Sob fogo cruzado da oposição, os deputados franceses examinam na terça-feira (9/12) a lei que instaura a ambiciosa e polêmica reforma do audiovisual. Em seguida, será a vez dos senadores.
Considerada uma ‘lei liberticida’, ‘um retorno ao passado da ORTF’ (Office de Radiodiffusion Télévision Française) ou ainda a ‘berlusconização da televisão francesa’ por deputados da oposição, a reforma foi anunciada pelo presidente Nicolas Sarkozy em janeiro de 2008 para entrar em vigor em 5 de janeiro de 2009. Ela prevê a supressão de publicidade nos programas dos canais públicos depois das 20 horas, no ano que vem, e a supressão total em 2011. Os motivos alegados pelo presidente são os mais nobres possíveis: ele quer ‘libertar os canais públicos da corrida pela audiência e favorecer a criatividade’.
Os jornalistas sabem que o controle total do audiovisual pelo poder público é perigoso para uma democracia; temem a perda de independência financeira e, conseqüentemente, editorial. Seria o fim do serviço público independente e vigilante. Uma emissora de televisão totalmente financiada pelo Estado, cujo diretor-geral é escolhido em última instância pelo presidente da República (mesmo que para isso seja ouvido o Conselho Superior do Audiovisual), não pode ser livre e exercer a crítica sem cerceamento.
Intervalo comercial
Na última semana de novembro, milhares de jornalistas e técnicos (cerca de 4 mil) da France Télévisions (a holding que congrega os canais públicos France2, France3, France4 e France5) fizeram greve de um dia e passeata, partindo da Torre Eiffel até a Assembléia Nacional, para pressionar os deputados a votarem contra a lei. Apresentadores de telejornais, editores e repórteres se juntaram aos técnicos e produtores para protestar contra o que consideram uma ameaça à sobrevivência do audiovisual francês público.
Mesmo se deputados da oposição pretendem criar obstáculos à reforma, a maioria de deputados e senadores de direita deve aprovar o projeto dos sonhos de Sarkozy. O importante agora é tentar minimizar as perdas numa corrida contra o relógio. Mais de 850 emendas foram propostas ao projeto inicial.
O chefe da comissão que estudou a proposta do presidente, Jean-François Coppé, acusa os opositores da proposta de preferirem a ruína da televisão pública à sua modernização. Como Sarkozy, ele tenta vender a reforma como necessária e indispensável para modernizar o país.
Os que se opõem à reforma, a maior parte dos jornalistas do serviço público e os jornais de esquerda (Libération, Le Monde e L´Humanité), apresentam a nova lei em votação como um primeiro passo na direção do enfraquecimento do audiovisual público, reforçando o privado, cujos barões são próximos de Sarkozy. Os 450 milhões de euros perdidos pelos canais públicos em publicidade depois das 20 horas, em 2009, serão praticamente transferidos aos canais privados – TF1 em particular, por ser o canal líder de audiência. Paralelamente, a lei autoriza o aumento do tempo no intervalo comercial entre dois programas (de 6 para 9 minutos) e prevê mesmo um intervalo comercial durante os filmes, até aqui proibidos. A partir da supressão total da publicidade, os canais públicos perderão por ano entre 800 milhões a 1 bilhão de euros.
Controle total
E quem financiará a perda desses recursos? Inicialmente, foi prevista uma taxa de 3% sobre a receita publicitária dos canais privados. Depois, a taxa a ser criada se transformou em um imposto que ficará entre 1,5% a 3% da receita publicitária que ultrapassar 11 milhões de euros. Existe ainda a previsão de uma taxa sobre os serviços fornecidos pelos operadores de comunicação eletrônicos.
Além desses impostos novos, já existe uma outra fonte de financiamento da TV pública francesa: todo domicílio francês que possui uma televisão paga a redevance, que é atualmente de 116 euros por ano. Em vez de aumentar esse imposto – a França tem um dos menores da Europa –, o governo optou por ir buscar outros recursos, taxando a publicidade do setor privado. Só para se ter uma base de comparação, a Islândia cobra 363,6 euros de redevance, a Dinamarca cobra 316,24 euros, a Alemanha cobra 204,36 euros e a Inglaterra, o equivalente a 195,36 euros. Quando menor a redevance, mais precário é o orçamento do audiovisual público, que tem que ir buscar recursos em outras fontes.
Enquanto os lobistas dos canais privados (TF1, M6 e Canal +) se movimentam para convencer os deputados das boas intenções da lei para ‘salvar o audiovisual público’, uma coisa é certa: Sarkozy prepara sua reeleição em 2012 com o controle total da televisão francesa, pública e privada.
******
Jornalista