Certa vez, durante um acalorado debate público, Ted Turner desafiou Rupert Murdoch para uma luta de boxe em Las Vegas. Murdoch não respondeu de forma direta, mas seu império midiático nunca perdeu uma chance de desferir socos contra Turner. Quando o New York Post acrescentou uma camisa de força a uma foto sob o título ‘Ted Turner enlouqueceu?’, este deu uma declaração dizendo que estava pensando em dar um tiro em Murdoch, uma vez que ‘agora que seu próprio jornal diz que eu sou louco, posso matá-lo e me sair bem, alegando insanidade mental!’.
Os senhores Turner e Murdoch, ambos com mais de 70 anos, construíram enormes e bem-sucedidos impérios, apostando nas tendências dominantes da mídia dos últimos cinqüenta anos – globalização e digitalização – com maior eficiência que seus pares. Como esclarecem estes dois novos livros, extremamente divertidos, por trás de suas personas que, às vezes, são antipáticas ao público – e que valeram a Turner o apelido de Mouth of the South (Boca do Sul) e a Murdoch o de Dirty Digger (Cavador Imundo) – ambos tiveram sucesso por agentes de mudança visionários e iconoclastas.
A autobiografia de Turner faz um bom trabalho ao ilustrar essas qualidades visionárias que lhe permitiram transformar uma empresa que fabricava cartazes, com sede no sul dos Estados Unidos, num império midiático global com marcas como a CNN e a Cartoon Network. Ele sempre teve olho vivo para uma chance, determinação para tomar grandes e arriscadas decisões rapidamente (quando adolescente, ele rabiscou um poema contra a indecisão) e um entusiasmo contagiante que inspirou muitos dos que trabalharam para ele.
‘Lembranças diferentes’
Turner é de uma sinceridade surpreendente. Ele discute sua personalidade, muitas vezes bizarra, e que às vezes pôs negócios por água abaixo. Certa ocasião, durante uma conversa com Jeff Bewkes (presidente da Time Warner, empresa que atualmente controla o império midiático de Turner), subitamente ele se enrolou no chão, em posição fetal, gritando ‘É tudo muito complicado.’
Ele conta que passou muitos anos fazendo psicoterapia, não conseguindo totalmente resolver uma infância que incluiu a lenta morte cerebral da irmã, o divórcio dos pais e um período terrível num internato. Seu pai era duro, alcoólatra e mulherengo (casado três vezes, Turner diz que, finalmente, conseguiu dar a volta por cima nos ensinamentos de seu pai de que ‘homens de verdade sabem gozar a vida’). No entanto, o pai também foi uma inspiração na juventude de Ted, mesmo após seu suicídio. Um pouco antes de sua morte, havia escrito: ‘Filho, quando definir seus objetivos, assegure-se que os definirá tão altos que não será possível atingi-los em vida… Eu cometi o erro de definir meus objetivos muito baixos e agora estou tendo dificuldades em definir outros novos’.
Na escrita de Turner, existe uma notável ausência de decepção ou de prevenção. E uma série de ‘histórias de Ted’, ele dá o direito de resposta a algumas das mais importantes pessoas em sua vida, inclusive sua mais recente ex, Jane Fonda. Muita gente discorda da versão de Turner (‘as lembranças de Ted são diferentes das minhas’), principalmente quando ele explica que a pior decisão que tomou em termos de negócios – o apoio à desastrosa fusão da Time Warner com a AOL, que, em última instância, pôs fim à sua carreira na mídia – teria tido o apoio de seus colegas magnatas.
Um simples gesto ambiental
O mantra de Turner, aparentemente vai em frente. Contrastando com ele, Murdoch aparece como um homem possuído, guiado por um desejo relativamente irracional, mas de toda sua vida, de ser reconhecido como, no título de Michael Wolff, O homem que é dono da notícia. Consta que Murdoch ficou contente com seu retrato pintado por Wolff, que utiliza sua bem-sucedida campanha na compra da Dow Jones, proprietária do Wall Street Journal, para contar a história de sua vida.
E, no entanto, a escolha do perspicaz Wolff para biógrafo – que gozou de extenso acesso a Murdoch, à sua família e aos executivos da empresa – ainda parece estranha. A News Corporation, de Murdoch, aparece como uma espécie de misterioso e cômico Camelot, no qual, após o segundo divórcio de seu líder, ‘vários de seus executivos mais próximos (devido à lealdade) rapidamente o seguiram e deixaram suas mulheres’. As escolhas dos executivos de Murdoch, por sua vez, são feitas em bases curiosas, como, por exemplo, a relação afetiva que ele teria desenvolvido por Robert Thomson, que é atualmente o editor do Wall Street Journal. Quando Wendi Deng, a mulher nº 3, aparece pela primeira vez no livro, ela se expressa numa pantomima de sotaque chinês: ‘Toda família dele assim. Tão simples.’
Isso tudo é bem divertido. Mas são poucas as novas tentativas de explicar como Murdoch conseguiu criar continuamente negócios bem-sucedidos numa enorme esfera de ação que vai de um lucrativo tablóide britânico, The Sun, à rede Fox News, que tanto mal-estar criou à CNN pós-Turner, e dos satélites emissores, BSkyB e Sky Italia, à compra do site de relacionamento social MySpace, o qual, apesar de um crescente exército de caluniadores, continua se expandindo. Alguém deveria escrever essa história.
Assim como continua cobiçando o New York Times, Murdoch vem se tornando cada vez mais liberal, segundo Wolff. Isso contribuiu para sua reconciliação com Turner, que o convidou para almoçar depois que ele decidiu reduzir as emissões de carbono da News Corporation. ‘Quem poderia imaginar que, depois de todos esses anos, um simples gesto ambiental nos proporcionaria a desculpa para nos juntarmos e enterrarmos a machadinha? Mas foi exatamente isso que fizemos.’ Entretanto, como Murdoch diz a Wolff, embora ele e Ted tenham muito em comum, só ele detém um império midiático.