Não é de hoje que me pergunto sobre o jornalismo enquanto ideal de vida. Ora, existem milhares de ofícios humanos, milhares de profissões. Exercer a cidadania pressupõe a existência da mesma, portanto, nem sempre é factível a qualquer um. Mas é que existem situações em que a ética deve vir antes, algo como um pré-requisito. Penso, então, no fazer-jornalístico. Os jornais, sejam impressos ou não, e também não importa qual a ferramenta em que está sendo disponibilizado, terminam por fazer eco uns aos outros. A mesma manchete e a mesma história repercutem como plantação de cogumelos. Já não nos identificamos com esta ou aquela linha editorial porque tudo passou a ser sinalizado pela mesmice.
Se o assunto do dia é um crime e, ainda mais, um crime hediondo, desses em que a filha de 13 anos mata o pai e a mãe enquanto dormem e, ainda, se para tal horrendo feito contou com a cumplicidade de seu coleguinha de parcos 8 ou 9 anos de idade… então, não precisamos ser muito espertos para sabermos que o assunto será divulgado até nos dar náusea por pelo menos as duas ou três semanas seguintes. Essa divulgação fará parte do que chamo de ‘jornalismo insano’: uns repercutem os outros, uns querem a primazia da descoberta mais inesperada e temperada, preferencialmente com as cores fortes da escandalização da violência urbana.
Visão mais abrangente do mundo
Todo o arsenal de criatividade, estilos e formatos jornalísticos serão colocados a serviço da mais rápida difusão da notícia. Todos os assuntos serão colocados na geladeira da comodidade, aqueles temas que rendem poucos leitores serão relegados por obrigação do ofício ao arquivo redondo: descoberta de vacinas, políticas públicas que rendem mais que publicidade, iniciativas louváveis de indivíduos e de instituições para elevar a qualidade de vida da sociedade e por aí vai.
O jornalismo insano assemelha-se a uma praga de gafanhotos: ataca a mesma plantação, e no mesmo momento. Os fatos são pisoteados da mesma forma que as folhas – são destruídos quase instantaneamente. A nuvem que se forma ante os sempre desavisados receptores das notícias (leitores, ouvintes, espectadores e internautas) é espessa o suficiente para bloquear qualquer ínfima passagem de ar puro. Ocorre que não há espaço para outro assunto. Todo esforço maior é para continuar repercutindo o hediondo e o macabro. Quando não houver qualquer outro fato novo sobre a tragédia… então começam os comentários de especialistas de Direito ou de especialistas criados pela mídia, geralmente nomes de bom conceito na sociedade: juristas, pensadores, escritores, políticos, militantes de direitos humanos, educadores, sociólogos.
Algum antídoto para esse tipo de jornalismo? Sim. A prática de um jornalismo-cidadão. E aí temos amplo espaço para refletir sobre o que se encaixaria nessa categoria. Mas, com certeza, seria um jornalismo comprometido com a boa prática jornalística. E também com uma visão mais abrangente do mundo e de seus sinais: apreço por iniciativas que elevem a qualidade de vida da população; defesa das populações vulneráveis; espaço para a proteção do meio-ambiente e para o progresso científico.
Jornalismo-cidadão tem muito a ver com a promoção dos direitos fundamentais da pessoa humana.
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Jornalista, mestre em Comunicação pela UnB e autor de livros sobre direitos humanos, ética, cidadania, literatura e cinema; www.cidadaodomundo.org