A cena protagonizada por Jessica Yellin, nos estúdios da CNN, quando surgiu ao vivo, em 3D, na conversa com o apresentador Wolf Blitzer, continua provocando encantamento. A tecnologia fazendo o humano virar anjo que anuncia ‘Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade’. Não seria a repórter o anjo que traz a boa nova, em forma irreal, de outra dimensão, anunciando que é a hora dos homens terem boa vontade por aqui?
O texto busca o tecido das citações de Lee Manovich, The language of new media, livro inédito no Brasil que revela a magia da construção de novos conteúdos na telinha, o écran. Segundo o autor, a arte eletrônica é baseada no princípio da modificação do sinal existente. O artista vira técnico e já não é só romântico. E a sociedade pós-moderna promove o artificialismo onde tudo é montado, composto e estruturado, como o CPF que reúne algarismos para identificar o cidadão.
Para produzir efeitos mágicos com efeitos de naturalidade, usa-se o compositing digital, que é a reunião de elementos diferentes para produzir a simulação próxima do real. Na trilogia, o filme Parque dos Dinossauros, a reunião de gramas, árvores, atores e répteis é sopa mágica de ingredientes eletrônicos que dá resultado final saboroso do cenário virtual imaginado pelo diretor. O mundo de sonhos (ou pesadelos), onde os dinossauros se integram naturalmente à paisagem. Depois deles, vários filmes adotaram a técnica. A TV usa e abusa dos efeitos na produção.
Comunicação real-time
Os estúdios de cinema de Hollywood, ou as cidades cenográficas das novelas brasileiras, geram o espaço falsificado onde o artificial é escondido para criar significados emocionais entre elementos diferentes sem revelar emendas, criando uma única forma. Também os jogos do computador e os cenários dos telejornais apresentam o mundo da falsificação, assim como a montagem na publicidade, nos documentários e textos de computador. Manovich cita o DJ, que mostra a seleção de elementos pré-existentes e cria formulários artísticos novos, na habilidade de juntar os sons selecionados de maneiras ricas e sofisticadas.
No Projac, da Globo, ou o Recnov, da Record, as cidades cenográficas podem ser comparados com as Vilas de Potemkin que o autor descreve no livro: ‘De acordo com o mito histórico, no fim do décimo oitavo século, a czarina Catharina II, da Rússia, resolveu fazer um passeio pelo país para observar como os camponeses vivam. O primeiro-ministro e amante de Catharina, Grigori Potemkin, mandou construir vilas artificiais, de papelão, ao longo da caminho da rainha. Cada vila se constituía de fachadas de casas bonitas e atores que acenavam para a rainha. Sem deixar a carruagem Catharina retornou convencida de que todos os camponeses viviam na felicidade e prosperidade.’
A representação do conteúdo é a perspectiva do futuro. Desde que a expressão ‘tele’ codificou o presente ausente, as relações em comunicação se alteram. É a comunicação real-time do telégrafo, telefone, telex, televisão, telescópio e a telepresença que o autor classifica como teleação.
Podemos voar…
Telepresença é antipresença. Como no bate papo virtual, na webcam ou nesse artigo publicado na internet que você lê, não se sabe de onde (muito obrigado pelo prestígio!). E o Google Earth? ‘Com o Google Earth, você poderá voar para qualquer local da Terra para ver imagens de satélite, mapas, terrenos, edifícios em 3D e até explorar galáxias no céu. Poderá explorar conteúdo geográfico complexo, guardar os locais visitados e partilhá-los com outros usuários.’
Se o humano não tem que estar fisicamente presente para afetar a realidade, cria a ilusão contra a ação. E já fazia isso antes, lendo as linhas da vida categorizadas nas mãos, os mapas, o olho mágico, o buraco da fechadura, as plantas de imóveis, os modernos simuladores de vôos, o circuito interno de TV e câmeras de vigilância. Até interpretando os olhos da mulher amada.
Complexo? Não. Formidável! E Paul Virilio revela que, agora, com a câmera, cada ponto da Terra nos é acessível, pois o sistema ótico do homem limita a nossa visão além do horizonte, fazendo da Terra uma grande prisão. Podemos voar…
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Jornalista, professor universitário e mestrando em Comunicação e Tecnologia