Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa precisa se reinventar

O ombudsman da Folha de S.Paulo Carlos Eduardo Lins da Silva colocou em sua coluna (para assinantes) de 9/12/2008 o provocador título ‘Notícia velha para embrulhar peixe’. Eis o trecho mais ilustrativo:

‘O leitor da Folha teve todo direito de perguntar se fez bem ao gastar R$ 2,50 na segunda-feira para ‘ficar sabendo’ que Felipe Massa ganhou o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, mas perdeu o título mundial de pilotos. Ou na terça, quando pegou o seu jornal e ‘descobriu’ que os bancos Itaú e Unibanco haviam se fundido.’

Para concluir, o ombudsman sugere:

‘O jornal impresso tem desafios fundamentais à frente se quiser sobreviver. Ou ele se reinventa ou se torna irrelevante’. E para fechar o texto novamente provoca: ‘Se resolver continuar repetindo o que os outros meios informam mais rapidamente e com mais vibração, haja peixe e banana para embrulhar’.

O texto de Lins da Silva vem à mente no momento em que decido escrever sobre estudos realizados pela equipe do Deu no Jornal, projeto da Transparência Brasil que coleta notícias sobre corrupção e seu controle.

O último conjunto de estudos publicados no Deu no Jornal analisa o comportamento dos jornais impressos e revistas na cobertura de operações da Polícia Federal (PF). E o que se depreende é que, como disse Carlos Eduardo Lins da Silva, os impressos precisam se reinventar.

Para além das operações da Polícia Federal?

As operações da Polícia Federal se constituíram, nos últimos anos, em uma das principais fontes de reportagens sobre corrupção no Brasil. O substancial número de mandados de prisão, busca e apreensão e o encarceramento de algumas altas figuras garantem textos e fotos para o jornal do dia seguinte.

Mas como será a cobertura jornalística para além dos relatos sobre as espetaculares operações? Para responder ao questionamento, o projeto Deu no Jornal, da Transparência Brasil, se debruçou sobre as reportagens.

No banco de dados do Deu no Jornal, projeto que reúne reportagens sobre corrupção e seu controle, os textos são agrupados em ‘assuntos’. De janeiro de 2004 a junho de 2008, foram coletadas 223 mil matérias jornalísticas, que estão agrupadas em 5,5 mil assuntos. Desse universo, quase 22 mil são textos sobre operações da PF, reunidos em 279 assuntos.

O peso dos ‘grandes’

A primeira constatação ao se mergulhar nas reportagens é a de que as pautas geralmente se esgotam nos dias seguintes à operação da PF. Em média cada um dos 279 assuntos tem 0, 5 reportagem por dia. Em geral, o que ocorre é que o assunto produz 15 textos em um espaço de 30 dias (exemplo: operação Hemostasia, deflagrada em janeiro de 2008 e ‘esquecida’ desde fevereiro). Depois disso, não se fala mais no assunto.

Embora a média geral seja baixa, há temas que se mantêm por mais tempo no noticiário ou, quando permanecem por pouco tempo, provocam um numero considerável de matérias jornalísticas, o que ajuda a clarear os fatos.

Nos cinco temas mais presentes no noticiário relacionado a operações da PF, a média é superior a 17 textos por dia, no conjunto de veículos monitorados pelo projeto Deu no Jornal (mais de 50 jornais e revistas). E no conjunto das reportagens agrupadas nesses cinco assuntos, cerca de metade dos textos tem origem na Folha de S.Paulo, em O Estado de S.Paulo e em O Globo, os três jornais brasileiros que estão entre os cinco de maior circulação (de acordo com dados de 2007 da Associação Nacional de Jornais) e são acompanhados pelo Deu no Jornal.

Ou seja: para haver continuidade ou aprofundamento, o assunto precisa ser capturado por um dos três grandes. Se isso não ocorre, o tema é esquecido pela imprensa brasileira. Mais informações são encontradas no estudo assinado por Marina Iemini Atoji.

Supremacia do Executivo

Outra conclusão a que se chega após análise das reportagens é a de que as notícias relacionadas a operações da PF se concentram no Poder Executivo. Quase a metade dos textos se refere unicamente a pessoas ligadas a algum órgão do Executivo. O Poder Judiciário, que, assim como o Executivo, tem servidores pulverizados em vários órgãos e em todas as unidades da Federação, foi alvo exclusivo de apenas 2% dos textos encontrados nos arquivos do Deu no Jornal. Treze por cento das reportagens dizem respeito unicamente a membros do Legislativo. Mais detalhes no ensaio de Luiz Prado.

Descaso com o INSS

Fonte de intenso debate entre economistas, a Previdência Social é um tema dos mais controversos quando se fala em contas públicas. Com o envelhecimento da população brasileira, o chamado ‘rombo’ na Previdência é alvo de preocupação de vários governos.

Um dos problemas apontados por especialistas é o grande número de fraudes em pensões e aposentadorias. A atuação da Polícia Federal corrobora a tese de que esta é uma das maiores fontes de corrupção no país. Entre os 279 assuntos sobre operações da PF registrados no Deu no Jornal, 43 (ou 15%) abordam ações no Instituo Nacional de Seguridade Social (INSS), de acordo com estudo de Julio Delmanto.

Porém, talvez por não levar à cadeia altas figuras, os jornais não prestam muita atenção a esse tipo de operação. Cada assunto sobre operações da PF rende em média 78 reportagens. Mas quando se fecha nas operações da PF no INSS, o número cai para 22.

Relevância ou morte

Em mais de uma ocasião, o ombudsman da Folha de S.Paulo citou a série ‘DNA Paulistano’ (feita a partir de pesquisa Datafolha sobre as regiões de São Paulo e seus habitantes) como exemplo de trabalho jornalístico para o meio impresso.

Para Carlos Eduardo Lins da Silva, a série é exemplo de ‘debate aprofundado de temas de interesse público a partir de dados empíricos relevantes e confiáveis’

As operações da PF produzem farto material para séries e/ou cadernos especiais. Ou mesmo para que se possam revisitar operações passadas a partir de efemérides (um ano após a operação x, em que pé estão as acusações?).

Também no jornalismo investigativo os impressos precisam se reinventar.

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Jornalista, coordenador de projetos da Transparência Brasil