Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Funcionários querem compartilhar decisões editoriais

Pouco depois de completar um ano de vida, a direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) reuniu-se pela primeira vez com o conjunto dos trabalhadores no sábado (5/12) para discutir o presente e o futuro da empresa. No evento, os empregados pediram mais espaços de participação, um processo democrático de construção de parâmetros editoriais para a cobertura jornalística e para os programas das emissoras, e maiores investimentos nas estações de rádio e na Agência Brasil, mídias que receberam pouca atenção em 2008.


A ausência de uma linha editorial e os problemas causados por isso foram as questões mais lembradas pelos funcionários. ‘Trabalhávamos na Radiobrás em cima de um conceito de jornalismo público com foco no cidadão. Agora, não sabemos se tal orientação editorial permanece. O que deve guiar a informação que é produzida na EBC?’, perguntou um repórter da Agência Brasil. ‘O que fazemos não é jornalismo público, uma panacéia que não diz nada. Fazemos jornalismo de interesse público’, respondeu a diretora-presidente, Tereza Cruvinel.


Outros participantes questionaram então o que designaria o ‘jornalismo de interesse público’ e como este se materializaria em escolhas editoriais do cotidiano. Foram citados casos freqüentes de diferenças de enquadramento de temas entre dirigentes dos veículos informativos e seus repórteres.


‘A Agência Brasil passou a cobrir apenas economia e está deixando de dar atenção a temas sociais’, criticou o repórter Welton Máximo. ‘Se ficarmos só fazendo matérias sobre a sociedade civil, que são importantes, mas ignorarmos o noticiário, vamos ser um gueto. Mas não queremos ser gueto, temos que disputar a opinião pública. Tem que saber fazer isso sem deixar de registrar as posições da sociedade civil’, rebateu Tereza Cruvinel.


Parâmetros claros


As diferenças explícitas evidenciaram a dificuldade de equacionar várias visões sobre o que deve ser a produção de conteúdos, não apenas jornalísticos, numa empresa pública que, até agora, não tem parâmetros institucionalizados. ‘O desafio da empresa é produzir uma comunicação diferenciada. Para isso, é importante enfrentar o desafio de rapidamente abrir um debate amplo para definir e documentar os critérios que norteiam a produção de comunicação de cada um de seus veículos’, defende documento da Comissão de Funcionários da empresa lido por Flávio Silva durante o encontro.


Na avaliação do dirigente, a existência dessas orientações é importante não apenas para que chefia e trabalhadores possam atuar em cima de critérios definidos, mas também para que a sociedade tenha clara qual é a missão e a linha editorial de cada um dos veículos. Estas, acrescentou, asseguram que um trabalhador possa proteger a informação veiculada por uma mídia pública das vontades de chefes, e permitem à população ter parâmetros para avaliar a informação produzida pelas emissoras de TV e rádio e pela Agência Brasil.


Tereza Cruvinel respondeu afirmando ser este o papel do Conselho Curador. ‘É o conselho que define plano editorial. Ele está acima dos trabalhadores e da diretoria’, afirmou.


O órgão, que reúne 22 integrantes representando a sociedade, o Legislativo e o Executivo, também foi alvo de reivindicações dos trabalhadores. ‘É importante que o Conselho Curador e o Conselho de Administração sejam transparentes também. Afinal, são instâncias decisórias desta empresa. Todos devem poder saber o que discutem, o que cada um que está lá defende e as suas deliberações. Afinal, as informações de uma empresa pública são necessariamente públicas’, pede o documento dos trabalhadores.


Mais do que TV Brasil


Outro tema recorrente nas intervenções dos trabalhadores foi a prioridade absoluta dada à TV Brasil em detrimento de outras mídias, como rádio e internet, além de outras diretorias, como a de Serviços. ‘Quando alguém liga para a portaria da empresa, atendem falando `alô, TV Brasil, bom dia?´’, ilustrou um dos funcionários presentes, mostrando como há uma hipertrofia da visibilidade da considerada ‘nova TV pública’ em relação à EBC.


‘Tivemos foco na TV pública sim, foi ela que gerou a EBC. Como a gente enfrenta uma pancadaria lá fora, e depois diz que vai dar prioridade ao rádio?’, confirmou Tereza Cruvinel justificando o foco da ação da empresa. Segundo a diretora-presidente, nos seis meses de existência de fato da empresa, houve muito pouco tempo até mesmo para desenvolver o projeto da TV, mas ainda assim o rádio não foi abandonado. ‘Criamos a Superintendência de Rádio para que houvesse um órgão dentro da empresa que coordenasse as oito emissoras. O rádio está contemplado para renovação do parque tecnológico e está vivenciando uma ampliação da presença na Amazônia’, relembrou.


Cruvinel anunciou que está em processo de elaboração um plano estratégico para o rádio que deve contar com parcerias e promover uma nova segmentação do conjunto das emissoras para evitar duplicação de serviços. Para a Agência Brasil, estão sendo preparados investimentos em infra-estrutura e em novas funcionalidades para garantir um perfil mais convergente, incluindo conteúdos em áudio e vídeo.


Maior participação


Os trabalhadores voltaram a defender maior participação para que possam discutir e incidir nas mudanças em curso, bem como assegurar a sustentabilidade dos avanços conquistados. ‘A existência de uma empresa pública de comunicação é uma causa não só da atual administração, mas é uma causa dos trabalhadores da EBC e de boa parte da sociedade brasileira’, afirmou o representante da Comissão de Funcionários Flávio Silva. ‘Não sabemos o que vai acontecer da EBC daqui um dia ou daqui dois ou dez anos. Mas sabemos que ter os trabalhadores como defensores de uma empresa pública para a sociedade gera condições de evitar retrocessos e pode permitir muitos avanços. Cada um de nós, dentro mas também fora da empresa, deve ser visto como um aliado e defensor da empresa pública, mas para isso precisamos criar os espaços necessários para que nos vejamos como tal.’


A diretora-presidente, Tereza Cruvinel, endossou as palavras do jornalista. ‘Não acredito no voluntarismo e no protagonismo exclusivo dos dirigentes’, disse Cruvinel, reforçando que o projeto de um sistema público não depende só de vontade de governo e dinheiro para investir, mas principalmente da ‘assimilação da sociedade’ e do ‘compromisso dos que estão na empresa’. ‘As diretorias vão passar, mas a empresa ficará com uma missão, e ela só terá sucesso se o conjunto das pessoas que trabalham e que são seus funcionários de carreira se engajarem neste processo.’


Para garantir que aqueles que são responsáveis pelos conteúdos produzidos pelas diversas emissoras da EBC assumam este compromisso, os trabalhadores reivindicaram mais espaços de diálogo e participação. ‘Precisamos ampliar os espaços de interlocução. Este foi apenas o primeiro encontro do ano. Queremos estabelecer formas de diálogo e avaliação constante entre empregados, chefias imediatas e direção’, disse Flávio Silva.

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Do Observatório do Direito à Comunicação