Barack Obama é o nome forte que alterou o texto originariamente preparado para tratar da crise nos EUA e de seus respingos inevitáveis no Brasil. O presidente negro eleito para governar o grande império, rouba a cena antes mesmo de ser proclamado vencedor, dentre outras coisas, por sua origem.
Depois de eleito, passa todos os dias a nos inquietar quer com seu discurso de estadista, quer com suas atitudes de político hábil que procura agregar os adversários, quer com as escolhas calculadas para os escalões mais importantes do seu governo. Surge no cenário internacional, em todos os pontos do planeta e nos mais diversos segmentos da população, uma espécie de aragem, um sopro de esperança, como que a prenunciar dias mais amenos em meio a estes tempos tão difíceis, de guerras étnicas e de outras tantas geradas por motivações fabricadas.
Como se fosse uma espécie de tela, bem ao fundo das cenas cotidianas impostas pela globalização dos tempos e das pessoas, passa-se a vislumbrar a esperança de dias melhores para todos, mesmo sem garantia alguma de que isso venha a ocorrer – apenas como possibilidade, virtualidade. E a Educação, nossa escolha profissional, também aponta para essa possibilidade, já que esses alunos, futuros profissionais a compor o quadro do mercado de trabalho, demonstram sensibilidade, inteligência, dedicação e espírito crítico – características essenciais para que esse mundo possa vir a ser melhor compreendido, explicado e também vivido.
Em nosso trabalho na Universidade de S.Paulo, na disciplina Comunicação Comparada, da Escola de Comunicações e Artes, todos os anos tratamos de acompanhar, dentre outras atividades programadas do curso, um fato significativo da sociedade e sua cobertura pela mídia nacional e/ou internacional, para análise e estudo. Em 2008, as eleições dos Estados Unidos determinaram o tema e desse fato resultou o texto reproduzido a seguir (Lucilene Cury, professora responsável pela disciplina Comunicação Comparada da ECA-USP)
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[Autores do texto coletivo: Adilson Rodrigues Alves Pelois, Aline Souza Silva, Bóris Fatigati da Silva, Eduardo Fiora (jornalista), Henrique da Silva Dias, Leonardo Ortiz, Maurício Barbosa da Cruz Felício, Monique Sena, Rodolfo de Santana, Tainá Nunes Costa, Thais Campanaro Dutra, Thais Oliveira Félix, Thaís Sodré Manzano, Vanessa Montalban]
Durante as eleições norte-americanas de 2008, o mundo voltou-se para um país mergulhado em profunda crise econômica e aguardou o desfecho de um embate político histórico entre o democrata Barack Obama e o republicano John McCain, decisivo para definir os rumos não apenas dos Estados Unidos, mas de toda a geopolítica internacional.
Afinal, a crise financeira que se alastra pelo mundo vem atingindo muitos bancos e grandes empresas, distribuindo perdas irreparáveis e transformando pedidos de concordata em notícias comuns. Não só instituições financeiras, mas economias inteiras enfrentam o risco de sucumbir à crise. A Islândia é uma delas. O país vinha acumulando riquezas nos últimos dez anos, mas acumulou também grandes riscos, que provavelmente não foram levados a sério e hoje mostram sua força. Em 9 de outubro, a BBC publicou artigo no qual colocava a Islândia como a primeira vítima real da crise financeira mundial.
Os três maiores bancos islandeses tinham, juntos, uma dívida de US$ 61 bilhões, cerca de três vezes o PIB de 2007 do país de aproximadamente 300 mil habitantes. Esta foi uma das razões para que não conseguissem obter financiamento de curto prazo, levando junto deles pessoas e empresas a falência. Um bom exemplo do desastre financeiro que ocorre na Islândia são as hipotecas adquiridas no país, que, em sua maioria, representam uma perda de valor dobrada. Além da queda do preço dos imóveis (o que fez com que as hipotecas tivessem seu valor diminuído), outro fator que ajudou a depreciar esses papéis foi a inflação. Grande parte das hipotecas foi assumida em moedas estrangeiras, comercializadas pelos bancos como um meio de se beneficiarem das menores taxas de juros encontradas no exterior, já que as taxas na Islândia se mantinham altas devido à boa saúde de sua economia antes da crise. Agora, com a coroa islandesa despencando, os proprietários de imóveis estão pagando não só pela desvalorização de seus ativos, mas também pela desvalorização da moeda nacional.
Hoje, o governo islandês se esforça para dar novo ânimo à sua economia. Depois de nacionalizar os três maiores bancos do país, o governo pretende acertar um empréstimo de US$ 2,1 bilhões com o Fundo Monetário Internacional. O objetivo desta medida é restaurar a confiança na economia do país, estabilizar a moeda e reestruturar o sistema bancário.
O governo islandês negocia também mais US$ 4 bilhões com outros países, segundo informações vindas do FMI. Especula-se que as negociações sejam com a Noruega, os Estados Unidos e a Rússia. A expectativa é que a economia da Islândia se contraia em até 10% no próximo ano. Uma má notícia, que deve se refletir nos empréstimos pretendidos, vem da Fitch Ratings, que rebaixou a qualidade da dívida do país, aumentando assim o custo da mesma.
Com um mercado sem liquidez, mas com a economia precisando de dinheiro em circulação para não derreter, a Islândia tornou-se uma das principais vítimas da crise financeira. Este é apenas um entre muitos exemplos dramáticos das conseqüências, ao redor do mundo, da crise que se originou nas falhas da economia norte-americana.
A mídia global discutiu intensamente os reflexos do resultado das eleições nos EUA nos rumos a serem tomados para normalizar a situação do mercado financeiro mundial e dar alento à já tão prejudicada economia real. Muitos veículos de comunicação importantes, em diversos países, não só consideraram Obama o franco favorito na disputa pela Casa Branca como também, em alguns casos, chegaram a manifestar sua preferência pelo candidato. Mas não foi só a grande imprensa que deu destaque ao tema: tal questão esteve presente nos corredores da Universidade, nas filas de banco, nas esquinas e nos blogs. Graças à internet, a campanha atingiu desde grandes empresas de comunicação até pessoas comuns, minorias e veículos alternativos. Aliás, a web também teve destacado papel na campanha eleitoral, sendo utilizada principalmente por Obama seja na captação de recursos, seja como importante veículo de propaganda eleitoral.
As eleições nos EUA e sua repercussão no mundo
O escritor José Saramago, em seu blog, disse que o mundo terá daqui para frente que se recordar dos ideais nascidos na Revolução Francesa e consagrados na própria Constituição estadunidense: justiça, igualdade, liberdade e solidariedade. Esta opinião mostra como o mundo inteiro se mantém interessado na questão e como os olhares se voltaram para o desenrolar da eleição americana e as propostas apresentadas pelos dois candidatos. Conseqüentemente, discutiu-se a existência ou não de plataformas significantivamente diferentes entre ambos, especialmente no âmbito da economia, diante do cenário de crise – exaustivamente abordado pela mídia – que se estabeleceu inicialmente nos Estados Unidos e vem afetando economias de países no mundo todo.
J. Habermas, um dos mais importantes filósofos vivos, em entrevista sobre os efeitos da atual crise financeira e sobre os Estados nacionais, declarou que ‘o novo presidente precisa se impor contra as elites dependentes de Wall Street e se afastar dos reflexos de um novo protecionismo’. Habermas acredita que os Estados Unidos, mesmo enfraquecidos, ainda permanecerão como a superpotência liberal.
A questão racial como co-protagonista nas eleições
Embora o ator Will Smith tenha jocosamente afirmado que ele seria o primeiro presidente negro dos EUA, Barack Obama é quem está prestes a assumir esse posto. Entretanto, o democrata esforça-se para afastar a imagem de ‘presidente negro’, buscando ser visto simplesmente como um cidadão americano com propostas para beneficiar todo o país. É compreensível: sendo os Estados Unidos uma nação na qual ainda há grande preconceito de etnia, grande parte do eleitorado não receberia bem um candidato que centrasse sua campanha na questão racial ou que se apresentasse como um defensor dos direitos dos negros e representante dessa comunidade — apesar de sabermos que sua simples candidatura já remete à questão racial.
É claro que a grande empatia que Obama tem conquistado internacionalmente se deve sim, em grande parte, ao fato de ele ser negro; mas ele, particularmente, procurou não usar essa característica para afirmar-se em sua campanha, pois, como já dito, isso não lhe seria favorável, a não ser, obviamente, entre a comunidade negra. Parte dela, inclusive, criticou a postura de Obama e não deve ter ficado satisfeita com sua já famosa frase: ‘Não existe uma América negra, uma América branca, uma América latina e uma América asiática: há os Estados Unidos da América’.
Para os negros americanos, o democrata deveria ter apresentado propostas específicas para melhorar a situação desse segmento populacional no país e deveria ter assumido abertamente a sua identidade enquanto negro. No dia 1º de agosto, o Jornal Nacional (transmitido pela Rede Globo de Televisão) mostrou que, na Flórida, enquanto Barack Obama discursava, três jovens o interromperam segurando uma faixa que questionava o que ele faria pela comunidade negra (ver aqui). A essa intervenção, o democrata respondeu que, caso os jovens não estivessem satisfeitos com suas propostas, tinham total liberdade para votar em outro candidato.
Se, por um lado, alguns querem que Obama assuma e exponha mais o fato de ser negro, por outro lado, quando ele, em algum momento, apenas fez menção à sua origem negra, foi criticado: em certo discurso, ele comentou que não se parecia muito com os desenhos nas notas de dólar e Rick Davis, chefe do comitê da campanha de McCain, logo rebateu dizendo que o candidato democrata estava se referindo ao fato de ser negro com o intuito de beneficiar-se de sua condição racial (ver aqui). Obama passou a campanha inteira entre essas duas alas: a que quer que ele assuma a identidade negra e a que não apóia um apelo à questão racial. Todavia, sua vitória nas eleições mostra que ele tomou a decisão mais acertada ao declarar-se como um cidadão norte-americano que quer ajudar seu país, deixando para a mídia o papel de ressaltar sua origem negra (e havaiana) e ganhar a simpatia da opinião pública internacional.
Em breve saberemos se a origem de Obama terá influência no modo de governar os EUA e se ele irá se preocupar com a situação ainda difícil dos negros no país. Mas pode-se dizer com absoluta certeza que a grande parte da repercussão desta eleição em todo o mundo deveu-se à possibilidade inédita de haver um negro na presidência da maior potência econômica do século XX.
A atuação da mídia durante e após a campanha
Um artigo do Estado de S.Paulo publicado no dia 12 de outubro faz duras criticas ao ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, figura profundamente ligada ao governo dos EUA e grande responsável pela orientação das políticas econômicas do país. No artigo, o autor Peter S. Goodman refaz a trajetória da atual crise, responsabilizando Greenspan diretamente pelo desastre resultante do excesso de operações com derivativos sem qualquer restrição por parte do governo.
Goodman também cita os grandes investidores que, ainda na década de 90, criticavam o excesso de confiança nos mecanismos reguladores do próprio mercado nessas operações, lembrando que, no Congresso americano, foi um parlamentar democrata que questionou, em 1992, a segurança dos derivativos e encomendou um estudo sobre seus riscos. Mesmo com o estudo tendo apontado as fragilidades do sistema, o democrata foi voto vencido. E o autor também ironiza o fato de que o ex-poderoso do Fed não tenha nada a dizer agora além de ‘errar é humano’, ao mesmo tempo em que defende os princípios do sistema que ajudou a fortalecer.
Outra matéria na mesma linha foi publicada também n´O Estado, no dia 29 de outubro, com o nome de ‘A Cegueira de Greenspan’. O autor, desta vez, é Tim Rutten, que faz a critica da crise mais pelo lado moral, inconformado com os rumos tomados pelo capitalismo da era Greenspan, que sempre pregou a total liberdade de mercado, sem qualquer freio por parte do governo.
Vale notar que ambos são articulistas do The New York Times, jornal sabidamente simpatizante dos democratas. Embora o jornal não entre em campanha aberta, esses artigos (certamente entre outros, também) equivalem a uma declaração anti-republicana ao ligar os erros de avaliação do Fed e o excesso de liberdade do mercado financeiro à complacência ou simples incompetência do governo que ocupou a Casa Branca nos últimos oito anos.
Além de ser o epicentro da crise financeira que acabou engolfando o resto do mundo, os EUA têm outro problema que se reflete vigorosamente na crise atual: quando George W. Bush assumiu o governo, em 2000, o caixa do tesouro norte-americano ostentava um superávit de US$ 236 bilhões, deixados por seu antecessor, Bill Clinton. Clinton, durante seu mandato, conseguiu promover redução no total da dívida norte-americana durante dois anos consecutivos. Já Bush, ao se afastar da Casa Branca, em janeiro de 2009, terá legado ao presidente eleito um inacreditável acréscimo de US$ 4 trilhões à dívida pública do país. De acordo com o U.S. National Debt Clock, a dívida americana soma hoje mais de US$ 10,6 trilhões (ou pouco mais de US$ 7,5 trilhões, corrigindo-se o valor pela inflação). Vale lembrar que a dívida do país é a soma de dinheiro que o governo deve, cumulativamente, ao longo dos anos. Já o déficit ou superávit no caixa do Tesouro é apurado anualmente e reflete o quanto as despesas foram, respectivamente, maiores ou menores do que a receita, dentro daquele período.
Com números como esses, largamente divulgados pela mídia, e uma crise de grande magnitude a enfrentar, é natural que grande parte dos eleitores tenha buscado não apenas um presidente que parecesse competente, mas alguém com um carisma especial que tivesse o dom de renovar as esperanças do povo norte-americano diante das atuais dificuldades; uma espécie de salvador, enfim.
As plataformas dos candidatos
Normalmente, a mídia tem importante papel na divulgação das plataformas de governo dos candidatos, oferecendo informações objetivas que dêem subsídio para uma escolha racional e ponderada por parte do eleitor. Nestas eleições norte-americanas, porém, o aspecto emocional dominou todos os discursos.
Parte da dificuldade em diferenciar as propostas dos candidatos, principalmente em relação à economia, o grande foco da campanha, residiu no fato de que alguns preceitos já haviam sido estabelecidos, constituindo uma espécie de plataforma comum. Ficou clara, independentemente de qual fosse o partido vencedor, a necessidade da intervenção do governo (que já existe nos empréstimos de bilhões de dólares para instituições financeiras) e da regulamentação, também por parte do governo, de um mercado que (novamente) demonstrou a fragilidade da economia liberal. Ambos os candidatos afirmaram que seguiriam nesses caminhos.
De maneira geral, os candidatos democrata e republicano acenaram com crescimento, redução de impostos e aplicação de incentivos fiscais, incentivo a investimentos em tecnologia, benefícios para população de baixa renda, revisão de subsídios (às empresas petrolíferas, no caso de Obama, e às empresas agrícolas, no caso de McCain), contenção de gastos governamentais, revisão nos valores das hipotecas. O que mais diferenciou os candidatos, afinal, foi a sua retórica. Mas, mais do que isso, o que realmente pesou durante toda a campanha foi o que cada um deles simbolizava: Obama, o novo, em oposição a McCain, a continuidade. E a mídia não ficou indiferente a isso.
Para Julien Vaisse, pesquisador francês da Instituição Brookings, de Washington, Obama é um político carismático e foi propositadamente vago sobre suas intenções enquanto candidato: ‘É uma tática para reunir um máximo de pessoas e para que possamos projetar nele os Estados Unidos que amamos’, afirmou, segundo informações da France Presse reproduzidas pela Folha de S.Paulo em reportagem de 31 de outubro, dias antes das eleições.
Dessa forma, o principal ponto que se apreende da análise do discurso recorrente na mídia é que, embora os detalhes da política econômica de Obama não tenham sido explicitados, houve grande destaque para desvantagem do candidato John McCain devido à vinculação de sua imagem à do presidente George W. Bush, impopular entre os americanos que, entre outras coisas, o consideram responsável pela crise que se instalou no país. O candidato John McCain buscou apresentar um plano econômico diferenciado e cultivar um discurso que o afastasse do atual presidente, porém sem sucesso. A população não confia mais na gestão republicana e manifestou seu descontentamento nas urnas. O resultado não surpreende: dados mostram que, em momentos de crise, nenhum partido foi reeleito para a presidência nos Estados Unidos.
No campo político, também ficou clara para os dois a necessidade de mexer na diplomacia e na política externa, procurar encerrar ou reduzir a presença norte-americana nos conflitos do Iraque e do Afeganistão. Além disso, tanto o democrata quanto o republicano expressaram intenção de fechar a base naval de Guantánamo.
Agora, deverá aumentar a pressão sobre o presidente eleito dos Estados Unidos para que ele reveja o embargo unilateral de seu país sobre Cuba. Líderes como o presidente Luís Inácio Lula da Silva e Serguei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, já mostraram suas opiniões a favor da retirada do bloqueio que, segundo Lula, não tem mais sentido. A medida deve ser o primeiro passo para favorecer o início de uma mudança nas relações com a ilha.
Foi grande a expectativa criada no mundo todo em torno da figura de Barack Obama e ele efetivamente tem a força e a autoridade política necessárias para promover uma aproximação entre Estados Unidos e Cuba. Contudo, diversos analistas já lembraram que, embora a imagem de Obama esteja ligada à idéia de mudança, não se deve esperar que ele tome medidas radicais. Ele é um americano, antes de tudo. De qualquer forma, é imenso o significado histórico da entrada de um político de origem afro-americana na Casa Branca, e o novo presidente assumirá o cargo sob o peso dessa expectativa e sob o olhar atento da opinião pública mundial, que espera que os Estados Unidos revejam não só sua política externa econômica, mas também sua posição em outras áreas como assuntos ambientais, temas sociais e comércio exterior, para citar alguns exemplos.
A construção do mito Obama
É comum veículos dos EUA se declararem a favor de determinado partido. Há algumas semanas, porém, o Washington Post, tradicionalmente republicano, surpreendeu ao declarar-se a favor de Obama. Já o Wall Street Journal, conhecido simpatizante do partido republicano, publicou uma coluna questionando a capacidade de Obama sem, no entanto, apoiar abertamente McCain. Igualmente significativo foi o editorial do The New York Times, no dia anterior à eleição, no qual o jornal se declarou pró-Obama. Mesmo no estrangeiro, a sisuda revista britânica The Economist também se posicionou discretamente a favor de Obama e lhe deu a foto de capa por duas edições seguidas (antes e depois das eleições).
Hoje, com a crescente midiatização das sociedades capitalistas pós-industriais, a imagem do político é mercantilizada e intensamente retrabalhada pelos veículos de comunicação, que visam estetizar não somente a figura pessoal do homem político em si como o seu posicionamento e sua ação enquanto tal. E a grande exposição de Barack Obama (a qual, aliás, ele soube utilizar de forma inteligente) era mais do que esperada em face da importância das eleições norte-americanas para o restante do mundo.
Mesmo assim, Obama foi além do que se poderia esperar de um candidato: tornou-se um superastro da cultura pop, um fenômeno de mídia. Sua imagem recebeu destaque em jornais, livros, camisetas, artigos para animais de estimação e acessórios em geral, além de ter servido de inspiração para documentários e montagens teatrais, dando origem à uma ‘obamania’. Também circulou pela internet uma versão fantasiosa da capa da revista Time que dá um tom hollywoodiano ao novo presidente, apresentando-o com a consagrada frase ‘…and the winner is…’, que costuma anteceder o anúncio dos nomes dos artistas ganhadores do Oscar.
Até uma pequena cidade do Japão chamada Obama comemorou sua eleição como se o político pertencesse àquele país, com direito a festa e produção de souvenirs. Seu rosto jovem e dinâmico está hoje em maior evidência que o de Madonna: inclusive já apareceu nos telões de um dos shows da diva pop. E, para muitos, não importam quais sejam suas propostas políticas, desde que se discuta sobre a tia que mora ilegalmente nos EUA, sobre a doença da avó queniana ou sobre suas possíveis ligações com terroristas – mesmo que no sobrenome.
Obama foi destaque em jornais e revistas ao redor de todo o mundo, tendo sido capa até mesmo da revista Rolling Stone, em março de 2008, quando ainda estava em início de campanha.
Mesmo deixando de lado a mídia que se alimenta das celebridades, é notória a importância dedicada ao então candidato e novo presidente por parte da imprensa de prestígio, que também contribuiu para cercar Obama de uma certa aura de herói. Em sua edição de 24 de novembro, a revista Time afirma que desde que Franklin D. Roosevelt assumiu o governo em meio à Grande Depressão, nenhum novo presidente norte-americano teve à sua espera desafios tão grandes quanto os que aguardam Obama. E a publicação explicita essa comparação na fotomontagem da capa. Vale mencionar que entre setembro e novembro de 2008, Obama foi capa da Time por seis vezes.
Mas não só a Time utilizou esse tipo de comparação: muitos textos e fotos de capa publicados ao redor do mundo traçaram paralelos entre Obama e outros líderes emblemáticos, como Martin Luther King. Mesmo a imagem do bem sucedido governo do ex-presidente Bill Clinton ressurge na era Obama, seja pela presença de Hillary Clinton como secretária de Estado, seja pela inclusão de outros membros do antigo governo democrata no rol de colaboradores diretos do novo presidente.
‘Vitória histórica’, ‘mudança’, ‘nova aurora’, ‘nova esperança’, ‘novo espírito’, ‘nova era’, ‘sonho realizado’ foram algumas das expressões recorrentes em grande parte das publicações, principalmente no continente americano e na Europa. A imprensa como um todo foi fundamental para a construção do mito Obama e para dar um tom messiânico à sua eleição e à sua futura atuação como presidente — do The New York Times até um obscuro jornal canadense dirigido à colônia italiana local. É o que se vê na seqüência de fotos abaixo, que reproduz as capas de diversos jornais do mundo publicados no dia 5 de novembro de 2008.
Passada a comoção da campanha e a euforia da vitória, todos deverão se voltar de forma mais realista para as enormes pressões a serem exercidas sobre Obama nas decisões mais cruciais de seu mandato, como já fazem os principais jornais e a própria The Economist.
No Brasil
O Brasil acompanhou os movimentos da mídia mundial. Foram publicados vários artigos assinados por analistas brasileiros, mas a maioria das reportagens foi baseada ou simplesmente transcrita do material fornecido pelas agências internacionais.
O Le Monde Diplomatique Brasil de outubro expôs a seguinte declaração do tesoureiro da confederação sindical AFL-CIO: ‘um grande número de eleitores brancos – e, falando com toda a franqueza, um bom número de sindicalistas, avaliam que ele (Barack Obama) não é da raça certa’. O jornal também ressalta que a questão racial esteve presente também na campanha dos republicanos: ‘Ainda que John McCain finja comportar-se como um gentleman e esteja trabalhando sua imagem, seus partidários na revista Nacional Review decidiram não arriscar.’ Segundo o artigo, nela os partidários de McCain contaram uma história da juventude de Obama, que teria tido uma namorada branca e rica. Ele teria sido muito bem aceito pela família da moça, que queria se casar com ele, mas, dizem os republicanos, para Obama ela representava a ameaça de ele ser ‘assimilado por uma cultura branca estrangeira’.
De qualquer forma, a abordagem da mídia brasileira (como na maior parte dos países que fizeram a cobertura dessas eleições) baseou-se muito mais na construção da imagem de Obama do que na exposição de seu plano de governo ou nos seus embates com o adversário McCain.
A revista Época da semana das eleições foi incisiva ao dizer logo no título de sua matéria de capa: ‘A História Quer Obama’. O texto pouco falava de McCain: citava apenas os seus erros durante o processo eleitoral. Apenas em seu final havia uma ponderação, mas ela só aparecia após seis páginas de um texto pró-Obama.
Depois das eleições, Obama voltou a estampar a capa de Época, que reservou apenas um pequeno espaço para anunciar a fusão realizada entre Itaú e Unibanco, negócio bilionário que criou o maior banco do Brasil e o maior grupo financeiro do Hemisfério Sul.
Outras revistas semanais também deram capa para o presidente eleito, como mostram as reproduções abaixo. A IstoÉ pergunta: ‘Pode esse homem salvar a América e o mundo?’ A Veja, revista brasileira de maior circulação nacional, produziu uma edição especial sobre a eleição do novo presidente. Obama foi também capa da Revista da Semana, publicação nacional de 44 páginas. Inspirada na Newsweek. Ela é uma versão mais barata das revistas semanais mais prestigiosas e apresenta de forma condensada as principais notícias do Brasil e do mundo. Dedicou quatro páginas às eleições norte-americanas, quase 10% do total.
Uma vez eleito o candidato democrata, as publicações nacionais, de maneira geral, oscilam entre a comemoração e a cautela, assim como a maioria das revistas e jornais estrangeiros. A vitória foi emocionante e histórica, e Obama chega à Casa Branca cercado de expectativas e com enorme apoio popular, como atesta o maciço comparecimento de eleitores às urnas. Agora é esperar para ver se suas decisões como presidente dos EUA terão o poder de tirar o país da trajetória que vinha apontando rumo ao desastre e recolocá-lo nos trilhos da saúde financeira, da prosperidade econômica e da política como instrumento de entendimento. É o que o mundo inteiro espera.