Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um melancólico olhar para dentro

Num raro momento em que aceitaram partilhar suas reflexões sobre a imprensa e o Brasil, diretores de três dos principais diários do país pintaram um retrato pessimista sobre o presente e o que imaginam que será o futuro da imprensa. Otavio Frias Filho, da Folha de S.Paulo, Ricardo Gandour, do Estado de S.Paulo, e Josemar Gimenez, do Correio Braziliense, foram reunidos na quinta-feira (27/11), por iniciativa do jornalista e empresário Eduardo Ribeiro, da Mega Brasil, para falar sobre ‘Mitos e Verdades do Brasil de Hoje – a Visão da Mídia’. Mas pouco falaram sobre o tema proposto.


Otavio Frias Filho apresentou alguma reflexão sobre o Brasil contemporâneo. Observou que o noticiário traz regularmente uma visão negativa sobre o país, embora haja motivos para que nos orgulhemos de nossa história. ‘É oportuno ressaltar que nos últimos cem anos o Brasil conseguiu reduzir a pobreza, com a industrialização’, observou, lembrando que, apesar da persistência das desigualdades sociais, que ainda mantêm entre 1/4 e 1/3 de brasileiros vivendo em situação inadequada, o país tem avançado. ‘Em 1940, a expectativa de vida média no Brasil era de 43 anos e em 2006 passou a ser de 72 anos’, acrescentou, notando que a imprensa não costuma levar isso em conta.


Otavio também falou do que considera ‘período social-democrata’, sob os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se, segundo o diretor da Folha, de ‘uma acepção sui generis de social-democracia, liberal em termos de macroeconomia e favorecendo a transferência de renda do Estado para os excluídos’, no qual foram obtidos avanços econômicos e sociais. Mas, reconheceu, a imprensa prefere ressaltar os aspectos negativos.


Questões antigas


Josemar Gimenez, conselheiro dos Diários Associados e diretor de redação do Correio Braziliense e do Estado de Minas, ponderou que a imprensa fica mais à vontade em momentos de crise. ‘Crises são tão comuns que a gente até se perde quando não tem uma para administrar’, afirmou, destacando que a imprensa tradicional vive, em meio à atual situação econômica, uma crise particular do não-crescimento da base de assinantes – ‘os jornais começam a perder relevância no mercado’, observou. Ele fez uma autocrítica sobre a cumplicidade da imprensa nos casos de invasão de privacidade e espetacularização do noticiário sobre as ações da Polícia Federal durante a Operação Satiagraha, que teve como acusado o banqueiro Daniel Dantas.


Referindo-se à proximidade do Correio Braziliense com o centro do poder federal, Gimenez admitiu que o noticiário político está muito contaminado pelo jornalismo declaratório e comentou que os repórteres de Política são ‘verdadeiros pitbulls quando se trata de políticos’, enquanto os repórteres de Economia e Negócios são complacentes nas relações com empresários. Sua frase mais controversa, no entanto, se referiu ao negativismo da mídia: ‘A crise financeira foi antecipada no Brasil pela imprensa’, afirmou, alertando que os jornais precisam ter cuidado com o negativismo que afeta setores importantes como os anunciantes, a construção civil e a indústria automobilística. Não explicou – nem lhe foi perguntado – se com isso estaria defendendo o controle da pauta em função de interesses comerciais dos jornais.


Ricardo Gandour dividiu sua intervenção na análise de três premissas que, segundo ele, definem a visão que os jornais têm do Brasil contemporâneo: o Brasil tem uma democracia consolidada, ainda que jovem; o Brasil tem uma imprensa de boa qualidade; o Brasil está no primeiro time no quesito da aquisição de tecnologia, inclusive na comunicação. Na sua opinião, as três assertivas são verdadeiras e o país vem se firmando no cenário mundial com ‘uma economia sustentável, avanços sociais, moeda estável e um mercado interno promissor. Tem, portanto, grandes chances de tirar proveito da crise, incrementando suas ações no cenário mundial’.


Segundo Gandour, a imprensa brasileira ainda discute questões antigas, como valores do jornalismo, enquanto tem de enfrentar o desafio das novas tecnologias, mudanças de hábito dos leitores e entrada no mercado de novos e poderosos protagonistas.


Cemitério de elefantes


Otavio Frias Filho repetiu o que se diz há mais de uma década nos congressos de empresas de comunicação. A distância entre o que a imprensa oferece e o que os leitores querem ler é imensa, admitiu, recorrendo à teoria da evolução das espécies: ‘Falando em termos darwinianos, é uma necessidade imperativa que conheçamos, entendamos e atendamos nosso leitor, para que continuemos a sobreviver’. Pouco, muito pouco, para o empresário que já foi o mais jovem diretor de redação do país e que sacudiu a imprensa brasileira com o ousado Projeto Folha.


Os três representantes do grupo que se costuma qualificar como ‘a grande imprensa’ não deram demonstração de otimismo quanto ao futuro dos jornais. Também deixaram a impressão de que os jornais que saem de suas impressoras não são aqueles que eles gostariam de ver impressos. Muito do que expuseram como opiniões suas se opõe diametralmente ao que seus diários publicam. A imagem que deixaram na platéia de convidados foi a de uma melancolia profunda, como a dos velhos elefantes que se encaminham lentamente para o cemitério.

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Jornalista