Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A última maldição de agosto

Uma das mais curtas e frustrantes entrevistas de Jô Soares teve lugar na quarta-feira (31/8). O entrevistado era o psicanalista Contardo Calligari, articulista da Folha de S.Paulo. A coisa já vinha meio difícil desde o início porque Jô insistia em ouvir do profissional histórias de pacientes arrasados com a crise do PT – provavelmente a partir de matéria do Globo sobre os deprimidos da crise, que passam o dia vendo as CPIs (matéria que só trazia, por sinal, depoimentos de não-petistas; aos petistas deprimidos a matéria reservou curta frase no último parágrafo: ‘Tristes pela decepção’).

Contardo não corroborou a pauta, seu sotaque e a ansiedade de Jô não ajudavam a entrevista. Que degringolou de vez quando o entrevistado citou o espanhol Jorge Semprún. Escritor, ex-maquis da Resistência Francesa, sobrevivente de Buchenwald, ativista dos direitos humanos e da liberdade de expressão, Semprún foi expulso do Partido Comunista Espanhol em 1964 sob a ‘acusação’ de revisionismo, porque condenava os dogmas stalinistas e as práticas totalitárias soviéticas.

Desperdício

Mas Jô e o diretor do programa (que sopra informações ao ouvido do apresentador pelo ponto eletrônico) aparentemente não sabiam quem é Semprún (autor de A longa viagem, Autobiografia de Federico Sánchez, Um belo domingo; roteirista de Z e A confissão, de Costa-Gavras, de A guerra acabou e Staviski, de Alan Resnais). Deve ter sido a maldição de agosto. Jô, tão festejado ultimamente pelos programas de análise da crise, ficou com aquela cara de quem não sabe do que se está falando – quando sabe, interfere, e conta do que ou de quem se trata.

Perderam assim os telespectadores a oportunidade de ouro de um debate sobre o papel do intelectual nas crises ideológicas, debate (muito maltratado pela mídia) que se trava agora entre intelectuais de esquerda – os que falaram, como o sociólogo Francisco de Oliveira, e os que se calaram, como a filósofa Marilena Chauí; ou sobre as contradições entre militância política e liberdade de pensamento, que hoje torturam as hostes petistas; ou as decepções recorrentes com regimes e governos ditos de esquerda, que deprimem eleitores do campo democrático. Mais ainda por se tratar de Semprún, que em 2002 celebrou a eleição de Lula e em 2003 criticou-o por visitar Cuba e não defender os direitos humanos. Enfim, tudo a ver. Um verdadeiro desperdício.