Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Até quando o MEC vai atrapalhar o ensino?

Nos últimos quatro anos, a educação tem sido tema de constantes debates nos quatro cantos do Brasil. É um tema que arrebata pessoas da elite que vêem seu país se tornando insuportável por causa da falta de educação dos pobres; da classe média que se sente incapaz de progredir porque não consegue mais capacitar-se educacionalmente; da classe baixa, que reclama a cidadania e a oportunidade de crescimento pela educação. Mas, desde o fim da ditadura, os governos civis que tivemos pouco fizeram pela educação.

Primeiro, o MEC praticamente sustenta a universidade pública e não-paga, favorecendo os ricos que são a maioria dos seus alunos. Segundo, em conseqüência disso não provê meios adequados para as escolas públicas de ensino fundamental e médio, estaduais e municipais, onde estudam os mais pobres. Terceiro, cumpre de forma precária a entrega de livros didáticos, pois o aluno é obrigado a devolvê-los à escola no fim do ano para que sejam usados no ano seguinte por outros alunos, fora o fato de as escolas receberem livros didáticos diferentes dos que foram pedidos pelos professores. Quarto, recusa-se a implementar uma política de plano de carreira para o magistério deixando que os estados façam o que bem entendem, no estilo mais baixo da politicagem.

Duas interpretações das origens

Agora, o MEC quer interferir com o trabalho das escolas particulares. Será que falta trabalho para esse órgão governamental? Ou será que é a ânsia de controlar, comum aos ditadores? Ou será o desejo de fazer do Brasil uma ditadura novamente, haja vista que numa ditadura não existem idéias contrárias e tudo é confortavelmente submetido ao pensamento único?

Deu na Folha de S.Paulo de sábado: ‘A nossa posição é objetiva: criacionismo pode e deve ser discutido nas aulas de religião, como visão teológica, nunca nas aulas de ciências’, afirmou a secretária da Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar.

O jornal cita as escolas adventistas, o Grupo Mackenzie e o Pueri Dominus, uma rede privada composta por escolas católicas e protestantes. O ‘crime’: ensinar aos alunos duas interpretações a respeito das origens.

Balela ditatorial

Achamos que ao invés de ficar dando ouvidos a cientistas que vivem enclausurados em universidades que notadamente têm estado distantes da realidade brasileira, principalmente no que tange à educação, o MEC deveria usar seus poderes para realmente melhorar a educação. Seja permitindo a livre expressão de pensamentos, seja evitando o desvio de verbas que empobrecem as escolas públicas em todos os estados, seja criando um clima de camaradagem dentro da escola, seja abrindo bibliotecas 24h (como em algumas cidades norte-americanas) Brasil afora, seja aumentando a verba das escolas de ensino fundamental e médio, seja fazendo uma melhor gestão dos recursos e fazendo auditorias, seja erradicando o trabalho infantil, seja melhorando as condições do ensino médio – que notadamente está sendo o maior fracasso da educação nacional ultimamente.

Bons objetivos (tais quais os supracitados) e o esforço para alcançá-los é o que esta democracia necessita urgentemente. Agora, censura ‘educativa’, perseguição a supostos hereges, invasão da privacidade das escolas privadas, manipulação de professores, ameaças implícitas através da mídia a grupos educacionais que historicamente só contribuíram para a formação educacional das pessoas… Essa balela ditatorial já é um filme antigo: na ditadura militar diziam ser necessário perseguir aqueles que fizessem supostos ‘ataques aos bons costumes’. No nazismo de ‘defesa da raça superior’, nos EUA de Bush, ‘defesa nacional contra terroristas’, tirando as liberdades civis de toda a nação.

A qualidade dos livros

O MEC, desde 1984, não fez da educação de qualidade uma realidade para a maioria dos brasileiros. O governo Lula tem ainda dois anos para mudar o rumo para melhor. Espera-se que tome consciência disso e melhore, para assim também ajudar a melhorar o Brasil.

Ainda segundo a secretária da Educação Básica do Ministério da Educação, o ensino do criacionismo como ciência ‘é uma posição que consideramos incoerente com o ambiente de uma escola em que se busca o conhecimento científico e se incentiva a pesquisa’. Mas ela parece ignorar que o maior incentivo à pesquisa se faz ao ensinar também o contraditório, fazer o aluno pensar, comparar e escolher. Ou este governo vai continuar ‘educando’ soldadinhos de chumbo para sempre? (Claro que para um governo com pretensões ditatoriais, esse tipo de ‘educação’ é bem conveniente.)

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Pesquisa da Criação, Christiano da Silva Neto, ‘a maneira mais justa e honesta de lidar com a questão é apresentar ambos os modelos nas aulas de ciências, dando-se destaque aos pontos fortes e fracos de cada um’. Que mal há nesse tipo de educação aberta à crítica e ao debate? Já que o assunto é ciências, por que o MEC não se preocupa mais com a qualidade dos livros que oferece aos alunos da rede pública (que ainda trazem os desenhos de Haekel, as mariposas de Manchester e o experimento de Urey-Miller como evidências) em vez de ficar se metendo na educação privada, sabidamente de melhor qualidade?

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Respectivamente, professor da rede pública do estado de São Paulo; e jornalista