Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem manda na mídia brasileira

A RBS é o maior grupo de comunicação social com o controle direto de empresas. Isso acontece por meio de contratos de gaveta não fiscalizados. São dados relevantes como este que revela o projeto ‘Os Donos da Mídia’: uma pesquisa de abrangência inédita, com o levantamento de 7.275 veículos de radiodifusão e a análise do oligopólio na mídia brasileira. James Görgen é o coordenador do projeto, que lança um site no mês que vem, para ‘tornar públicos os dados que o Estado omite’. Na entrevista a seguir, ele relata os motivos da centralização da mídia no Brasil.


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Quando começou o projeto ‘Os donos da mídia’?


James Görgen – Esse mapeamento da estrutura da comunicação no Brasil começou em 1978, não com a gente. O primeiro embrião do que era a Intercom fez uma pesquisa em 1978, realizando o primeiro levantamento. Depois disso a gente começa a mapear em 1988 as concessões que o Sarney distribuiu para garantir um ano a mais de mandato durante a Constituinte. Esse foi o primeiro trabalho que eu e o Daniel Herz fizemos a partir dali. Em 1988, a gente faz isso, tem uma denúncia no Brasil todo, o Sarney tem que vir a público responder, ele e o Antônio Carlos Magalhães, que era o ministro das Comunicações na época. Depois disso em 1994, a Célia, esposa do Daniel, faz um TCC em que a gente ajuda a montar esse esquema, com a mesma idéia, a de grupos regionais afiliados aos grandes grupos nacionais.


Isso é o ‘donos da mídia’, é mostrar a vinculação e como a mídia funciona de uma ponta até a outra. Em 2001, a gente começa uma terceira fase e publica na CartaCapital o novo mapeamento. Ali se revelou que as cinco principais redes controlavam, direta ou indiretamente, 90% das emissoras de TV do Brasil. E ao mesmo tempo elas juntavam rádios e jornais, 667 veículos.


É a propriedade cruzada, né?


J.G. – Sim, na maioria das vezes isso, ou por afiliação, não controle direto, mas indireto. Como, por exemplo, a RBS, daqui, que é afiliada à Globo. É esse tipo de vínculo.


E agora em 2008 é uma fase nova, que a gente vai colocar um site no ar. Tem todo esse mapeamento, são 19 mil veículos e mais ou menos uns 2 mil deles têm esse vínculo, mas muitos outros não têm. E ao mesmo tempo, metade disso é retransmissora de TV, que não conta como veículo porque não insere programação, só retransmite. Mas, mesmo assim, a gente conseguiu mostrar agora que aumentou o número de veículos ligados a essas principais redes, de 667 foi para 869. E aumentou também o número de redes.


Convênio com universidades


Então a concentração aumentou?


J.G. – É, a gente pode dizer assim, porque houve um maior vínculo, mas ao mesmo tempo cresceu o número de redes. Por exemplo, as redes religiosas começaram a existir em grande volume depois de 2001. A gente tem 33 redes de TV no país e 21 redes de rádio, com abrangência nacional, isso dá 54 redes. E uma pequena parte delas tem essa relação com afiliação, com o resto, a própria rede controla tudo, raramente tem um associado regional. Ou entra por satélite, ou entra por retransmissora, por exemplo, a Rede Vida, que opera a estrutura no Brasil todo, raramente tem um associado regional. A gente conta tudo isso, mas o interesse é o que a gente chama de sistema central de mídia, dessas redes principais. O sistema central de mídia são os conglomerados que controlam, direta ou indiretamente, pelo menos três suportes, ao mesmo tempo – rádio, TV e jornal –, estão em mais de dois estados, no mínimo, e está vinculado a uma rede nacional. Esse conjunto de empresas formaria esse sistema central por onde flui a coluna vertebral do processo informativo brasileiro.


Quem faz parte da equipe?


J.G. – Agora, a gente está trazendo para a UFSC, inclusive hoje eu vou treinar um grupo que o professor Carlos Locatelli [do departamento de Jornalismo] organizou, para ajudar. Porque a gente tinha um apoio, na UFRGS, e agora esse apoio encerrou e a gente quer institucionalizar com algumas universidades – e a UFSC seria uma delas. Também a UFRJ e a UnB, e talvez a UFRGS mesmo. Seria um pool, para não ficar na mão de uma só. O convênio entre as universidades é para manter o projeto atualizado para o Brasil todo, não só para a academia, mas também para empresas, terceiro setor.


Tendência ao monopólio


E vocês tiveram muita dificuldade nos levantamentos?


J.G. – Isso é um problema sério, apesar de ter melhorado um monte desde quando a gente começou. Melhorou um monte com a internet, também, mas mesmo assim as informações são muito díspares, muito discrepantes. Uma informação do governo, no site da Anatel, é uma coisa; depois, na hora de conferir, no site da emissora já diz outra coisa. É um trabalho de jornalismo investigativo, de pesquisa mesmo, porque tu tens que confirmar em várias fontes.


Os contratos sociais das empresas são muito inacessíveis, a repartição das ações, das cotas?


J.G. – A participação societária já é mais acessível e as outorgas, tu sabes quem é quem, qual emissora controla o quê, em qual lugar. Mas o contrato que as redes fazem com as afiliadas não, é um contrato de gaveta; e não é público, é entre duas partes, comercial, então nenhuma delas revela. E aí é que está o pulo-do-gato, que a gente não consegue obter, porque é nesse tipo de contrato que a rede obriga a transmitir 85% de sua programação, e isso é a média no Brasil todo; então se produz localmente muito pouco. E esse tipo de coisa está ainda a sete chaves.


É esse contrato de gaveta que pode permitir o monopólio?


J.G. – Sim, porque são condições boas para os dois lados. A rede ganha porque consegue capilaridade nos estados, em todos os lugares do país, consegue chegar a 98% do território. O grupo regional ganha porque ele vai ganhar uma parte da receita publicitária que a rede arrecada e ganha, também, o prestígio daquela rede localmente. Então a RBS, aqui, não é só a RBS ela é o que a Globo significa nacionalmente, ela é uma parte disso. Esse tipo de relação, de poder econômico, de poder político, que preserva um pouco dessa concentração. A gente não chama de monopólio, a gente chama de oligopólio ou de situação monopolística, que é a tendência ao monopólio.


Briga de cachorro grande


As leis atuais que regulam a radiodifusão permitem essa situação monopolística ou o que falta é fiscalização?


J.G. – O Código Brasileiro de Telecomunicações, que é de 1962, e o Decreto-lei que fala dos limites da propriedade, que é de 1967, são meio dúbios. Eles dizem que uma entidade não poderá deter mais de cinco emissoras em todo território nacional. Só que entidade pode ser uma empresa, uma pessoa física e tudo mais. Então o que se fez por muito tempo no Brasil? Até 2002, empresa não podia controlar emissora, só pessoa física. Era assim: uma mesma família, como os Sirotsky, botava no nome de uma pessoa uma emissora; então, hoje, a RBS tem 18 emissoras nos dois estados, quando poderia ter cinco só, porque é um grupo só. Mas como eles consideram entidade pessoa física, então eles não estariam extrapolando a lei. É uma interpretação ambígua, dado que a lei é ambígua, e isso lhes permite quebrar esses limites, meio que legalmente, não há nada que os impeça de fazer isso. Não é moral, mas é legal, e é uma coisa que tem que ser quebrada logo.


Existem projetos de lei para um novo código?


J.G. – Sim, mas nessa área de propriedade não se toca muito, regular o poder de mercado dessas empresas é um tabu ainda, mesmo nos órgãos de defesa da concorrência, como o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], as CAs [?]. Os órgãos do governo que deveriam controlar a concorrência dos setores econômicos controlam todas as áreas, mas quando entra em comunicação social a coisa é mais complicada, esbarra em várias questões desse poder econômico e político.


No caso da compra do jornal A Notícia pelo Grupo RBS, o procurador da República em Tubarão, Celso Tres, desde 2006 está dizendo que vai entrar com uma ação, mas que não há nenhum precedente judicial nesse sentido.


A gente até forneceu dados para ele, mas quando ele começou a estruturar a ação, teve grandes dificuldades. A própria RBS o denunciou em uma relação, não sei direito, mas houve uma situação no noticiário, então ele recuou um pouco. Mas ele estava bem empenhado. Realmente, é uma briga de cachorro grande, tu vais entrar em uma área na qual tu tens que ter consciência de que vais ficar meio alijado de qualquer processo depois. Se tu dependes disso para viver, como os políticos dependem, de mídia, de visibilidade, é muito difícil algum que banque essa briga.


Lobby das telecomunicações tem 10 anos


E não existe realmente nenhum caso em que o Ministério Público enfrentou isso?


J.G. – Não na área de comunicação social. Tem, por exemplo, com TV por assinatura. Tem toda uma discussão sobre a fusão da SKY com a DirecTV. São empresas de outra área, porque TV paga é telecomunicações, e não comunicação social, para a legislação não é radiodifusão. Isso muda bastante o foco. Por um lado é bom porque é muito mais regulado, telecomunicações tem a lei de 1997, mais atual, a Anatel controla isso. Só que a Anatel não incide sobre a radiodifusão, ela só fiscaliza, não regula. Tem muita situação surreal, não dá de acreditar que desde a década de 1960 persiste um código que não é atualizado, e isso porque ele garante alguns privilégios. É bem perverso esse mercado.


Tem volta?


J.G. – Acho que sempre tem. Houve alguns avanços. E tem volta, sim. Mas vai depender um pouco de um Estado, de um governante que tenha coragem de bancar um pouco essa briga. Agora com a questão da convergência, as próprias empresas estão pedindo uma regulamentação porque as operadoras de telefonia estão se tornando uma ameaça. Essa é a grande briga do momento. As próprias empresas se socorrem no governo para pedir legislação forte, claro que sobre o adversário, não sobre elas. Só que vai ter que acontecer uma reacomodação das cadeiras porque as telecomunicações estão entrando na comunicação social, e a comunicação social também quer prestar serviço de telecomunicações. Então tu misturas internet banda larga, TV por assinatura, rádio, jornal; o conteúdo audiovisual está percorrendo todas essas mídias, então não tem mais como legislar de forma separada. Agora as coisas vão ter que ser unidas em um novo código. Há apoio para isso, a questão é o teor desse novo código, até que ponto ele mexe com privilégios, quem ele vai incomodar. Seu conteúdo vai ser muito influenciado por essa relação de poder, quem tiver mais poder dentro do Congresso. E, no casso das emissoras, a Abert [Associação Brasileira de Rádio e Televisão] faz isso diariamente desde a década de 1960, dentro do Congresso. Fundaram a Abert justamente na época em que o Código Brasileiro de Telecomunicações estava sendo votado lá, em 1962. Diuturnamente eles estão lá dentro, conhecem os parlamentares todos, a vida pregressa. É muito difícil porque as telecomunicações entram nesse esquema de lobby muito mais tarde, agora, há dez anos. Então é muito difícil romper essa relação que a mídia, as empresas e as entidades têm com os parlamentares, que estão lá há três, quatro mandatos.


Querem barrar a multiprogramação


E isso o ‘donos da mídia’ também publicou?


J.G. – Não, só dos políticos que são sócios, essa relação do lobby não. São 271 políticos que são proprietários, a gente só não tem os vereadores. Tem prefeito, governador, deputado estadual. Ex-políticos, a gente não consegue mapear. Porque a gente pegou a base do TSE e bateu com a nossa base de sócios. Eles se valem de outra brecha legal, de que eles não estão dirigindo as empresas; que são sócios, mas estão afastados porque têm mandato. Ninguém mexe com isso porque são os caras que estão fazendo as leis, eles próprios que estão sendo beneficiados. E até porque tem gente como o Sarney, que já deu entrevista para a CartaCapital dizendo que a mídia é o principal instrumento de um político e que, por isso, a sua família controlava vários meios no Maranhão. Ele disse isso abertamente, não tem vergonha nenhuma, acha que isso é legítimo e que não tem nenhuma vantagem com isso.


Nesse esquema de radiodifusão e de telecomunicações, a TV digital se insere onde?


J.G. – Se insere nessa disputa pela convergência. A TV digital da radiodifusão não é a mesma TV digital das telecomunicações, cada uma quer uma coisa. Tanto que houve uma briga muito grande até 2006, para ver qual o padrão de modulação ia ser aprovado pelo governo. As operadoras de telecomunicações queriam um padrão europeu, que permitia que elas entrassem com a plataforma delas, porque tem mobilidade, tem várias coisas que elas queriam. Ao mesmo tempo, as emissoras defenderam o padrão japonês, que manteria o status quo, a concentração da área; e é o que foi aprovado. A TV digital era um fiel da balança para tentar mudar um pouco essa situação, mas a decisão do Lula foi na linha de preservar quem estava ganhando o jogo, quem controla os meios de comunicação social, e não as operadoras. Só que as operadoras, agora, estão entrando por um outro lado. Por exemplo, nesta semana a Oi foi autorizada pela Anatel a prestar serviços por satélite de TV paga, tipo a Sky, e a Telefonica já presta esses serviços. Então eles estão oferecendo televisão, no Brasil todo, a um custo baixo, e vão começar a competir com a comunicação social diretamente. Ontem mesmo tinha uma matéria no UOL mostrando que o Ibope das novelas da Globo nunca foi tão baixo. Isso já é um reflexo desse processo que a TV digital permite ampliar. Também na questão dos canais públicos, que podem vir a ter, com multiprogramação, quatro canais onde funcionaria apenas um. Isso representa concorrência para essas emissoras, querem barrar a multiprogramação por causa disso; é por isso que elas preferiram o padrão japonês, que funciona melhor com a alta definição, não possibilitando fragmentar os canais.


Tudo que afete as emissoras está preservado


Como é essa tecnologia da TV digital?


J.G. – Hoje em dia, tu tens um canal de 6 MHz onde trafega uma programação. A TV digital comprime os sinais de áudio e vídeo, permite mais programações ali dentro. De alta definição é possível ter dois canais; e uma resolução boa até quatro canais. Então isso representa um perigo para essas redes, que não querem que mexam no mercado delas. Por isso elas estão barrando, junto ao governo, a multiprogramação e as novas outorgas para TVs educativas.


Acaba não democratizando, então?


J.G. – A opção do governo foi essa, de não ter nenhum avanço nesse sentido. Pode ter avanço na linha de multiprogramação com os canais públicos, o decreto [federal 5.820/2006, que instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre] prevê quatro canais da União; mas o problema também pode ser este, que os canais são da União. Tem um canal que é da cidadania, então três canais são deles, e em um eles querem jogar todo mundo dentro. Todo mundo tem que disputar o canal da cidadania – prefeitura, entidades da sociedade civil. Em vez de eles compartilharem o canal do executivo, por que o governo estadual e o municipal não compartilham com o governo federal esse canal, já que cabem quatro ali? Na verdade, é uma idéia de ser dono de um canal, como a rede privada tem. Tinha que quebrar essa idéia, seja na cabeça do governante, seja na cabeça do empresário. Ninguém é dono, porque é uma concessão pública, é um bem público. Então essa é a grande discussão em torno da TV digital. Tudo que afete as emissoras está muito bem preservado, via Hélio Costa.


TVs educativas e governos estaduais


Qual a diferença entre TV pública e TV comunitária?


J.G. – A TV comunitária nem existe, o que temos são canais comunitários dentro do cabo porque a Lei da TV a cabo previu cinco canais. O canal do Senado, da Câmara, o canal de cultura, que nunca foi usado, o canal comunitário e o canal universitário. Então não existem canais comunitários em sinal aberto, só no cabo. E isso inviabiliza muito porque as entidades que deveriam financiar, porque é cabo, acabaram não acreditando na idéia. Mas tinha um potencial interessante, seria uma incubadora, para adquirir know-how para ter um canal aberto. Só 10% da população têm TV a cabo. Por isso, os sindicatos, os movimentos sociais, o terceiro setor nunca acreditaram, por pensarem que seria um gueto. Acontece que é um gueto que tem alguma visibilidade. Não apostaram antes e não têm estrutura para ter os canais abertos, que agora a legislação permite.


As TVs podem ser públicas, estatais ou privadas, mas o conceito de público não existe, materializado. A EBC [Empresa Brasil de Comunicação], que é do governo federal, diz que é pública, tendo no máximo um conselho – que não toma conta do dia-a-dia da emissora, quem gerencia é o governo federal. Então isso é público ou é estatal? As TVs educativas, a maioria delas está na mão do governo dos estados, aqui é até um caso diferente, é a UFSC que administra, é uma exceção. Mas a maioria está na mão dos estados, que opera quase como uma assessoria de comunicação. Na radiodifusão comunitária, não existe, então, de fato, comunicação pública.


Governo repetiu fórmula dos outros


A TV pública seria aquela que atendesse ao interesse público?


J.G. – Na verdade, esse conceito é meio subjetivo. O que existe lá fora, em vários países, é uma TV financiada publicamente, mas gerida profissionalmente por entidades públicas, da sociedade como um todo. Pode ter gente do Estado, das empresas, do terceiro setor – é tripartite. A PBS [Public Broadcasting Service] americana é o melhor exemplo disso, é a rede pública mais horizontal do mundo, no sentido de dividir tarefa, de compartilhar poderes. A BBC [British Broadcasting Company] é super vertical, apesar de o grande exemplo, é um modelo de rede vertical, porque o Estado controla, a rainha indica o diretor. A PBS, não: ela opera em um sentido de localismo, as emissoras públicas locais fazem a programação nacional. E nem isso a EBC no Brasil foi capaz de imitar. Então, o conceito de público é tangível, não precisa ser só essa coisa invisível do interesse público, pode ser materializado em uma proposta. Existem vários exemplos bons, a CBC [Canadian Broadcasting Corporation] canadense, a australiana. O governo federal, aqui, resolveu copiar o modelo da BBC, com um controle que não é estatal porque tem uma diretoria profissionalizada, mas, ao mesmo tempo, não é completamente público, comparando com a PBS. O governo brasileiro teve a oportunidade de fazer uma coisa nova e acabou repetindo a fórmula dos outros, assim como está fazendo na TV digital, mantendo o monopólio.


Modelo antigo rende dinheiro


Trabalhas na TVE [Fundação Cultural Piratini – RS], certo?


J.G. – Não, eu sou o vice-presidente do conselho deliberativo. Lá a gente tem uma experiência de radiodifusão pública. O conselho tem 25 cadeiras, e 21 delas são entidades da sociedade civil. Só duas cadeiras são do governo, para a Secretaria de Cultura e de Educação. E tem mais cinco membros eleitos da sociedade civil, eu sou um deles. A gente não ganha salário e mensalmente toca as diretrizes gerais da emissora. Infelizmente, ainda, a governadora indica o presidente. Não do conselho, mas da diretoria executiva, que toca o dia-a-dia, e acaba mandando. Mas é uma experiência interessante. Por exemplo, a gente está gestando um projeto de compartilhamento do canal digital da TVE; a TV Assembléia já topou, e a gente está conversando com a Prefeitura de Porto Alegre. Pela primeira vez, uma prefeitura poderia entrar em um projeto desses porque não existe prefeitura com emissora de TV no Brasil. Então é possível fazer alguma coisa. Por isso a gente está batendo nesse desinteresse do governo em regulamentar a multiprogramação. Em Porto Alegre, [a TV digital] entra em março do ano que vem e precisamos de verba para colocar de pé a estrutura, pelo menos de uns três milhões de reais, só que se o governo não regulamenta, fica muito complicado. O pior é que eles estão utilizando uns argumentos muito pífios, de que não dá para regulamentar porque os canais vão ser sublocados. Mas isso já é permitido e o governo não faz nada, como algumas igrejas que locam a parte da noite de alguns canais. Por que então barrar a multiprogramação? Só porque tem um interesse comercial por trás disso. O modelo de multiprogramação muda a forma como a pessoa vê TV, o que é complicado para as empresas privadas porque o modelo antigo funciona muito bem, rende dinheiro.


A guerra do cabo


Mas mesmo se as empresas públicas não se desenvolverem tanto, com a TV digital, só o fato de fragmentar o mercado para outras empresas ajuda a democratizar um pouco, não?


J.G. – Com certeza, mas se tiver um pouco desse espírito público, se não for uma ferramenta da assessoria de imprensa do governo de plantão. Se forem canais de acesso público, como os canais comunitários do cabo, que têm esse princípio. É uma associação que é formada e qualquer entidade que se associe pode colocar uma programação. Em Porto Alegre, é uma hora de programação semanal, em que a entidade paga uma miséria, dentro dos preços de televisão. Esse é o espírito público, de acesso, para se fazer televisão. Qualquer pessoa chega lá e pode acessar. Se tiver espaço na programação, até uma pessoa física pode colocar um programa. Então a Lei da TV a cabo foi uma legislação que avançou muito e acabou não funcionando por falta de visão de que esse compartilhamento, essa democracia, é que constitui o interesse público. É muito avançado não ter um dono, ter uma associação onde a pessoa diz ‘quero colocar um programa’ e põe. Esse é o tipo de relação social que o Brasil não parece estar muito maduro para ter. Mesmo a esquerda não conseguiu estabelecer isso, tendo o mecanismo ali na mão. Foi uma guerra na época da Lei do cabo, chamada de guerra do cabo, para conseguir viabilizar que esses canais existissem. Daí eles passam a existir e todas as entidades que demandavam somem.


O processo que não andou


A TVCOM é uma TV comunitária?


J.G. – Não, só no nome. É da RBS. Aqui [em Santa Catarina] é no cabo, em Porto Alegre a TVCOM nem é um canal de TV; chama-se TVA, só existem 25 no Brasil, mas é canal aberto. É uma autorização chamada canal de TVA, era um tipo de outorga que estava em extinção, mas o governo preservou essas 25, que são operadas por emissoras grandes. E a TVCOM só tem o nome e surge justamente para competir com o canal comunitário de Porto Alegre. É a tentativa que as empresas fazem de se mostrar em defesa do interesse público, mas é um discurso que é um apelo comercial. A TVCOM pega a publicidade dos pequenos comércios, que é justamente onde os veículos comunitários poderiam agir. Por exemplo, a disputa de rádios comunitárias no Brasil é puramente comercial. Porque uma rádio comunitária compete pelo apoio de um açougue, assim como uma pequena rádio comercial. Assim como a TV digital tem a ver com uma questão comercial. Então, tem menos a ver com democracia e mais a ver com dinheiro.


O FNDC, a FENAJ, sindicatos de jornalistas etc. entram com ações judiciais para tentar combater os descumprimentos legais na área?


J.G. – Em vários momentos. Mesmo em 1987, nesse negócio dos políticos, já se entrou, mas as ações morrem dentro do Judiciário, nenhum juiz banca. Em 2006, o Ministério Público Federal de São Paulo e o de Minas Gerais, motivados pelo FNDC e pelo Intervozes, entraram com uma ação civil pública por causa da decisão do governo sobre a televisão digital. Daí, um juizinho lá do cafundó de Minas disse que não, o processo foi curiosamente distribuído para um juiz que era conhecido do Hélio Costa, que foi fazer uma visita para o juiz e não andou. Sendo que os procuradores do MPF têm toda uma qualidade para redigir uma peça jurídica consistente, mas os juízes dizem que não é inconstitucional e pronto.

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Estudante do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina