Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Delírios jornalísticos na Rádio Bandeirantes

Como eu adiantara neste Observatório, no artigo ‘Absolvição do promotor condenado pela mídia‘, que apresentou a distorção, obrigo-me a retomar, com a devida análise, o caso do ‘pseudofuro’ jornalístico alardeado pela Rádio Bandeirantes em São Paulo.


Ao gravar o off de sua entrevista com o promotor Thales Ferri Schoedl, veiculada na segunda-feira (1/12/2008), o repórter Pedro Campos permitiu-se dizer o seguinte:




‘Durante os quatro anos que se passaram, Thales não concedeu entrevista. O promotor rompeu o silêncio neste fim de semana em uma entrevista exclusiva à Rádio Bandeirantes’.


Trata-se de uma desinformação gravíssima, e é sobre isso que vamos pensar agora. Ao fulcro do problema: a afirmação de que o promotor não havia sido entrevistado ‘durante os quatro anos que se passaram’ é falsa. A primeira entrevista de Schoedl fora publicada por este Observatório em 23 de outubro de 2007, com manchete no portal iG, que manteve o artigo na home por várias horas, ao longo de um dia e meio. O promotor também seria ouvido pela revista Época, em fevereiro de 2008.


O silêncio dos culpados


Alertada por este articulista, a assessoria da emissora respondeu que avisaria a redação. À essa altura, a rádio já havia colocado o seu bloco na rua. Milhares de internautas receberiam esta mensagem sobre o furo-frankenstein:




‘Thales Ferri Schoedl fala com exclusividade à Rádio Bandeirantes


Promotor fala à imprensa pela primeira vez desde 2004


São Paulo, 1 de dezembro de 2008 – O promotor Thales Ferri rompeu o silêncio e concedeu entrevista exclusiva à Rádio Bandeirantes no último fim de semana. É a primeira entrevista dele à imprensa desde os acontecimentos na praia de Bertioga, em 30 de dezembro de 2004, quando o promotor matou a tiros o jogador de basquete Diego Mendes Modanez e feriu o universitário Felipe Siqueira Cunha de Souza’.


No site da rádio também se podia ler (e ouvir):




‘Promotor Thales Ferri fala com exclusividade à RB


Pela primeira vez o promotor Thales Ferri Schoedl fala à imprensa sobre o episódio ocorrido há quatro anos na Riviera de São Lourenço, no litoral norte de SP’.


Apesar do novo artigo neste portal, de todos os avisos de que tudo não passava de uma rematada balela e, claro, de mau jornalismo, a redação e o departamento de divulgação da emissora persistiram na papagaiada. A farsa foi ‘bancada’, em uma prova inequívoca da indiferença de determinados profissionais pela verdade.


Vale a pena ser o primeiro?


Pioneirismo, liderança, primazia, é tolice negar a admiração do ser humano por aqueles que chegam na frente. No jornalismo, esse impulso psicológico é traduzido pela valorização de expressões como ‘entrevista exclusiva’, ‘exclusividade’ ou ‘furo de reportagem’. Noticiar o que nenhum outro conseguiu é, em tese, uma demonstração de investimento em reportagem, de persistência pela busca da informação, de talento, de competência. Logo se verificam os resultados práticos: aumento do interesse do público, ou seja, da audiência e do prestígio e, no plano comercial, das verbas publicitárias.


Tranqüilizo o leitor, não pretendo escrever um manual de auto-ajuda. Uma vez proferidas as obviedades do parágrafo anterior, cumpre dizer o principal. Há, no jornalismo, quem se deixe obcecar pelo ‘furo’, em detrimento de quaisquer considerações, como o zelo pela própria consciência, o respeito pelo público e o apreço pelos seus colegas de outros veículos. Troca-se tudo, inclusive a credibilidade, que se deveria pretender perene, por um momento vazio e, não afetemos admitir o contrário, indecoroso.


Erros são comuns a todos nós. Na cobertura do Caso Thales Schoedl, por desconhecimento, cheguei a escrever:




‘Cumpriria, para melhor informar, mergulhar no processo criminal 118.836.0/0-00, que hoje compreende cerca de 1.500 páginas e cujos trechos ora publico com triste e alarmante exclusividade’.


No mesmo dia da publicação, contudo, sem que ninguém me houvesse censurado, apressei-me a me corrigir, no espaço de comentários:




José Paulo Lanyi , São Paulo-SP – Jornalista
Enviado em 2/10/2007 às 5:47:06 PM
É preciso dizer que encontrei agora na internet dois espaços que publicaram alguns testemunhos desse caso: o blog ‘Ronda Paulistana‘, no Globo Online, e o ‘Blog do Promotor‘. Pode ser que haja outros. De qualquer forma, essa é a minoria da minoria. É muito pouco, quase risível, infelizmente, diante da desinformação reinante.


Lesa-verdade


Há, contudo, ‘crimes de lesa-verdade’. Em 28 de novembro, portanto três dias antes da veiculação da entrevista pela Rádio Bandeirantes, eu obtivera duas informações:


1. A emissora entrevistaria o promotor;


2. O repórter Pedro Campos tinha conhecimento da entrevista publicada por este Observatório.


Nesse mesmo dia, por e-mail, relatei o que soubera aos editores deste portal.


É mesmo gargalhante conceber o fato de que o repórter da emissora ignorava as entrevistas anteriores. Ele acompanhava o caso e desde muito batalhava por ouvir o promotor, que se recusava a concedê-la. Não foram poucos os que tentaram produzi-la, sem sucesso. O temor era o de sempre: a defesa sugeria a leitura dos autos, mas raros jornalistas se dedicavam a cumprir o seu dever.


Como este articulista foi, conforme os advogados, o primeiro a requerer a cópia do processo, tornou-se uma espécie de ‘referência’ (concordo, é muito pouco, em terra de cego…). Em outras palavras se dizia: se quiser cobrir o caso com responsabilidade, faça como o seu colega que entrevistou o acusado e, ao menos, leia o processo.


A salvação da lavoura


É de se perguntar, também, se um repórter alucinado por uma entrevista não teria, necessariamente, indagado às suas fontes, aos seus colegas da Bandeirantes (inclusive aos seus sapientíssimos chefes) ou de outros veículos, ao Google ou ao Oráculo de Delfos: ‘Afinal de contas, esse sujeito, que considero a salvação da minha lavoura, foi ou não entrevistado um dia?’ Alguém teria respondido. Se não os citados, o próprio promotor.


Diante do desfecho que testemunhamos, o conhecimento da entrevista publicada um ano antes altera o estatuto da distorção: da culpa para o dolo, do erro para a mentira.


Quantos trocariam um caráter por um furo jornalístico que milhares de pessoas já sabiam, de pronto, ser impossível, por fantasioso?


Minha resposta é: antes de a emissora ser avisada do vexame, ao menos um. Depois disso, como persistisse a impropriedade, se bem que lucrativa, sugiro recorrermos a uma calculadora.


Do detalhe à informação revolucionária, a regra, em muitas redações, tem sido a de mentir, omitir e distorcer.


O jornalismo brasileiro está na UTI. E eu sou o Dr. Pangloss.

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Jornalista