Mentiras ditas muitas vezes acabam se tornando verdade. A máxima atribuída ao ministro da Propaganda do Nazismo Joseph Goebbels não é totalmente verdadeira no Brasil atual, onde a mentira dita apenas uma vez – desde que em rede nacional e em horário nobre – é transformada automaticamente em verdade.
Há mentiras que são criadas propositadamente, com má intenção. Outras são criadas por uma compreensão incorreta do fato. Outras ainda apenas porque é mais forte do ponto de vista de vender jornal.
Nas últimas semanas, promotores de Ribeirão Preto, em especial o promotor Sebastião Sérgio da Silveira, têm sido duramente atacados por terem revelado os detalhes do depoimento do advogado Rogério Buratti, ex-secretário de Governo da cidade, no qual o ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho, foi citado como tendo sido o beneficiário de uma propina mensal de R$ 50 mil enquanto ocupava pela segunda vez o cargo de prefeito, nos anos de 2001 e 2002.
Tenho visto (ouvido e lido) pessoas do Brasil inteiro – jornalistas, advogados, escritores, filósofos, autoridades de alto, médio e baixo escalão – criticando a postura do Ministério Público, com base numa ‘verdade’ que originalmente era mentira.
Não estavam lá
Não é verdade que o depoimento foi narrado por um promotor que a cada cinco minutos saía da sala onde ocorria a oitiva para contar o que havia sido dito. Não é verdade que o depoimento era interrompido para que o promotor pudesse revelar ao Brasil e ao mundo os fatos que atingiam diretamente o ministro da Fazenda. Enfim, não é verdade o princípio da coisa que originou a avalanche de críticas, o que torna essas críticas também equivocadas.
Não tenho procuração para defender o Ministério Público. Também não estou defendendo irrestritamente a atitude dos promotores. O que quero dizer é que está havendo um exagero nos ataques a partir de uma informação equivocada.
As pessoas que criticam, em sua maioria, não acompanharam os fatos, não estavam em Ribeirão Preto, na porta da Delegacia Seccional de Polícia Civil naquele dia 19 de agosto para saber exatamente o que ocorria. Sabem apenas, porque foi relatado por veículos de comunicação de circulação nacional, que um determinado promotor saía a toda hora da sala do depoimento para contar à imprensa o que se passava lá dentro, como se fosse um fofoqueiro profissional desses que não podem saber qualquer coisa sobre a vida de um artista que correm a telefonar para uma rádio qualquer para contar a novidade.
Porta-voz do grupo
Vamos, então, aos fatos. O promotor Sebastião Sérgio da Silveira, sim, saiu três vezes da sala para passar informações. A primeira vez ocorreu ao fim do primeiro depoimento. A segunda vez foi ao fim do segundo depoimento. A terceira vez foi ao fim do terceiro depoimento. A coincidência dos numerais ordinais não é apenas coincidência. Eram três inquéritos que apuravam fatos distintos e Buratti prestou depoimento em cada um desses inquéritos. Entre um e outro depoimento houve um intervalo até para que o depoente pudesse assinar a papelada e para que todos os envolvidos pudessem tomar um café, uma água, fazer um lanche etc.
Nesses intervalos, o promotor passava, sim, informações à imprensa. É justo, porque os repórteres não deixavam em paz os policiais e promotores. E qual é o problema? Ele estava proibido? O inquérito corria em segredo de Justiça? Ele agiu à revelia do seu chefe, o procurador-geral de Justiça, e de seus colegas que atuam nas mesmas investigações?
A resposta a todas essas perguntas é a mesma: não. Antes de revelar à imprensa o que havia sido contado no depoimento os promotores de Ribeirão Preto consultaram o procurador-geral de Justiça, que deu a orientação para que tudo fosse passado à imprensa. Silveira foi escolhido como o ‘porta-voz’ do grupo de sete promotores porque é ele quem acompanha o caso há mais tempo e tem mais detalhes sobre as investigações.
Desse jeito, não é honesto
Uma das críticas que se faz é que ele deveria ter esperado a conclusão do depoimento antes de passar as informações. Crítica justa. Só faltou apuração. As informações só foram passadas mesmo ao fim de cada depoimento. Só que eram três, sobre três fatos completamente diferentes. Por isso, três declarações à imprensa em três momentos distintos.
Atingiu o ministro da Fazenda? Sim, atingiu. Criou um rebuliço no mercado financeiro? Sim, criou. E daí? Só por isso era proibido falar à imprensa?
O Ministério Público pode ser criticado por transformar Rogério Buratti, preso, numa espécie de troféu, pode ser criticado por ter liberado Buratti após o depoimento sem a certeza de que ele continuará colaborando com as investigações, enfim, pode ser criticado por várias coisas. Pode até ser criticado por investigar autoridades, coisa que na época da ditadura gerava desaparecimento. Todos têm o direito de criticar, e funcionários públicos têm de saber que estão sujeitos a críticas. Mas não é honesto criticar sem saber do que se está falando. E é isso que está acontecendo.
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Jornalista