Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ‘futebolês’ que trava o jornalismo esportivo

É cada vez mais comum ver ex-jogadores de futebol ganhando espaço no elenco de comentaristas da mídia esportiva brasileira. Com o advento do pay-per-view no Campeonato Brasileiro, em 1995, e o aumento das transmissões esportivas locais, vive-se hoje o apogeu quantitativo deste ramo. Por outro lado, a qualidade perde cada vez mais, com ex-ídolos do esporte que com palavras e idéias demonstram intimidade bem menor do que tinham com a bola.

Em qualquer área de cobertura midiática especializada, tecer um comentário requer mais do que conhecimento empírico do assunto tratado. É necessário o constante exercício de atualização, capacidade de contextualização e irrestrito domínio de linguagem. No caso do jornalismo esportivo, é preciso ir além do bê-á-bá específico do assunto – ou o futebolês –, que pode funcionar dentro do vestiário, mas numa transmissão jornalística ofende o ouvido dos espectadores.

Bons exemplos de ex-jogadores comentaristas também existem. Paulo Roberto Falcão, do Grupo RBS e da Rede Globo, é um dos bons comentaristas atuais, que ajudam a transmitir informações e elucidar questões técnicas e táticas de forma didática durante a transmissão de um jogo de futebol. Apesar disso, em sua coluna diária no jornal Zero Hora, o ex-jogador do Internacional ainda incorre demasiadas vezes no lugar-comum, o que torna o texto um insosso resumo do noticiário futebolístico do dia anterior.

Opinião e bom português

Outros ex-atletas do passado também podem ser incluídos na categoria dos que praticam um jornalismo opinativo de qualidade, como o tricampeão mundial Tostão e o ex-flamenguista Junior, que sabem enxergar o futebol além das experiências pessoais. Mas na maioria das apostas feitas em ex-jogadores como comentaristas o resultado beira a tragédia.

É inegável que a voz do ex-atleta aumenta a credibilidade de uma transmissão, por se tratar justamente de alguém com vivências específicas, que faltam ao jornalista, quanto a campo de jogo e meandros do mercado futebolístico. Contudo, a autoridade do formador de opinião não se dá em casos pontuais como estes, mas sim na coerência do discurso, na contextualização da análise e na elucidação objetiva de questões, que o afastem do mero ‘palpiteiro’. Tais fatores consagraram o jornalismo opinativo que, de certa forma, propõe organizar o mundo e oferecer caminhos para as pessoas que se interessam por determinado tema.

O futebol, já dizia Nelson Rodrigues, ‘dentre as coisas menos importantes da vida, é a mais importante’. Não é exagero dizer que se trata do principal entretenimento do povo brasileiro, além de ser cada vez mais um produto que dialoga diretamente com áreas vitais da sociedade, como a economia, a política e a educação. Por essas razões, é indispensável tratá-lo jornalisticamente, com a mesma seriedade dispensada a outras editorias, que tendem a não dar espaço de opinião para palpiteiros mal-informados. Um caminho para o jornalismo esportivo ser levado a sério é a aposta em profissionais competentes para emitir opinião com qualidade e em bom português. Não havendo este tipo de profissional, quem perde é o público, que não pode cobrar qualidade de quem não está preparado para oferecê-la.

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Respectivamente, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos); graduando em Comunicação Social – Jornalismo na Unisinos