Depois da desastrada – para dizer o mínimo – cobertura do caso Eloá Pimentel, em outubro, esperava-se que a TV brasileira ao menos desse um ‘descanso’ para a sensibilidade crítica de uma parcela da população, farta da exploração de dramas alheios, do mundo cão, do noticiário fútil e massacrante da vida particular das celebrities. O ‘refresco’ era ainda mais aguardado pelo fato de o Ministério Público Federal ter ajuizado na Vara Cível da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo, uma Ação Civil Pública contra a Rede TV! em função da cobertura do seqüestro de Santo André, devido às entrevistas ‘ao vivo’ com a adolescente Eloá e com o ex-namorado desta, Lindemberg Alves. A alegação é a de que a RedeTV! cometeu ‘ato abusivo’ ao explorar a situação em que se encontravam os adolescentes Eloá, sua amiga Nayara e Lindemberg, e interferiu nos trabalhos da polícia.
O sossego aos telespectadores não aconteceu. Dentre os vários episódios do filão fofoqueiro-televisivo que persiste apesar dos maus exemplos, torna-se público o divórcio de uma atriz ‘global’ e amplificados, até onde foi possível, os rumores que cercaram a separação. Um prato feito para revistas e programas voltados ao planetinha das celebridades. Mas a coisa não parou aí. Uma apresentadora ‘tomou as dores’ da atriz e, usando o espaço, se dirigiu ao ex-marido da amiga, no ar e ao vivo, para milhões de telespectadores, chamando-o de ‘cafajeste’, ‘aproveitador’, ‘vagabundo’ e arrematou com um ‘se você desaparecesse da face da terra agora, seria uma coisa maravilhosa para todo mundo’. Alguns meses depois, o ex-marido da atriz morre de overdose e família dele acusa a apresentadora de haver influenciado o retorno do rapaz às drogas, após mais de um ano de abstinência.
2008 foi pródigo em páginas lastimáveis
Se este foi ou não o motivo para o desenlace do ‘drama’ (como ao fato se referiram algumas revistas semanais), não cabe aqui discutir. Cada qual tem em mãos seu destino e suas escolhas para o bem ou o mal. Infelizmente, a escolha para o bem em termos de qualidade na TV não parece ser o caso do telespectador, sujeito a assistir coisas inacreditáveis como essas nas emissoras de televisão brasileiras.
A apresentadora em questão esqueceu que o ‘espaço que ela tinha ali’ não era dela, mas uma concessão pública. Ao fazer de um espaço em uma emissora de televisão uma espécie de copa da cozinha de casa, ou a janela que dá para a rua e se presta como um posto de observação para conversas de comadres, a apresentadora havia dado sua parcela de contribuição para mais uma página das mais lastimáveis da história da TV brasileira. Que agora volta à tona com a morte do ex-marido da atriz.
Aliás, o 2008 prestes a sair de cena está sendo pródigo de páginas desse tipo: exploração das mortes de crianças e das desventuras sexuais de esportistas; dos ‘casa-separa-casa’ das celebrities, dos atores envolvidos em agressões e daqueles que necessitam de tratamento da dependência (e não de gozações ou exploração barata da condição em que se encontram).
A praga da falta de ética
O argumento do ‘controle remoto’ e do ‘mude de canal’ não cola: não será dessa maneira que a qualidade da programação da TV vai melhorar, tampouco isso funcionará para botar juízo e ética na cabeça de apresentadores ‘donos’ de seus programas a ponto de irresponsavelmente, dizerem o que bem entendem, seja xingar ou explorar a vida particular dos outros, defender pena de morte, especular sobre os motivos de um crime ou entrevistar ao vivo um bandido armado, no decorrer de um seqüestro.
Além de repudiar episódios como esses, precisamos fazer a crítica à TV e cobrar a devida punição para aqueles que atropelam a ética na programação televisiva. Enquanto não fizermos isso, pouco adiantará acionar o controle remoto, já que em nome da audiência, a praga da falta de ética e do mínimo do bom senso terá se disseminado para outros canais.
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Jornalista, Petrolina, PE