É tenebrosa a ‘denúncia’ da Folha de S.Paulo (sábado, 8/5, pág. A-8) contra a colunista política Tereza Cruvinel, do Globo. Entre outras coisas demonstra a existência no simpático jornalão de uma perversidade em suspensão, transmitida por osmose ou infiltrada nas paredes do prédio [leia íntegra da matéria da Folha na rubrica Entre Aspas, nesta edição].
Em tese, um jornalista contratado por um veículo privado não pode receber encomendas do poder público. Sobretudo quando cobre a área política na Capital Federal. Isto vale para os três poderes e estende-se para qualquer atividade – mesmo quando se trata de escrever livros, dar cursos ou proferir conferências.
Mas a jornalista Tereza Cruvinel foi contratada por cerca de 15 mil reais pela Câmara dos Deputados para pesquisar e escrever a biografia da jornalista-deputada pernambucana Cristina Tavares, falecida em 1992, a ser incluída numa série de perfis parlamentares. Não houve licitação porque nos casos de notória competência ela é dispensável. [Foi a deputada, aliás, quem apresentou à Câmara, em 4/4/1989, o projeto de lei 1905/89, que pleiteava a criação do Conselho de Comunicação Social, previsto da Constituição de 1988. E é dela o livro A última célula — Minha luta contra o câncer, lançado em 1989.]
Não é crime, não é infração. Seria, no máximo, assunto para um comentário objetivo do Ouvidor (também chamado de ombudsman) e não para converter-se em matéria de um quarto de página, com um título forte, editada numa página de escândalos onde o protagonista principal é o velho amigo da casa, Paulo Maluf.
Teoricamente o pagamento à jornalista caracteriza um conflito de interesses. Mas, teoricamente, a Folha não pode ter como colaborador regular o presidente do Senado, isto é, o chefe do Legislativo. No entanto, o senador José Sarney é colaborador e está na folha de pagamentos da Folha há muitos anos. Significa que o jornal está atrelado a um dos poderes da República e, no caso em questão, atrelado a um parlamentar com vastos e exóticos interesses empresariais – inclusive na área da mídia.
A peçonha contra a colunista do jornal adversário completa-se com outra contra um colunista da própria Folha, Luís Nassif, que teria recebido passagens do Ministério da Previdência para participar de um seminário em Brasília sobre a reforma do setor e não comunicou o fato ao comissariado da redação. Puro farisaísmo: a Folha aplica o seu Manual da Redação de forma seletiva e geralmente hepática.
Exemplo: este Observatório recentemente questionou a colunista Tereza Cruvinel por ter oferecido a sua residência para uma entrevista coletiva disfarçada do presidente Lula da Silva. Entrevista do presidente da República deve acontecer em instalações do governo ou sob a sua égide. Nosso comentário foi rigorosamente técnico, impessoal, sem acusações.
A Folha mandou diversos jornalistas ao ágape-entrevista e não registrou qualquer reparo. Naqueles dias o Manual estava de folga.