Admito que fui fã quase incondicional de Britney Spears há 10 anos, quando a garota dava seus primeiros passos no circo do pop. A inocência fabricada, aliada à música contagiante e melódica de hits como …Baby One More Time, Sometimes e Oops!… I Did It Again foi infalível, pelo menos no meu caso. A sensualidade, ali, era subentendida. E ajudou a conquistar uma legião de fãs, de 8 a 80 anos.
Britney não canta, isso é fato. A voz, fraquinha, é afinada e amplificada em estúdio. Ela só encara o microfone se estiver amparada pelo playback. A dança e a presença de palco, turbinadas por uma impressionante máquina de fazer notícias, eram os elementos compensatórios. A engrenagem funcionou muito bem por algum tempo, o que surpreendeu até os mais incrédulos.
Quando Britney trocou a sugestão pelo explícito, a partir do terceiro disco, para acompanhar o crescimento e as expectativas de suas fãs pré-adolescentes, a receita começou a desandar. Sempre orientada pela sua equipe sobre o que falar e como agir, a dublê de cantora não soube conduzir a transição de pseudo-virgem para a ‘nova Madonna’. Até porque, para tomar o trono da genuína rainha do pop, Britney precisava de conteúdo. Tinha de aprender a cantar, atuar (o filme Crossroads, de tão ridículo, não conta), tocar e mostrar que, assim como Madonna, a música deve servir como veículo para influenciar o comportamento e a atitude de toda uma geração. Enquanto Madonna provocou uma revolução sexual e peitou até o papa ao questionar os reais desígnios da religião, Britney não passou de uma princesinha pré-moldada, pronta pra vender CDs e incapaz de lidar com o mega-estrelato que, sem querer, acabou conquistando.
Ensaio na Rolling Stone
Ciente de que se tornou um produto sem mensagem, Britney entrou em depressão logo após o lançamento de seu quarto disco, In The Zone, curiosamente o melhor de sua carreira. Na turnê, que foi fracasso de público, deixava o palco aos prantos. Engordou. Começou a se drogar. Casou-se com um dançarino, teve dois filhos, lançou um disco que passou em branco (o interessante, porém sem personalidade, Blackout) e pirou de vez com a constante perseguição dos paparazzi. Perdeu a guarda das crianças, teve os bens bloqueados pelo próprio pai, foi internada numa clínica psiquiátrica e, agora, quer voltar aos holofotes, com um novo álbum, batizado, propositalmente, de Circus.
Entram em cena, então, os verdadeiros artistas desse bizarro picadeiro: os produtores. Circus é um disco quase-moderno, quase-maduro, quase-bem-sucedido. Perfeito para uma quase-artista. Nas faixas, adivinhem, Britney reclama dos flashes, declara seu amor aos filhos e rechaça os homens que a desprezam, em meio a batidas eletrônicas que disfarçam o vazio das composições. Nada comprometedor.
No ensaio para a última edição da Rolling Stone americana, um susto: o texto que acompanha as fotos (e que mostram a pop star em boa forma, com a ajuda do Photoshop) só pôde ser publicado depois de análise e autorização dos assessores de Britney. Lá está tudo o que o público espera: uma Britney que afirma ter superado as dificuldades, que dorme cedo, que não bebe mais, que cuida bem de seus pequenos e que estaria pronta para recuperar o cetro de boa moça da América, perdido, talvez, quando raspou a cabeça para se livrar de um exame toxicológico.
Nada além do que mais do mesmo
Em suas aparições mais recentes, lá está ela, igualzinha à Madonna, de novo, dublando a própria música e fingindo acreditar que possui alguma relevância.
Britney Spears não cola mais. É puro faz-de-conta. As músicas, antes deliciosas, agora podem ser cantadas por qualquer uma, tamanha a carência de espírito e autenticidade. Até o rádio parou de dar tanta moral pra ela. Britney e sua trupe tentam empurrar goela abaixo do mundo o rótulo de menina vencedora, vítima do circo criado à sua volta, mas que comanda o espetáculo. Pura balela. Britney, comandada desde o início, está sempre à beira do precipício. Impossível dar a volta por cima quando não se aprende nada com a adversidade.
A turnê de 2009 deve engordar o cofrinho da moça, ainda que apresentada para platéias ralas. Uma nova crise de depressão parece questão de tempo, já dizem os catastróficos de plantão. O destino, de qualquer forma, é previsível para alguém que, inevitavelmente, vai se dar conta de que, depois de mais de uma década, nunca conseguiu oferecer ao seu público (se é que ele ainda existe) nada além do que mais do mesmo. Triste sina para quem queria ser Madonna. Com isso, o trono da rainha do pop, que vai abalar o Brasil em dezembro, continua intocável. Ainda bem.
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Jornalista