Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Blog do Mino

STF, MENSALÃO & MÍDIA
Mino Carta

Sentinelas baluartes, 30/08/07

‘A mídia nativa aí está, sentinela da democracia, baluarte do Estado de Direito, paladino da República. Como Carlos Lacerda a acusar Getúlio, como as Marchas da Família, com Deus e pela Liberdade, como o golpe de 1964, como o golpe dentro do golpe de 1968, como os torturadores e os censores da ditadura, como a rejeição da emenda das Diretas Já. Etc. etc.

A mídia nativa já decidira que só haveria um caminho para o Supremo Tribunal Federal redimir-se de muitos pecados do passado: aceitar em bloco a denúncia dos envolvidos no chamado mensalão. Para CartaCapital, cumprida pontualmente a tarefa pelo STF, não se trata de assumir a defesa dos 40 cidadãos que, de uma semana para outra, passaram para o banco dos réus. Trata-se de analisar com isenção o comportamento do tribunal. Quando a mídia nativa, representante inquestionável da minoria (branca, diria Cláudio Lembo) impõe sua vontade à Justiça, cabe temer pela resistência dos valores que ela proclama proteger.

A conversa pelo telefone ouvida pela repórter Vera Magalhães, da Folha de S.Paulo, entre o ministro Enrique Ricardo Lewandowski e um certo Marcelo parece não deixar dúvidas a respeito. ‘A imprensa acuou o Supremo’, disse textualmente o ministro, segundo o relato da jornalista. Surpresa? Nenhuma. O STF cede e confirma seu pobre destino. Em lugar de poder democrático, servo dos donos do poder, sol que nunca se põe.

De quatro anos para cá, intermináveis vezes me perguntei que diria Raymundo Faoro a respeito da situação de cada momento. Faoro morreu em abril de 2003 e faz muita falta. Que diria, neste exato instante, o jurista e historiador que nos deu a chave para entender os rumos da classe dominante, ou melhor, do estamento, desde a dinastia de Aviz em Portugal, até os dias de hoje no Brasil? Creio que, do alto do seu ceticismo, não daria sinais de estupor.

Nem mesmo ao tropeçar nas manchetes, tão clangorosas a ponto de precipitar a idéia de que os réus já estão condenados. São os fogos de uma celebração um tanto apressada. O processo pode alongar-se até cinco anos e, por ora, à luz de lições vetustas, mas sempre válidas, in dúbio pro réo. Válidas? Convém recordar a máxima dos barões, para os amigos tudo, aos inimigos a lei. Sem esquecer o contorno de outra, clássica regra de vida: bom cabrito não berra, a justificar a prática do esporte preferido, o chute do cadáver.

Insiste-se na palavra mensalão, mas o próprio, até o momento, não foi provado. Claro, pelo contrário, é o capítulo de um antigo enredo, intitulado caixa 2. Trata-se de uma história criminosa, embora já tradicional, e não somente da nossa política. Na Itália, tempos recentes, a Operação Mãos Limpas agiu em condições similares àquela que vivemos atualmente no Brasil. Não hesitou, porém, em investigar, além do presente, também o passado.

Tão profunda foi a ação que ali nasceu uma reforma partidária capaz de cancelar, por exemplo, a maior organização política italiana, o Partido Democrata Cristão, e até ex-primeiros- ministros foram condenados. O uso desbragado e acintoso do caixa 2 bastou, como bastaria aqui, sobretudo se alcançasse os fornecedores privados de subsídios e propinas, e vasculhasse os capítulos anteriores.

Poderíamos esperar uma Mãos Limpas à brasileira? Pois é, à moda da casa… Que diria Faoro? Receio que se declarasse descrente até desta hipótese. A Editora Globo lança em São Paulo, nesta sexta 31, um livro intitulado A República Inacabada. Ali estão as respostas definitivas às minhas indagações, dadas pelo próprio, grande amigo, que se foi.

O livro, organizado e prefaciado por Fabio Konder Comparato, reúne dois ensaios de Faoro, já publicados, A Assembléia Constituinte – A Legitimidade Resgatada, de 1981, e Existe um Pensamento Político Brasileiro?, de 1994, mais um artigo, Sérgio Buarque de Holanda, Analista das Instituições Brasileiras, de 1998. Como acentua Comparato, os textos mantêm extraordinária atualidade ao desenvolver as teses da obra principal do pensador, Os Donos do Poder.

A lição final, moral das histórias deste nosso Estado tragicamente inacabado, está na visão de Faoro, segundo quem, por obra dos senhores da vez, tivemos ‘uma República privatista’, ‘uma democracia sem povo’, ‘um liberalismo de fachada’ e ‘um constitucionalismo ornamental’.

Assim explica-se tudo e tudo se entende, bem como a incapacidade deste governo de sair por outra tangente. Até o momento, Lula permaneceu nos trilhos preestabelecidos e em larga parte repetiu os seus antecessores. E os privilegiados e seus aspirantes do segundo e terceiro times ainda reprovam o Bolsa Família, como se umas poucas dezenas de reais para eles fizessem alguma diferença, e querem ver o presidente-metalúrgico pelas costas.

Se me permitem, encerro com uma citação já feita neste espaço, colhida nos textos de Faoro e de Comparato. Trata-se da advertência feita há 196 anos por Hipólito José da Costa, fundador do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, impresso em Londres: ‘Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis; mas ninguém aborrece mais do que nós que essas reformas sejam feitas pelo povo; pois conhecemos as más conseqüências desse modo de reformar; desejamos as reformas, mas feitas pelo governo, e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é tempo, para que se evite serem feitas pelo povo’.

Dois séculos se passaram, e a advertência de Hipólito José caberia à perfeição em um editorial dos jornalões de hoje.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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