Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

MAINARDI vs. LULA
Diogo Mainardi

O fim da assombração

‘Adeus, Lula.

Eu já me despedi dele no passado. Formalmente. Solenemente. Quando? Numa coluna de março de 2005. Prometi que nunca mais tocaria em seu nome, argumentando que dedicara mais tempo a ele do que a Flaubert. Lula me emburrecia. Lula me empobrecia. Lula fazia brotar perebas em minha pele. Eu tinha de purgá-lo.

Deu tudo errado. Dois meses depois de me despedir de Lula, VEJA publicou a reportagem denunciando a propina nos Correios. Desde aquele dia, tenho falado sobre ele religiosamente todas as semanas. Foram dois anos de penitência, num estado de absoluta privação intelectual, isolado em meu rochedo ipanemense – o Diogo anacoreta -, assediado por Lula como Santo Antão pelo capeta. Numa semana, Lula aparecia diante de mim como a Rainha de Sabá. Em outra, ele assumia a forma de Amonaria. Em outra, de uma besta demoníaca, de uma cobra, de uma anta. Sim: estou fazendo um paralelo pernóstico com As Tentações de Santo Antão, de Flaubert. Há uma anta em Flaubert? Talvez eu esteja enganado.

Como hagiógrafo de mim mesmo, eu, o santificado Diogo, noto que o assunto de minhas colunas nunca foi propriamente Lula, e sim os instintos malignos que ele era capaz de despertar em cada um de nós. O conformismo. O analfabetismo. O parasitismo. A venalidade. A poltronice. A paralisia. Lula sempre representou para mim algo bem maior do que o Lula real. Com suas tolices, com suas idéias feitas – de novo Flaubert, hoje é dia de Flaubert -, ele era o símbolo de nossas características mais regressivas, de nosso atraso.

Na última semana, o STF mandou alguns dos maiores aliados de Lula diretamente para o banco dos réus. Lula negou que isso possa ser interpretado como um juízo contra seu governo. Pode sim. Por mais popular que ele seja, por mais votos que ele tenha tido, Lula ficará marcado para sempre como o presidente dos mensaleiros. É um estigma do qual ele jamais conseguirá se libertar. Menos pelo que fez José Dirceu, e mais pelo comportamento despudorado do próprio Lula. A camarilha petista se formou inicialmente para saldar as despesas da campanha presidencial. O primeiro receptador do dinheiro sujo do valerioduto foi Duda Mendonça. Assim que assumiu o poder, Lula pagou-lhe com contas publicitárias do governo. Escandalosamente, continua a pagar-lhe até hoje, no segundo mandato, mesmo depois do julgamento no STF, em que ele foi denunciado por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Apesar de tudo o que aconteceu, Duda Mendonça ainda tem as contas de publicidade da Petrobras e do Ministério da Saúde, cujos contratos foram renovados repetidamente nestes quatro anos, sem licitação. Lula já repassou a Duda Mendonça cerca de 500 milhões de reais. Isso sem contar os 10,5 milhões de reais do valerioduto.

Um dia conheceremos toda a história de Lula. Mas o fato é que o espectro lulista, que assombrou o país por tanto tempo, finalmente desapareceu. O eremita Diogo tem de descer do rochedo.’

ECOS DA DITADURA
Ronaldo França

Passado é história

‘Ao lançar, na semana passada, o livro Direito à Memória e à Verdade, sobre os crimes praticados durante a ditadura militar, o presidente Lula avançou sobre um terreno de delicada estabilidade. Não pelo que a obra traz. O livro, editado pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Justiça, relata em profundidade as investigações sobre o desaparecimento e a morte de centenas de militantes políticos naquele período. Dar às famílias desses militantes uma satisfação sobre o que ocorreu e, o que é ainda mais urgente, desvendar o destino dos restos mortais de seus familiares atende a um pleito justo. A abertura dos arquivos da ditadura – muitos ainda ocultos – é um passo importante para que a ferida imposta pelas atrocidades daquele período possa cicatrizar. O desafio é seguir por esse caminho sem produzir fissuras no terreno da democracia, que o Brasil conseguiu pavimentar com sabedoria.

Guerrilheiros mortos próximo a Xambioá, no Tocantins: registros escassos do período

Em 500 páginas, o livro descreve em detalhes a selvageria que se instalou nos porões da ditadura contra os militantes de esquerda – boa parte, nunca é demais repetir, disposta a qualquer coisa para instalar uma ditadura comunista igualmente sangrenta no país. Revela-se ali que teria sido rotineira a prática de decapitar os guerrilheiros no Araguaia. Há relatos de abusos sexuais contra presas e de como sessões de tortura ajudaram a produzir a farsa dos militantes arrependidos. O lançamento do livro durante um ato oficial no Palácio do Planalto, na semana passada, com a presença do presidente da República, de ministros de estado e senadores, irritou os militares. Afinal, era a chancela presidencial à narrativa. A reação foi clara. Os comandantes das três forças militares não compareceram. Mesmo os oficiais lotados no palácio deram seu recado. Acostumados a trabalhar fardados, desta vez foram vestidos em trajes civis, o que foi entendido por todos como um sinal de descontentamento. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, com seu estilo contundente e o senso de autoridade em permanente prontidão, avisou: ‘Que as Forças Armadas brasileiras recebam este ato como absolutamente natural. Não haverá indivíduo que possa a isso reagir e, se houver, terá resposta’. Os militares reagiram. Classificaram a frase de Jobim como uma ‘afronta desnecessária’. De fato, foi. A Lei da Anistia, promulgada em 1979, teve o mérito da eqüidade. Mas os ressentimentos por tudo o que aconteceu ainda existem, o que é compreensível, principalmente quando não se conhece o destino de familiares. O Brasil, porém, já tão adiante no caminho da democracia, não pode namorar com o precipício.’

CASO RENAN
Veja

Reação à farsa

‘Como tem sido rotina nos últimos meses na vida do senador Renan Calheiros, a operação para montagem de uma CPI feita sob medida para retaliar o Grupo Abril, que edita VEJA, foi uma manobra estabanada. Na semana passada, ficaram evidentes os métodos utilizados na engenharia do pedido de CPI. Boa parte dos deputados que assinaram o documento foi informada de que se tratava apenas de uma comissão para investigar as concessões de emissoras de rádio e TV pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Simples – e mal-intencionado – assim. Não se fazia menção à associação entre a TVA, empresa de televisão por assinatura do Grupo Abril, e o Grupo Telefônica, aprovada pela Anatel depois de nove meses de análise. Sem alicerces sólidos – engenharia não é o forte de Renan, e sim de seus amigos -, o projeto de vingança política do senador começou a ruir. Vários deputados se voltaram contra o esquema assim que perceberam a farsa. ‘Não posso concordar com uma proposta de CPI que venha a ser desvirtuada para servir de instrumento de pressão política contra a liberdade de imprensa’, afirmou em carta o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), o primeiro a se manifestar publicamente sobre a manobra dos asseclas de Renan.

A ilegitimidade da proposta de CPI construída por Renan já era evidente por se tratar de uma intenção solerte de vingança. Ela ficou ainda mais nítida diante da precariedade das razões alegadas. O negócio entre a TVA e a Telefônica obedece rigorosamente à legislação e é igual a outros já aprovados recentemente. Agora, a casa caiu diante da farsa da proposta do requerimento. Na semana passada, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) começou a articular uma retirada das assinaturas do documento. ‘Da forma desleal como essa CPI foi montada, ela não tem como ir adiante’, diz Gabeira. ‘Depois que assinei é que vi que se tratava de uma CPI para prejudicar um órgão de imprensa’, afirmou o deputado Ratinho Junior (PSC-PR). Jornais e entidades de classe também repudiaram a manobra (veja quadro abaixo). Renan, que não consegue se explicar no Senado e partiu para o ataque à imprensa, tenta, com sua manobra na Câmara, demolir um dos princípios da democracia.

(28 de agosto)

‘Deixar prosperar essa idéia insana de Renan é colocar em risco o instrumento da comissão parlamentar de inquérito, desmoralizando-o, e agredir a imagem da própria Casa, que tanto precisa ser revitalizada.’

(29 de agosto)

‘Ele (Renan) ainda posa de vítima de uma armação da Editora Abril, que edita a VEJA, para encobrir supostas irregularidades na venda da TVA à Telefônica, numa grotesca insinuação de que a CPI para investigar o negócio que inventou agora, à guisa de retaliação, já era projeto seu antes da primeira denúncia da revista.’

SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA

(28 de agosto)

O Grupo Abril tem sofrido pressões políticas justamente quanto à parceria com a Telefônica, iniciada em outubro de 2006. A SIP gostaria de informar que acompanhará atentamente a investigação e seus resultados e que espera que não se violem princípios que poderiam prejudicar o livre fluxo informativo e o direito do público de receber informações.’

TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Fúteis e úteis

‘Desde que viraram protagonistas de Simple Life – Mudando de Vida, reality show da Record em que duas patricinhas têm de trocar celulares e compras com cartão de crédito pela ordenha de vacas e limpeza de estábulos, as loiras Karina Bacchi e Ticiane Pinheiro colhem a mesma reação nas ruas. ‘Estão rindo da minha cara’, diz Karina, que no ar é tratada como ‘Ka’. Ticiane – ou ‘Tici’ – virou alvo de chacota no posto de gasolina. ‘Outro dia parei para abastecer e perguntaram se eu não sabia mesmo tirar leite de vaca’, diz. Loiras e assumidamente fúteis, as atrizes e modelos passaram quarenta dias numa fazenda no interior paulista, onde tiveram de dar banho em porco, guiar carroça e vestir-se de abelhinhas para vender mel. Elas gritam ao ver uma galinha sendo estrangulada, mooooorrem de nojo quando têm de varrer esterco e confundem capim com cana. Graças a todo esse conteúdo, o ibope sorriu para Ka e Tici – que aceitou o ‘desafio’ de participar da atração para mostrar seu ‘eu verdadeiro’ e desfazer a imagem de ‘mulher metida de empresário’ (o publicitário e apresentador Roberto Justus). Em exibição há dois meses, Simple Life converteu-se numa das maiores audiências da Record. Repete, assim, a trilha de sucesso da matriz americana estrelada por Paris Hilton, herdeira da cadeia de hotéis (e que recentemente conheceu o outro lado da palavra ‘cadeia’ ao ser condenada à prisão por dirigir embriagada), e Nicole Richie, filha do cantor Lionel Richie.

A inversão de papéis já foi explorada por vários ângulos nos reality shows. No inglês Tudo É Possível (exibido tempos atrás na TV paga) mostrava-se como, com algum esforço, qualquer um pode se fingir de especialista num ramo que não domina. Simple Life segue numa direção oposta: propicia ao espectador a experiência de se sentir um ser superior diante da inépcia das patricinhas. No original americano, Paris e Nicole abraçam esse papel com o ar blasé de quem não está nem aí com nada. A postura das brasileiras está mais para a de duas crianças crescidas. Elas aprontam travessuras pré-escolares como jogar talco numa jaguatirica empalhada e fazer guerra de farinha. ‘Assumo o meu lado infantilóide’, diz Ka. ‘Artistas que se levam a sério acabam com depressão.’

Muito da ‘realidade’ de Mudando de Vida é pura ficção. Se as experiências vividas por elas transcorressem naturalmente, seria complicado produzir episódios tão idênticos aos americanos. As atividades da dupla eram definidas antes das gravações. E, se faltasse dramaticidade ou um toque de humor à cena, não era incomum solicitar ao povo da roça que desse um pito nelas. O isolamento e a privação também tiveram exceções. Roberto Justus volta e meia ligava para matar a saudade de Tici.

As patricinhas têm diferenças de estilo. Tici se acha imbatível em frescura, e tira o chapéu para o arrojo da colega. ‘A Ka usa até piercing’, diz (a localização de um deles, por sinal, causou furor num ensaio dela para a revista Playboy). De fato, Ka é irrequieta. Antes do programa, participou do piloto de uma série com o mesmo espírito que teve alguma repercussão no YouTube (veja quadro). Na Record, onde atua também como atriz, já deixou claro que gostaria mesmo é de ser apresentadora. No momento, negocia um aumento para participar da segunda temporada de Simple Life. Na primeira, ganhou 60 000 reais – agora, quer em torno de 100 000 reais. Ela não se presta ao ridículo por pouco.

Simple Life está no centro de uma disputa entre a Record e o SBT. A rede de Edir Macedo pretende entrar em breve com uma ação contra a concorrente pelo suposto plágio de seu programa no Domingo Legal, de Gugu Liberato. No quadro Trocando as Bolas, David Brazil – ‘promoter’ e figurinha carimbada no meio gay carioca – protagonizou o mesmo tipo de patacoada rural das patricinhas. De galochas cor-de-rosa e tiara, ele ataca em cena sempre com uma companhia não menos espalhafatosa (há duas semanas, tirou carrapatos de ovelhas ao lado da socialite Narcisa Tamborindeguy). Coincidência ou não, antes de Simple Life sair do papel Brazil tinha atuado com Karina Bacchi numa produção independente inspirada no programa americano. Como informa Karina, a série Querido Diário chegou a ser mostrada à Fox, detentora dos direitos sobre o reality show. Além disso, conquistou alguma popularidade no YouTube. A emissora de Silvio Santos nega qualquer imitação – diz que o Trocando as Bolas é um quadro antigo que foi reformulado (em tempo: a Fox não vê razão para processar o SBT). Disputas à parte, o episódio põe em evidência o que se pode chamar de ‘efeito manada’: a tendência de as redes investirem em idéias já testadas, em vez de programas originais. Tempos atrás, ironicamente, o próprio Silvio foi à Justiça para proibir um humorista da Record, Tom Cavalcante, de imitar seus quadros famosos. Agora, é a Globo que não descarta processar o mesmo Tom por suas paródias dos programas de Ana Maria Braga e Faustão.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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