Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O diferencial da reportagem 

Amigo é para essas coisas. O governo brasileiro, segundo o Globo, ajudou o presidente equatoriano Rafael Correa a preparar um calote de centenas de milhões de dólares contra o Brasil. Os US$ 554 milhões devidos pelo Equador saíram do Banco do Brasil e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas o prejuízo, se ocorrer, ficará para o Tesouro, isto é, para os contribuintes. Em abril deste ano,  conta a reportagem assinada por José Casado, a Receita Federal cedeu uma funcionária para integrar a comissão de auditoria da dívida externa equatoriana. Vencido o prazo, foi autorizada a prorrogação do afastamento da auditora Maria Lúcia Fatorelli Carneiro, com salário pago por Brasília. 

A manchete ‘Vizinhos ameaçam Brasil com calote de US$ 5 bilhões’, publicada no dia 30, foi um fecho brilhante para o mês de novembro. Havia muito tempo a grande imprensa brasileira não editava uma história tão sensacional. Por enquanto, as auditorias anunciadas pelos governos da Venezuela e do Paraguai são apenas prenúncios de novas dificuldades. Mas a reportagem mostrou a ação equatoriana como início de um amplo movimento apoiado pelos presidentes venezuelano Hugo Chávez, o boliviano Evo Morales, e também por governantes da América Central. Pressões contra o Brasil acumulam-se em vários pontos da América Latina e a diplomacia brasileira contribuiu para isso.

A ameaça equatoriana de calote havia ficado em banho-maria durante a semana final de novembro. No dia 21, uma sexta-feira, o governo brasileiro chamou a Brasília o embaixador do país em Quito, para consultas. A decisão foi noticiada com destaque no dia seguinte. As autoridades brasileiras, segundo os jornais, haviam mudado o tom da conversa com o governo equatoriano. Nos dias seguintes, o tema quase sumiu dos meios de comunicação, porque a cobertura, na maior parte do tempo, era meramente reativa, limitada ao registro dos lances de cada governo.

A matéria do Globo mostrou, mais uma vez, o diferencial de informação proporcionado pela reportagem. A cobertura noticiosa ainda será por muito tempo, quase certamente, a maior parte do material oferecido pela imprensa. Mesmo na cobertura os jornais poderão apresentar enormes diferenças de qualidade. Mas o bom material noticioso é  muito menos do que os meios de comunicação podem oferecer. No fim das contas, pesará muito o esforço de produção de histórias próprias, com aprofundamento da informação sobre os assuntos de maior interesse.

Custo alto

Mas não só o calote equatoriano perdeu espaço na última semana de novembro. A compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil também ficou no fundo da cena, depois de haver sido tratado com muito destaque nos dias anteriores. Fatos novos, todos importantes, como o socorro ao Citigroup, o novo pacote americano de US$ 800 bilhões e os sinais de contração e de encarecimento do crédito no Brasil ocuparam os pontos mais altos da agenda.

O problema de caixa da Petrobras acabou virando um grande assunto, embora a cobertura pouco tenha acrescentado à explicação fornecida pela direção da empresa e pelo governo: a estatal precisou arranjar dinheiro para pagar royalties inflados pela valorização do dólar. As informações oficiais foram consideradas insuficientes e, de fato, a história parecia um pouco estranha. A variação cambial pode ter produzido alguma surpresa, mas uma empresa tão grande, e com negócios em tantos países, tem uma programação de caixa tão estreita?

O público certamente merecia uma explicação um pouco mais detalhada. Boa parte da cobertura ficou no entorno do caso, com a revelação do empréstimo do Banco do Brasil, antes do financiamento concedido pela Caixa Econômica Federal, e comentários sobre o aumento dos custos operacionais da empresa.  A elevação dos custos, lembraram os jornais, havia chamado a atenção dos analistas quando as contas do terceiro trimestre foram divulgadas. No sábado (29/11),  a coluna ‘Painel’, da Folha de S.Paulo, foi aberta com uma nota sobre a expansão do quadro de pessoal da Petrobras. Desde 2003, foram contratados 20  mil funcionários. Só neste ano, até outubro, 4.737.

Cardápio reforçado

Pipocaram, durante a semana, várias notícias sobre o impacto da crise internacional no Brasil.

A Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou em dias diferentes suas pesquisas sobre o índice de confiança dos consumidores e dos empresários, com resultados bem negativos, nos dois casos.

Sondagem semelhante realizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) entre empresários paulistas indicou, também, uma disposição mais pessimista.

Faltou, no entanto, consolidar essas e outras informações importantes para um balanço do quadro econômico e das perspectivas. Os jornais continuam fornecendo muito petisco e, nesse aspecto, pouco se diferenciam dos meios eletrônicos e das agências.

Se preparassem mais mexidões com o noticiário, juntando os vários ingredientes pelo menos umas duas ou três vezes por semana, poderiam oferecer um cardápio mais forte.

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Jornalista