Dois fatos novos podem evitar que se cometa mais um crime contra Minas Gerais, perpetrado com a complacência do governo Aécio Neves.
O primeiro e mais importante é a crise mundial que se alastra desde 15 de setembro com a quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos. No mundo todo, já se revêem planos de investimentos, entre eles os da área de mineração. Em agosto de 2007, o Instituto Brasileiro de Siderurgia (Ibram) divulgou levantamento informando que a indústria mineral planejava investir no Brasil US$ 28 bilhões até 2011 ‘na esteira da alta de preços dos metais nos anos recentes’. Nos últimos dois meses, os preços das commodities desabaram e, com eles, mirabolantes planos de investimentos.
O outro, quem diria, vem do Ministério da Cultura.
Acabo de ler na Folha do Meio Ambiente de outubro uma entrevista de Carlos Fernando Moura Delphim, técnico do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e membro da Comissão de Patrimônio Mundial da Unesco. Ele diz ao jornalista Silvestre Gorgulho que, finalmente, estão sendo implementadas medidas para cumprir dois capítulos da Constituição de 1988 que defendem o patrimônio natural e cultural do Brasil. O presidente do instituto, Luiz Fernando de Almeida, decidiu que não cabe ao Instituto preservar apenas prédios de ‘pedra e cal’, mas também a paisagem cultural. Ela será equiparada ‘à proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica e à livre concorrência’.
Estudos geológicos preliminares
Ou seja, vai ficar mais difícil, para o governo de Minas, aprovar o Projeto Minas-Rio, apresentado pela MMX Mineração e Metálicos S.A, que já originou até um pedido de impeachment do governador Aécio Neves. Essa empresa foi criada em 2002 pelo Grupo EBX, para atuar na mineração. O grupo é comandado por Eike Batista, filho do ex-presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Eliezer Baptista, na época em que era uma empresa estatal e começou a se internacionalizar. Conforme a revista O Empreiteiro, de 7/8/2007, ‘o sistema Minas-Rio acelera os passos para dar início às obras do porto em São João da Barra, no litoral norte-fluminense, que responderá pela exportação de 26 milhões t anuais de minério de ferro’.
Esse projeto prevê a construção de uma unidade de mineração no município de Conceição do Mato Dentro, na Serra da Canastra, e um mineroduto de 530 km até o litoral fluminense.
Segundo a revista mais lida pelos empreiteiros, a produção deveria começar, numa primeira etapa, no quarto trimestre de 2009, com investimento de US$ 2,35 bilhões. ‘A produção dos 10 primeiros anos de operação’, informa O Empreiteiro, ‘já está vendida para a Gol Industries Investiment Co, que desistiu de construir uma pelotizadora em São João da Barra (RJ), que estava nos planos iniciais’. Acrescenta que, recentemente, a Anglo American – a terceira maior mineradora do mundo – adquiriu 49% de participação na MMX por US$ 1,15 bilhão.
Mas o Diário do Comércio, de Belo Horizonte, informou no dia 15 de março de 2008, que a mineradora Anglo American adquiriu recentemente ‘o restante das ações da MMX por cerca de US$ 5,5 bilhões’. Diz que a empresa ‘deverá começar a extrair ouro em 2009, conforme relatório técnico divulgado na última quarta-feira’. Calcula em US$ 45 milhões o investimento em pesquisa mineral na região de Serro e Conceição do Mato Dentro e que estudos geológicos preliminares indicam 2,2 bilhões de toneladas de minério de ferro. ‘Não se fala no teor de ouro que, segundo consta, está na casa dos 12ppm’. Na mesma edição, o jornal informa: ‘O já mega-empresário Eike Batista, afirma ter fechado a compra do Hotel Glória, no Rio, para usá-lo como escritório para a sua holding, a EBX.’
Empresa nega venda de ações
Curiosamente, como veremos mais adiante, o pedido de impedimento de Aécio Neves diz que, durante mais de 30 anos, a Vale do Rio Doce teve a concessão de exploração dessas jazidas e, ‘justamente quando as libera’, imediatamente Eike Batista, filho de um ex-presidente da estatal, ‘as requer e se transforma, como num passe de mágica, no mais novo bilionário brasileiro’.
No dia 16 de janeiro, a Agência Estado distribuiu reportagem assinada por Nicola Pamplona sobre a compra de parte do grupo MMX pela inglesa Anglo American, por R$ 5,5 bilhões. ‘Procurada pela reportagem, a MMX não quis comentar a operação, na qual os grupos vêm recebendo assessoria dos bancos UBS e Goldman Sachs, pelo lado da Anglo American, e Credit Suisse e Itaú BBA, pelo lado da MMX. Não está claro, porém, se a Anglo American ficará com ações do grupo de Batista ou comprará maior participação em alguns dos projetos de mineração do grupo, que incluem ainda a MMX Corumbá e a MMX Amapá – esta última, com 30% nas mãos da americana Cleveland Cliffs. Segundo uma fonte que acompanha as negociações, Batista não venderá o controle da companhia’, diz Pamplona.
Parêntesis: os dois bancos que assessoram a multinacional, UBS e Goldman Sachs, afundaram com a crise mundial, mas Eike Batista parece ter-se saído muito bem…
A repórter Nicola Pamplona lembra que, no dia 10 de janeiro, a MMX enviou nota de esclarecimento à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) negando informações publicadas na imprensa sobre a venda de ações de seu controlador. ‘Não é verdade que o sr. Eike Batista esteja negociando a venda de 20% das ações da MMX pelo preço de US$ 1,8 bilhão’, dizia o texto, assinado pelo diretor-geral e de relações com investidores da companhia, Rodolfo Landim.
Um ‘x’ multiplicador
O mesmo comunicado, porém, admitia conversas com possíveis investidores. ‘Tendo em vista o dinamismo do mercado mundial de mineração, a MMX e sua administração constantemente avaliam a viabilidade financeira de negócios, associações e investimentos diversos, discutindo-as com participantes da indústria, assessores financeiros e demais especialistas de sua confiança.’
A repórter da Agência Estado diz que a MMX começou a ganhar forma no final de 2005, com a incorporação de direitos de mineração adquiridos pelo grupo de Eike Batista no Amapá e em Minas Gerais – que hoje integram o complexo Minas-Rio. Em abril de 2007, a empresa incorporou ativos em Corumbá e a MMX Metálicos. Os principais projetos foram negociados com parceiros estratégicos. Além da venda de parte da Minas-Rio para a Anglo American, a companhia vendeu 30% da MMX Amapá para a americana Cleveland Cliffs. No caso de Corumbá, as negociações com um sócio ainda estão em curso.
‘Em 2006’, acrescenta a repórter, ‘a companhia protagonizou a maior oferta inicial de ações da Bovespa, arrecadando cerca de R$ 1 bilhão. Em setembro, o capital da MMX estava dividido da seguinte maneira: 68% das ações nas mãos do acionista controlador e dos administradores da empresa e 32% negociados em bolsas de valores. A empresa prevê investimentos de US$ 3,9 bilhões para colocar os projetos em operação. Hoje, apenas a mina de Corumbá está em plena atividade. No Amapá, o primeiro carregamento de minério foi feito este ano.’
E prossegue a repórter da Agência Estado:
‘No último dia 15, a MMX anunciou a compra, por US$ 125 milhões, da Mineradora Minas Gerais (Minerminas) , que produziu, em 2007, 700 mil toneladas de minério de ferro. Além da mineradora, Eike controla companhias nos setores de petróleo (OGX), logística (LLX), energia (MPX) e siderurgia (EBX) – o X no final, segundo o empresário, teria o poder de multiplicar os negócios. A MPX está em processo de abertura de capital, caminho que deve ser seguido também pela OGX.’
Investimentos de R$ 7 bilhões
Para quem conhece a imprensa mineira, nenhuma surpresa quanto ao silêncio obsequioso com que vem contemplando o Projeto Minas-Rio e, sobretudo, o desprezo que dedica aos que se opõem a ele. E não são poucos.
São publicadas algumas informações, mas sem qualquer crítica. O jornal Hoje em Dia, por exemplo, publicou no dia 7 de março notícia assinada pelo repórter Augusto Franco, dizendo que ‘os donos das 752 propriedades localizadas ao longo dos 25 municípios mineiros por onde vai passar o Mineroduto Minas-Rio estão obrigados, desde ontem, a concederem – mediante indenizações – o direito à mineradora MMX de passar seu mineroduto por suas terras. Isso é o que determina o decreto-lei, publicado no Diário Oficial do Estado, o Minas Gerais‘.
Acrescenta que o ‘decreto foi publicado mesmo antes da concessão da Licença de Instalação ( L.I.) da mina, ainda em fase de análise por uma comissão mista de 20 especialistas da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semad).
A estimativa para o conjunto – mina, mineroduto e porto – é de investimentos da ordem de US$ 7 bilhões, nos próximos três anos. Se aprovada pelos órgãos ambientais, a mina deve extrair 26,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, durante os próximos 40 anos.
Segundo estimativas da Semad, a nova mina seria responsável por aumentar em 13,5% a produção total do Estado, tendo como base a exploração de 2007’.
Licenciamento de implantação
Franco cita o gerente de Gestão Fundiária da MMX, Ricardo Brito, para quem ‘o decreto-lei é uma ferramenta a mais para agilizar as negociações com os proprietários dos terrenos por onde deverá passar o mineroduto, embora 80% dos donos das terras já tivessem aceitado os termos oferecidos pela mineradora amigavelmente. `Estamos neste processo já há oito meses, e não tivemos problemas´, garante. Das 1.121 propriedades localizadas no caminho traçado, 752 estão em Minas e 369 no Rio de Janeiro’.
E acrescenta o gerente:
‘O valor da indenização varia de acordo com as plantações e criações nas áreas, bem como a extensão de tubos que passarão por cada propriedade. Os estudos e a negociação são feitos com base em normas definidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).’
Informa o repórter Augusto Franco que o mineroduto será enterrado 75 centímetros abaixo do solo. Depois de feito o duto, a terra acima deve ser totalmente recomposta, evitando impacto visual. Os donos da terra, a partir deste momento, não poderão cultivar nada em uma faixa de 30 metros em torno da linha traçada.
O repórter ouviu também a Semad e informou que o pedido de licenciamento de implantação (L.I.) foi protocolado em setembro de 2007. ‘Em dezembro, estudos complementares, realizados a pedido dos especialistas da Semad, foram entregues. Segundo estes documentos, serão retirados do Rio do Peixe 2.500 metros cúbicos de água por hora, equivalentes a 3,15% do volume total da vazão.’
Prefeitura autorizou mineroduto
Naqueles 25 municípios mineiros e sete fluminenses que serão invadidos compulsoriamente pelo mineroduto, estão algumas importantes paisagens culturais, daí a importância da decisão do Iphan, que chega em boa hora.
Pois as entidades que deveriam cuidar da preservação de nossas riquezas naturais se intimidaram diante do ímpeto de Eike Batista e do apoio de Aécio Neves. Numa audiência pública realizada numa comissão da Assembléia Legislativa de Minas, o diretor geral da MMX, Rodolfo Landim, prometeu que o empreendimento criaria 1.574 empregos diretos e 4.722 indiretos na fase de instalação, mas apenas 104 empregos diretos quando estiver em funcionamento.
Novo parêntesis: quando a Vale foi criada, na década de 1940, foi construída uma ferrovia entre a mina de Itabira e o porto de Vitória que gerou muito emprego e riqueza ao longo do caminho. Governador Valadares, entre outras cidades, se desenvolveu graças à ferrovia. O mineroduto apenas vai transportar riqueza e desperdiçar a água doce que serve ao escoamento do minério.
Uma das críticas feitas ao projeto foi que a obra começou sem licenciamento prévio. Segundo Rodolfo Landim, o empreendimento estava em processo de licenciamento junto ao Ibama. Mas não havia sido feito pedido de licenciamento de exploração das jazidas, que tem que ser feito pelos órgãos ambientais de Minas, informou aos deputados o subsecretário de Gestão Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Ilmar Bastos.
A prefeitura de Conceição do Mato Dentro havia autorizado a construção do mineroduto. Seu mais ilustre filho, o ex-ministro da Cultura José Aparecido de Oliveira, deve ter-se revirado na sepultura…
Uma pressa sintomática
Depondo no mesmo dia, a promotora do Meio Ambiente, Luciana Imaculada de Paula, disse que o Ministério Público apresentara denúncia civil e criminal contra a MMX por irregularidades nos trabalhos iniciais, o que gerou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a ser assinado com a empresa. ‘Regiões como os municípios do Espinhaço Norte, onde a biodiversidade é muito rica e uma das mais ameaçadas de extinção, precisam de um tratamento especial’, disse aos deputados.
A superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente, Maria Dalce Ricas, denunciou, na mesma audiência, que existem diversos empreendimentos no Estado que obtiveram a autorização da Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente) com interferências políticas e econômicas. Acrescentou que deveriam ser feitos estudos de forma independente e que ‘realmente identifiquem os impactos ambientais diretos e indiretos que o mineroduto possa causar a um dos mais importante biomas de Minas Gerais. O critério deve ser técnico, e não político’, disse.
O deputado Carlin Moura (PCdoB) acrescentou que a captação de água para o mineroduto será feita no Rio do Peixe, que já é degradado. Há ameaças também ao abastecimento de água para os moradores de Alvorada, Serro e Conceição do Mato Dentro.
O drama dessas regiões já é bem conhecido de outros municípios mineiros. A própria Serra do Curral, símbolo da capital, foi devastada a partir da década de 1970. Carlos Drummond de Andrade reagiu, com um poema, Triste Horizonte, como já havia feito ao protestar contra a devastação de sua cidade natal, Itabira. Naquele tempo, um jornalista que havia assessorado a multinacional que carreava nosso minério, Odin Andrade, explicou, depois de ser demitido, a pressa das mineradoras estrangeiras. Temiam que alguém gritasse: ‘Pega ladrão!’
Pedido de impeachment
Hoje está mais fácil ouvir o grito, apesar do silêncio da grande imprensa. A internet facilitou. Foi criada até uma comunidade no Orkut, S.O.S Serra da Moeda, e um site. A preocupação deles é com essa serra, que se vê na margem esquerda da BR-040, quem viaja do Rio para Belo Horizonte, quase chegando na capital. É um dos pontos turísticos de Minas, preferido pelos praticantes de vôo livre.
A mineradora Ferrous Resources do Brasil comprou ali uma grande área. Em abril de 2008, o Clube de Vôo Livre de Belo Horizonte divulgou um alerta, dizendo que as pesquisas já haviam começado no local da antiga mineração Vista Alegre, para definir o projeto de exploração até o final de 2009.
Um cidadão que se identificou como André Sanches, escreveu no dia 16 de abril, nesse site, pedindo apoio ao movimento contra o projeto da MMX. Segundo ele, há muitas questões que precisam de respostas. E transcreveu uma notícia publicada também no dia 14 de maio pelo Centro de Mídia Independente do Brasil, enviada pelo Fórum Desenvolvimento CMD, dizendo que foi protocolado na Procuradoria do Ministério Público mineiro (nº 978388) pedido de impedimento político do governador Aécio Neves.
O pedido, que não foi noticiado pela imprensa e nem terá qualquer conseqüência jurídica ou política, começa criticando o governador por haver assinado um decreto de desapropriação por ‘utilidade pública’ beneficiando uma empresa privada. Diz que já foi pedida a instauração de Ação Popular por improbidade administrativa contra Aécio Neves, por esse motivo, entre outros.
Danos à Estrada Real
Mais adiante, afirma que outra empresa do Grupo EBX, a Borba Gato, tem hoje a posse de ‘mais de 80 %, das terras de Conceição do Mato Dentro e região’. Descreve: ‘Ao longo da Estrada Real, logo após o Parque Nacional da Serra do Cipó, depois que passamos por Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas, Dom Joaquim, Serro, até Milho Verde, em suas placas, está inscrito: ‘Propriedade da Borba Gato – Agropastoril – empresa privada – acesso restrito’.
Entre seus questionamentos, estão:
Como pode um governador fazer um decreto beneficiando uma empresa privada sem que esta tivesse as devidas licenças de instalação e de operação? Como pode o Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG) emitir Autorização para Exploração Florestal (IPEF) sem anuência do Ibama e sem Averbação de Reserva e Licença de Desmatamento para construção de estradas? Sem uma proposta de recuperação vegetativa, de acordo com a Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428)? Como pode o Ibama dar Licença Prévia sem os EIA-RIMAs necessários – e sem a complementação deles, solicitada pela regional mineira do Ibama?
O mineroduto necessitará de tanta água como a exigida pela transposição do Rio São Francisco, e até hoje não se falou nada disso? Ainda não se tem a outorga da água, a ser liberado pelo IGAM, como pode? E a Compensação Ambiental? E o Manejo das Bacias Hidrográficas? Qual será o volume total e o destino deste enorme volume de água? Qual será o gasto com energia elétrica para tal empreendimento?
O documento questiona as audiências públicas realizadas nos municípios, nas quais se falou apenas da exploração de minério de ferro, sem mencionar ouro, diamante, platina e outros minerais encontrados com abundância na região.
Diz que não se discutiu o destino de cerca de 50 cavernas existentes nas áreas das minas projetadas, onde vivem espécies endêmicas, como a barata orelhuda. Tampouco, das Áreas de Preservação Permanente. Não se analisou o resultado das explosões para a extração do minério e os danos que o empreendimento causará à atividade turística na Estrada Real. Nem a desapropriação de terras de comunidades de indígenas e quilombolas.
‘Ambição de poder’
De acordo com a petição, durante o Ciclo de Debates sobre Licenciamento Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, realizado na Assembléia Legislativa de Minas Gerais nos dias 10 e 11 de março, os deputados foram questionados e demonstraram desconhecer totalmente o decreto do governador Aécio Neves desapropriando terras para servidão, em prol da MMX, sob o argumento de utilidade pública.
Afirma que, durante esse ciclo de debates, apenas uma pessoa, não identificada, mas que ‘empunhava uma bandeira com um Triângulo Verde, com os dizeres Libertas Quae Sera Terrae’, abordou a questão da MMX e pediu a suspensão do decreto e o impedimento político de ações do governador Aécio Neves. Essa pessoa criticou que, no artigo 15, o decreto de Aécio cita um decreto-lei de 1941, de desapropriação de terras, assinado pelo então ditador Getúlio Vargas.
Segundo Paulo Peixoto, da Agência Folha, em reportagem publicada em 11 de março passado, o governador Aécio Neves ‘é recordista na emissão de leis delegadas, na comparação com os seus antecessores desde 1985. Aécio editou 130 leis com as duas delegações dadas pela Assembléia Legislativa, que renunciou ao direito de participar das reformas administrativas feitas pelo Estado. Foram 63 leis delegadas editadas no início de 2003 e 67 em janeiro passado, começo do segundo mandato. Todas elas tratam de reformas administrativas na gestão tucana. As delegações dadas pelo Legislativo mineiro acabaram funcionando como carta-branca para o Executivo agir’.
Peixoto ouviu o advogado constitucionalista e consultor da Assembléia Nacional Constituinte de 1988, José Alfredo de Oliveira Baracho, que durante muito tempo prestou consultoria a Tancredo Neves, e disse que ‘o excesso de delegação está matando o Legislativo estadual’. Baracho acrescentou: ‘Aécio tem ambição de poder. Isso ninguém nega nele. Quer ser presidente da República. Então, quer mostrar obras. Mas o que a gente tem que olhar é a urgência, a motivação, as necessidades.’
‘Projeto de proteção do rio’
A justificativa do governo para pedir as delegações foi promover os ‘choques de gestão’, enxugando a estrutura estatal e reduzindo o déficit orçamentário.
Na noite de 5 de março, segundo o site da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente foi realizada audiência pública na Quadra Poliesportiva de Conceição do Mato Dentro, com a presença de cerca de mil pessoas para discutir licenciamento ambiental para extração de minério de ferro pela MMX.
Uma das presentes era a superintendente-executiva da entidade, Maria Dalce Ricas, que lamentou a falta de atenção aos impactos ambientais da mineração. ‘Um bom número de inscritos mostravam intenções políticas e priorizaram ataques à administração municipal. Aspectos ambientais propriamente ditos foram pouco levantados. Muitas intervenções apontaram problemas sociais, econômicos, de saúde e segurança, alguns muito interessantes, realmente, e que têm de ser bem avaliados e discutidos’, disse ela, cinco dias depois, no site da AMDA.
Segundo essa notícia, a Comissão Pastoral da Terra aproveitou a audiência pública para entregar à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável um documento, questionando a incoerência do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela MMX.
O secretário municipal de Meio Ambiente e Turismo de Conceição do Mato Dentro, Luiz Cláudio de Oliveira, defensor do projeto, alegou que a região já sofre com sérios problemas de degradação por queimadas, desmatamentos, invasão de áreas de preservação permanente, entre outros. Disse que a mineradora reconhece os impactos que deve causar e ‘se compromete a ser também produtora de água, através da implementação de um projeto de proteção da bacia do Rio Santo Antônio’.
Impactos ambientais
A ONG Sociedade dos Amigos do Tabuleiro cobrou melhorias na rodovia MG-10. O professor Ramon Rodrigues Ramalho, do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho Humano da UFMG, uma das vozes discordantes, defendeu que a avaliação dos impactos ambientais da MMX devem priorizar as preocupações sociais e ambientais e não a lucratividade do negócio, lembrando que os donos do empreendimento ‘estão fora do país’ e o lucro não vai ficar na cidade e nem no país.
Um procurador da prefeitura defendeu o projeto. Disse que foram assinados protocolos de intenção, pelos quais serão repassados R$ 4 milhões para melhorias na infra-estrutura do município, durante as obras. O que prevaleceu na audiência foram manifestações de apoio, tendo em vista a possibilidade de geração de empregos. Entre elas, a do presidente do Sindicato da Indústria Extrativa Mineral de Minas Gerais (Sindiextra), Fernando Coura.
Esse apoio está refletido, também, no noticiário da AMDA, entidade que não se destaca, no cenário mineiro, entre as que – se há alguma – criticam o governo Aécio Neves.
Em outra notícia, a AMDA afirma que, no dia 25 de fevereiro, o Fórum de ONGs Ambientalistas Mineiras se reuniu no plenário do Sistema Estadual de Meio Ambiente, em Belo Horizonte, para debater as atividades da MMX Minas-Rio Mineração Ltda, em Conceição do Mato Dentro.
Diz que o relatório da MMX apresentou 65 impactos possíveis de toda ordem, entre eles o desencadeamento de processos erosivos, alteração da qualidade da água e das propriedades do solo, perda do habitat da fauna por redução de ambientes, mortandade e extinção local de peixes, redução da diversidade por fuga de espécies e alteração da paisagem da Estrada Real.
Caio Márcio Rocha, gerente da Divisão de Apoio Técnico às Atividades de Mineração da Fundação Estadual do Meio Ambiente, disse que, do ponto de vista econômico, trata-se de um grande investimento para o Estado, e que desde setembro de 2007 uma equipe formada por 27 técnicos de órgãos públicos ligados à área ambiental estavam apurando os impactos ambientais do projeto.
O grito ‘Pega ladrão!’
O representante da MMX nessa reunião informou que a previsão de tributos anuais arrecadados está em torno de R$ 325 milhões, sendo R$ 25 milhões destinados aos municípios envolvidos. Para os 22.164 moradores da região, a mineradora promete gerar, só na fase de implantação, 4.300 empregos. A empresa prometeu amenizar impactos ambientais, elaborando, gradativamente, projetos como os de criação de viveiros para reprodução, recuperação e proteção da flora local, incluindo espécies medicinais.
A empresa encarou como inevitável o rebaixamento do lençol freático em sua área de influência e o reposicionamento de nascentes da Serra do Sapo, que deve ocorrer ao longo da vida útil da mineradora. Contudo, a MMX afirma que vai investir na gestão dos recursos hídricos, garantindo o reuso de 80% da água captada na bacia do rio do Peixe, que deve ser reaproveitada como mistura para o minério bombardeado pelo mineroduto. A captação média de água proposta para o rio é de 2.500 m3/h. O monitoramento da qualidade da água e controle dos processos erosivos também foi assegurado pela empresa durante o debate.
Presente no debate, o coordenador-geral do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer Lisboa, disse que as prefeituras beneficiadas com os tributos arrecadados deveriam priorizar investimentos na recuperação ambiental. Apolo enfatizou ainda a necessidade de criação de estações para tratamento de esgotos, a fim de evitar doenças como a esquistossomose.
O secretário de Meio Ambiente e Turismo de Conceição do Mato Dentro e diretor de Comunicação da ONG SAT, Luiz Cláudio Ferreira de Oliveira, disse que o município pretende ser pioneiro ao tratar o processo de mineração de forma diferenciada, priorizando benefícios economicamente sustentáveis para a população local, conclui o press-release da AMDA.
Para concluir, a crise mundial não deve durar muito tempo, e esses projetos de extração mineral, apesar do medo do grito ‘Pega ladrão!’, são de médio e longo prazo. E a intenção do atual presidente do Iphan pode não sair do papel. A boa notícia é que o governo Aécio Neves não demora a acabar. Nem quero pensar na hipótese de ele ser eleito presidente da República, em 2010!
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Jornalista, Belo Horizonte, MG