As fortes chuvas de novembro e a degradação do meio ambiente provocaram em Santa Catarina uma tragédia que vitimou milhares de pessoas. Muitos perderam suas vidas neste que parece ser o tsunami brasileiro. Pelo menos para a grande mídia, que se aproveita da situação para vender a imagem de empresa socialmente responsável. Muitos foram os que imediatamente correram para mostrar serviço. Não tiro o mérito das pessoas que realmente se preocupam com o ser humano, mas muitos querem tirar proveito do momento, ou por modismo, por desinformação ou por preconceito. E assim vamos oficializando e fortalecendo nossa desigualdade social.
Algumas semanas após a tragédia das chuvas em Santa Catarina, foram anunciadas mais de 120 mortes e mais de 80 mil pessoas desabrigadas e desalojadas. Na internet, várias correntes da solidariedade foram enviadas por e-mail, iniciativa de pessoas que humanitariamente disponibilizavam suas empresas para depósito de roupas e alimentos. Os meios de comunicação mostravam as formas de ajuda necessária, por meio de campanhas do tipo ‘Reconstruindo Santa Catarina’.
Será que o povo brasileiro é mesmo solidário ou se deixa levar por campanhas que a mídia promove?
É muito triste o que aconteceu naquele estado, mas também é interessante a rapidez da mobilização das pessoas e empresas em todo o Brasil. Infelizmente, trata-se de uma solidariedade seletiva. Ao mesmo tempo em que fico surpreendido com esta ajuda toda, me preocupa este comportamento preconceituoso. Esta solidariedade não reflete nossa realidade.
Tragédia diária muito maior
Não que o governo ou as pessoas não devam ajudar. O que acontece é que o comportamento expõe um paradoxo. Vamos pensar nesta falsa devoção: tragédias acontecem o tempo todo no Brasil, mas no momento só paramos para socorrer aos desabrigados em Santa Catarina. Tem muita gente pobre lá que perdeu tudo? Claro, no momento eles sofrem com a ação devastadora da natureza. Mas por que tanta solidariedade apenas com o povo daquele rico estado?
Se esta tragédia tivesse acontecido no Nordeste, por exemplo, o Brasil agiria da mesma forma? Creio que não veríamos este movimento. Isto porque o brasileiro de classe média é seletivo e toda esta ajuda aos catarinenses prova esta teoria. O Brasil vive diariamente uma tragédia muitas vezes maior e poucos se preocupam efetivamente. Centenas de pessoas morrem de fome todos os dias neste imenso país; no entanto, não vejo nenhuma campanha em rede nacional contra esta situação.
Os flagelados que se ajudem
Embora dados confirmem que o número de indigentes caiu pela metade, entre 2003 e 2008 ainda vivemos uma tragédia diária nas regiões metropolitanas, nos estados mais pobres. Os dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): são 3,12 milhões de pessoas sofrendo com a falta de medicamento, roupa, comida, moradia…
Em todo o Brasil, o número é assustador: 50 milhões de pessoas – 29% da população – estão abaixo da linha de pobreza. Os dados são da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A exemplo de Santa Catariana, a cidade de São Paulo sofre com seus desabrigados. Existem cerca de 20 mil moradores de rua em São Paulo, de acordo com estudo feito em 2007 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Para isso não existem campanhas nos supermercados, correntes de e-mail, notícias nos jornais. Mas Santa Catarina é diferente. É a classe média ajudando seus semelhantes. O burguês que está em apuros: este, sim, tem a ajuda de outros burgueses, mas 80% da população que sofrem com a miséria todos os dias, estes não merecem nossa ajuda. Vamos todos numa única corrente orar e ajudar nossos semelhantes do Sul e que o restante dos flagelados do Brasil que se ajudem. Viva a solidariedade brasileira.
******
Jornalista e editor da revista Griffe, Jundiaí, SP