ‘depois perdeu cada um de seus co-investidores’, do Citigroup à Telecom Italia e os fundos de pensão das estatais.
ARMAS MULTILATERAIS
Submarinos da França, helicópteros da Rússia e agora, como vendedor, mísseis para o Paquistão. A americana AP, a chinesa Xinhua e desta vez também a indiana PTI, entre outras agências pelo mundo, ecoaram o divulgação pelo ministro Nelson Jobim da venda de cem unidades do MAR-1 ao Paquistão. São ‘capazes de destruir os equipamentos de radar do inimigo’, registrou a PTI, sublinhando a resposta de Jobim de que a venda era ao governo paquistanês, não aos terroristas que, dias atrás, atacaram Mumbai.
BRASIL EM SÃO PAULO
A Agência Brasil e sites setorizados cobriram a chegada da federal TV Brasil a São Paulo, um ano após sua criação. Está no canal 63, mas apenas em sinal digital. Analógico, só no ano que vem. Também em 2009, nos estúdios enfim abertos, estréia um telejornal regional.
‘HYPE’
Ecoou até no maior blog de celebridades dos EUA, de Perez Hilton, a notícia de que Madonna vem ao Brasil, para shows na semana que vem, acompanhada do jogador dos Yankees Alex Rodriguez’
MARCELINO BRANDÃO (1926-2008)
Nos primórdios da imprensa interiorana
‘Já era hora de aprender um ofício, pensou o pai, que o levou a uma marcenaria.
Marcelino Brandão seria aprendiz a partir daquele dia, caso o dono não tivesse viajado. O primeiro emprego quase acabou em decepção.
Na volta para casa, viram uma gráfica, pararam em frente, o dono perguntou o que faziam e pronto: começava ali a ligação entre Marcelino e a imprensa. A marcenaria ficava para trás.
Tinha 18 quando o responsável pela gráfica em que trabalhava o convidou a dirigir temporariamente um semanário em Votuporanga (SP)
Ficou no cargo.
Como a cidade não tinha luz elétrica, o jornal era feito aos domingos, com papel cortado a mão e uma prensa que funcionava com pedal.
‘As máquinas que não serviam mais o Assis Chateaubriand [dono do grupo Diários Associados] mandava para o meu pai. E era uma alegria’, lembra o filho.
Com o tempo, Marcelino arrumou um sócio e comprou o próprio jornal. Durante o governo militar, acumulou processos pelas críticas que publicava -o sócio foi preso cinco vezes.
Mesmo depois de aposentado, continuou ativo: trabalhou com mercado de capitais, seguro de vida, foi agente da Varig, delegado e juiz de paz. Editou três livros.
No domingo, morreu aos 82, após sofrer um ataque cardíaco, em Votuporanga.
Deixa viúva, dois filhos, três netos e dois bisnetos.’
TELEVISÃO
Leitura coletiva de ‘Dom Casmurro’ empaca
‘Lançada no último dia 20, a promoção da Globo para realizar na internet um mega-leitura do livro ‘Dom Casmurro’, de Machado de Assis, ainda não emplacou. Até o início da tarde de ontem, apenas 530 internautas haviam conseguido participar da ação, idealizada para fomentar a minissérie ‘Capitu’, no ar a partir de terça-feira. A emissora iniciou ontem uma campanha publicitária para alavancar a promoção.
A Globo dividiu ‘Dom Casmurro’ em mil trechos. Em um site (www.milcasmurros.com.br), abriu mil janelas, cada uma com um trecho da obra. O internauta escolhe um trecho e o lê, diante de uma webcam. Segue uma série de orientações (como o preenchimento de uma ficha cadastral) e faz o ‘upload’ do vídeo.
O material não entra no ar imediatamente. Fica ‘em moderação’, segundo a emissora, por até duas horas. Nesse período, o vídeo passa por uma série de verificações (se há mensagens impróprias, palavrões e se o áudio e a imagem têm boa qualidade).
A Globo considera a promoção um sucesso e diz que a campanha publicitária para alavancá-la já estava prevista. A emissora, por enquanto, não permite que um mesmo trecho seja lido por mais de uma pessoa. Só fará isso após todos os mil trechos terem sido lidos.
Na média dos dez primeiros dias, a promoção teve 2,2 gravações de leitura por hora.
PATROCÍNIO
Terá patrocinador novo a nona edição de ‘Big Brother Brasil’, que a Globo estréia em 13 de janeiro. A Ambev (guaraná Antarctica) entra no lugar da esponja de aço Açolan. Os outros patrocinadores (Fiat, HSBC, Johnson & Johnson e Niely) permanecem. Pagarão R$ 11 milhões cada um.
TUDO IGUAL
Em tentativa de alavancar sua grade vespertina, ponto fraco de sua programação, a Record mudou nesta semana a ordem dos programas (‘Prova de Amor’, por exemplo, está entrando antes do ‘Programa da Tarde’). A audiência ignorou. As médias não mudaram.
FANTA
A banda Jota Quest será a atração da final de ‘Ídolos’, que a Record exibe dia 17.
REPETECO
Assim como em 2007, a última edição de 2008 do ‘Caldeirão do Huck’ será especial. Uma mesma família participará dos principais quadros do programa, ou seja, ganhará uma reforma da casa, terá um carro velho totalmente recuperado e concorrerá a prêmio em dinheiro. O que impressiona é o número de concorrentes. Foram 300 mil cartas, o que dá uma média de 25 mil por mês.
PLANO B
A Record contratou uma auditoria privada para fiscalizar a campanha para construir casas em Santa Catarina. O Ministério Público de São Paulo recusou a missão. A campanha, que já arrecadou mais R$ 5 milhões, virou alvo de golpistas, que estão fazendo telefonemas pedindo doações -para suas contas bancárias.’
Lucas Neves
Estréia segundo ano de ‘Eli Stone’
‘Comparada em sua estréia a ‘Ally McBeal’ (pela combinação de drama e comédia, além da ambientação em um escritório de advocacia, no qual o protagonista oscila entre realidade e fantasia), ‘Eli Stone’ chega hoje à sua segunda temporada.
No primeiro ano da série, acossado por alucinações (em que costuma surgir o cantor inglês George Michael), o personagem-título descobriu ter um aneurisma cerebral incurável. O diagnóstico do irmão neurologista o conduziu à medicina alternativa. Foi parar nas mãos do dr. Chen, acupunturista que acusou traços proféticos em suas visões.
No fim da temporada, Eli passou por uma cirurgia para remoção do aneurisma e acabou em coma. Neste início de segundo ano, seis meses após a operação, o advogado espera um sinal verde de sua terapeuta (interpretada por Sigourney Weaver) para voltar oficialmente ao trabalho -na prática, já anda visitando informalmente o escritório há uma semana.
Enquanto isso, o irmão de Eli, Nate, é quem começa a ter visões -no meio do expediente no hospital, imagina-se num banco e vê uma grua atravessar o teto de vidro.
No fim do mês passado, a rede ABC anunciou o cancelamento do programa.
ELI STONE – 2ª TEMPORADA
Quando: hoje, às 21h
Onde: no Sony
Classificação indicativa: não informada’
LITERATURA
Sylvia Colombo
Rushdie lança livro e acusa Paquistão
‘Há dias Salman Rushdie anda pendurado ao telefone e mandando vários e-mails.
Nascido em Mumbai, o autor anglo-indiano quer ter certeza de que seus amigos e parentes estão todos vivos e seguros após os ataques terroristas na Índia, na semana passada, que mataram mais de 170 pessoas.
O autor, que lança agora no Brasil o seu mais recente romance, ‘A Feiticeira de Florença’, conta que não perdeu ninguém próximo. ‘Mas a maioria de meus conhecidos sabe de alguém que morreu nos atentados’, contou à Folha, em entrevista feita por telefone, de Londres, onde vive.
Rushdie, 61, ficou conhecido mundialmente por conta da ameaça de morte lançada contra ele pelo iraniano aiatolá Khomeini contra seu livro ‘Os Versos Satânicos’ (1989).
Mais de uma década depois, quando Nova York, Madri e Londres foram alvo de ações terroristas, o autor declarou que tudo era parte do mesmo processo. Agora, diz ele, os ataques a seu país vêm se somar a esse pacote, resultado da escalada terrorista internacional, ainda que por grupos diferentes. ‘No caso dessa última tragédia, ainda se sabe pouco. Mas todas as trilhas apontam para o Paquistão. A dúvida paira apenas sobre o quanto o governo paquistanês está envolvido.’
Para ele, o Ocidente precisa parar de oferecer dinheiro e armas incondicionalmente ao país vizinho da Índia. ‘Os EUA, principalmente, os ajudam sem pedir uma contrapartida. É preciso exigir que coloquem a casa em ordem, que deixem de tolerar, ou mesmo de encorajar os grupos terroristas que têm uma base ali’, conclui.
Ficção e história
Em ‘A Feiticeira de Florença’, Rushdie volta a trabalhar com a mistura de ficção com história, mitos e lendas que marca suas obras.
O enredo se passa no século 16, na Europa e na Índia, e envolve personagens reais com imaginários. Entre os primeiros estão o imperador Akbar, o Grande, Nicolau Maquiavel e membros da família Médici, que se celebrizou por patrocinar artistas renascentistas.
As conexões entre Oriente e Ocidente, outro tema constante no universo de Rushdie, são o pano de fundo do romance.
‘Os ecos daquele tempo estão presentes hoje. Somos desde sempre a mesma espécie, nosso comportamento não muda tanto através dos tempos. Assim como naquele mundo havia disputas por poder, desejos de vingança, disputas religiosas, mas também histórias de generosidade e tolerância, da mesma maneira vivemos atualmente. A natureza humana é a mesma, em qualquer período da história.’
No centro dessas possíveis analogias com o mundo de hoje está a figura de Akbar (1542-1605). Líder importante da história indiana desse período, Rushdie decidiu explorar seus dilemas pessoais.
Os fatos históricos relacionados à sua cronologia são corretos, mas seus sentimentos e reações, inventados. ‘Eu o admiro por ter sido um governante muito à frente de seu tempo. Em tempos de guerra, conquistas e vingança, teve uma preocupação pela busca de uma harmonia e pela diplomacia.’
O fato mais intrigante sobre o imperador, para Rushdie, é a mistura, em sua personalidade, de dois elementos aparentemente contraditórios. ‘Era um tirano e não estava nada interessado em não sê-lo. Por outro lado, queria promover a paz.’
Outro elemento histórico explorado por Rushdie é a bruxaria. No livro, as bruxas são lindas ‘e não têm nariz grande e feições assustadoras, como nos fez crer a arte européia. Eram mulheres que conviviam com uma realidade dupla. Encanto e sensualidade as faziam especiais. Mas elas também morriam queimadas se fossem acusadas de práticas diabólicas’.
Influência
Rushdie admite a forte influência da literatura do italiano Italo Calvino (1923-1985) na construção do mundo fantástico de ‘A Feiticeira’. ‘A atmosfera de encanto e a forma como descrevo o maravilhoso têm muito a ver com as leituras que fiz de suas obras, em especial ‘As Cidades Invisíveis’.’’
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O Estado de S. Paulo
Quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
ACESSO À INFORMAÇÃO
O direito de saber
‘Na era da informação, a expressão segredo de Estado deve soar para muitos, notadamente para as novas gerações, como um anacronismo. Nada mais natural, para todos quantos tenham acesso a um computador conectado à internet, do que informar-se a todo instante sobre uma infinidade de assuntos apenas pressionando um par de teclas. A disseminação das chamadas ferramentas de busca e a multiplicação das redes virtuais de relacionamento, em que a troca de textos, sons e imagens é uma atividade a que incontáveis milhões de jovens dedicam as melhores horas de sua jornada, consagraram a idéia tácita de que o acesso à informação é um valor social, quando não um direito natural.
Reciprocamente, a idéia de que os governos se permitem subtrair do conhecimento público documentos que tratam de suas ações – desde sempre combatida pelos libertários, defensores da primazia da sociedade sobre a estatocracia – deve provocar na população internauta um sentimento entre a incredulidade e a repulsa. Não que a grande maioria dos seus membros se interesse necessariamente pelo que os governantes e as suas burocracias fazem – e querem manter longe das vistas alheias. O ponto é que, por uma questão de princípio, o direito de saber já deixou de ser uma demanda circunscrita a públicos, por assim dizer, especializados: pensadores, acadêmicos, pesquisadores, jornalistas e organizações voltadas para o resgate de evidências documentais sobre determinados processos ou períodos históricos, como, no Brasil, o da ditadura militar.
Essa nova cultura, avessa a toda modalidade de restrição do conhecimento, a ponto de nem sequer admitir a eventual legitimidade das razões de Estado, é o pano de fundo do debate sobre o projeto da Lei de Acesso à Informação que o governo deverá encaminhar ao Congresso em começos do próximo ano. O ponto polêmico da proposta é o que permite que documentos classificados como ultra-secretos possam ficar trancados nos arquivos oficiais indefinidamente, se a comissão incumbida de revê-los a cada 25 anos concluir que a sua divulgação poderá representar ‘grave ameaça externa à soberania e grave risco às relações internacionais’. O exemplo que vem à mente de todos é o da Guerra do Paraguai (1864-1870), cujos segredos envolvendo atrocidades praticadas por soldados brasileiros e a posterior demarcação das fronteiras definitivas entre os dois países o Itamaraty mantém nos seus cofres mais inacessíveis.
Mas, no geral, o projeto é arejado. De um lado, por abreviar a duração do sigilo imposto aos documentos considerados confidenciais – e que parecem proliferar na administração federal, às vezes ao sabor do burocrata que se imagina mais poderoso ao abater sobre um papel o carimbo que o enclausura. Atualmente, os documentos protegidos se dividem em reservados (sigilo de 5 anos), confidenciais (10 anos), secretos (20 anos) e ultra-secretos (30 anos). Os prazos são prorrogáveis. De acordo com a proposta do Planalto, a rotulação dos documentos ficará sujeita a critérios mais estritos, os níveis de sigilo serão reduzidos a três, com a provável extinção da categoria confidenciais – e apenas o prazo dos ultra-secretos poderá ser estendido. Além disso, numa inovação destinada a estimular a liberação progressiva da papelada, todos os documentos sigilosos serão revistos a cada dois anos.
O projeto é também atualizado porque obrigará União, Estados e municípios a entregar em até 20 dias úteis a qualquer pessoa documentos sobre licitações, auditorias, andamento de projetos e programas oficiais. O interessado pagará apenas o custo da sua reprodução. Se o órgão procurado não os tiver, o servidor terá de informar onde poderão ser obtidos. Se forem sigilosos, isso terá de ser comunicado. O texto prevê penas para o descumprimento injustificado de um pedido. O capítulo das sanções, aliás, inclui punição para quem destruir documentos que comprovem violação de direitos humanos. E nenhum documento a respeito poderá ter o seu sigilo prorrogado. Com bastante atraso, o Estado nacional dá um passo vigoroso para cumprir o preceito da Carta de 1988, de que ‘todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse público ou geral’.’
FIM DE ANO
Retrospectivafobia
‘E aí, preparado para as retrospectivas 2008? Não se esqueça de renovar o estoque de lenços de papel para o mar de lágrimas que te espera na enxurrada de más notícias, frases infelizes, catástrofes e lambanças de dar dó. Afora a eleição de Obama, meia dúzia de gols geniais, três ou quatro momentos de ternura do ser humano e dois milagres de Deus, sobram as desgraças para contar. Se bem que, a rigor, todo ano é a mesma coisa.
Deus inventou um dia depois do outro, e o diabo a retrospectiva dos últimos 12 meses, rosário de perdas e danos na eterna luta do homem com o planeta pra ver quem vai acabar primeiro. A edição de imagens do ano que as TVs preparam para 2008 parece filme de terror. Programa pouco recomendável a quem não tem estômago para o gênero.
Tudo mais – presunto, pernil, bacalhau, rabanada, nozes, vinho tinto, tios, primos, sobrinhos e champanhe – dá pra encarar sem problemas.
Como dizia Nelson Rodrigues, ‘toda retrospectiva é uma espécie de documentário da véspera do fim do mundo’.’
LITERATURA
Índia: o velho e o novo
‘Vinte anos após ter decretada sua sentença de morte (fatwa) pelo aiatolá Khomeini, que o acusou de blasfêmia contra o Islã pelo conteúdo de seu livro Os Versos Satânicos, o escritor Salman Rushdie, agora sir do Império Britânico, volta às livrarias com uma fábula, A Feiticeira de Florença (Companhia das Letras, tradução de José Rubens Siqueira, 408 páginas, R$ 54), sobre o encontro de duas culturas, a de Florença dos Médici e a do império mughal sob o comando de Akbar, o Grande. Em síntese, a tese de Rushdie, revelada em entrevista ao Estado sobre o livro, é que os ideais renascentistas florentinos também floresceram na corte de Akbar, no século 16.
Simultaneamente ao lançamento do livro de Rushdie, chegam às livrarias outros títulos de escritores indianos da geração posterior à de Rushdie, como Amitav Ghosh (Maré Voraz, pela Alfaguara), Vikram Chandra (Jogos Sagrados, Companhia das Letras), Thrity Umrigar (Um Lugar para Todos, Nova Fronteira) e o livro de estréia do caçula da turma, Aravind Adiga (O Tigre Branco, Nova Fronteira), caracterizando um boom literário indiano no mercado brasileiro.
Adiga é o mais novo vencedor do Booker Prize, o que o aproxima ainda mais de Rushdie, ganhador do prêmio por Os Filhos da Meia-Noite, em 1981. Se Adiga busca um anti-herói na sociedade indiana emergente do terceiro milênio, agora às voltas com terroristas, Rushdie voltou ao século 16 para contar a história de dois mundos, o do imperador Akbar e o do italiano Agostino Vespucci (renomeado Niccolò), um navegador que a todos conquista com sua beleza, seu carisma e certa dose de magia. Poliglota, Vespucci inventa uma história que o torna parente distante do imperador filósofo, contando histórias como a da feiticeira Qara Köz, entre outras que cruzam realidade e ficção ao evocar figuras como Maquiavel e a rainha Elizabeth I. Tudo embalado pelo espírito de Calvino, Borges e García Márquez, tempero que não agradou a todos os gostos, mas aprovado com poucas restrições por escritores como Joyce Carol Oates. Ela classificou o livro de Rushdie de ‘uma estimulante mistura pós-moderna de novela histórica e realismo mágico’.
O projeto inicial de A Feiticeira de Florença está completando dez anos. Como ele se transformou a ponto de eleger a novela histórica como modelo? A intenção sempre foi mesmo a de mostrar as semelhanças entre culturas aparentemente díspares como a florentina da época do Renascimento e a do império mughal?
Sempre tive em mente encontrar um meio de ligar a cultura florentina dos Médici com a Índia do império mughal, dois mundos que, de fato, estabeleceram contato um com o outro na época, isto é, século16. Como se tratava do auge de ambas as culturas, considerei a hipótese de confrontá-las, o que exigiu anos de pesquisa histórica e uma extensa bibliografia, insatisfatória até encontrar em Orlando Furioso a história da princesa indiana de que precisava, provavelmente a irmã perdida de Babur que foi para o Ocidente e se transformou na princesa de Ariosto.
No livro há personagens reais com nomes trocados, como Niccolò Vespucci, também chamado de Mogor dell?Amore, e outros com o verdadeiro, como Maquiavel. Em certa medida, Niccolò, ou Agostino Vespucci, parece um alter ego seu, considerando que ele conta uma história fantástica apenas para fazer crer seu interlocutor que existem mais coisas em comum entre Oriente e Ocidente do que este imagina. Essa também é sua função como literato?
Niccolò tem o mesmo projeto que eu tenho, o de tentar convencer alguém da veracidade de sua história, mas diria que o meu é mais modesto, uma tentativa de construir, como escritor indiano, uma ponte interna entre Oriente e Ocidente. Tentei achar conexões entre as duas culturas e cheguei à conclusão de que a verdade é até mais estranha que a ficção.’
TELEVISÃO
O Twitter da Globo
‘Como parte do novo visual de seu site, a TV Globo lançou na terça-feira um microblog à la Twitter: o Por Dentro da Globo. O serviço rende notas curtinhas que mostram, in loco, o que está rolando nos estúdios globais: bastidores, programas em exibição, links que redirecionam para reportagens do site G1, etc. Cada atração tem o seu próprio perfil dentro da ferramenta hi-tech.
A novidade do site da Globo é uma tendência entre as emissoras de TV. Canais como GNT, MTV, Record e SporTV já têm perfis no Twitter. Nessa rede social, a informação precisa ser ligeira e direta, pois os textos não podem passar de 140 caracteres. As emissoras de TV viram nesse serviço uma ótima forma de destacar sua programação ou dar notícias em primeira mão. A Globo justifica que determinadas informações não podem esperar release ou foto.
O serviço de microblog mais popular da internet também é usado no Brasil no programa Roda Viva, da TV Cultura. A cada entrevista, internautas convidados comentam no Twitter os bastidores da sabatina. Na concepção da Cultura, essa mídia serve para gerar ‘uma nova camada de informação’.’
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