Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A renúncia do vice-presidente



Na quarta-feira (17/7), este Observatório tomou conhecimento da carta-renúncia do jornalista Audálio Dantas, vice-presidente da centenária Associação Brasileira de Imprensa (ABI), publicada a seguir. Devido à gravidade das acusações que o documento desfia, foi pedida ao presidente da entidade, jornalista Maurício Azêdo, uma posição sobre a crise na seção paulista da ABI. As solicitações foram encaminhadas, por e-mail, para o endereço da presidência da ABI (às 14h31 de quarta, 17/12) e para o endereço pessoal de Azêdo (às 14h18 de quinta-feira, 18/12), informando a intenção de publicar o material na manhã desta sexta-feira, 19. Como não obtivemos resposta da ABI, a carta de Audálio Dantas vai sem o desejável ‘outro lado’ – o que não nos desobriga de publicar a manifestação da presidência da entidade, tão logo a recebamos. (Luiz Egypto)


Ao jornalista Pery de Araújo Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI


c.c. Jornalista Maurício Azedo, Presidente da ABI; Membros da Diretoria; Membros do Conselho Deliberativo; Membros do Conselho Consultivo; Membros do Conselho Fiscal; Membros do Conselho Consultivo da Representação em São Paulo.


Companheiros,


Profundas divergências em relação aos métodos empregados na administração da Associação Brasileira de Imprensa, hoje quase totalmente submetida à vontade de seu presidente, levam-me a apresentar minha renúncia aos cargos de vice-presidente da entidade e de presidente de sua Representação em São Paulo.


Essa decisão, tomada depois de várias discussões no âmbito do Conselho Consultivo da Representação, deve-se à constatação de que o projeto que tínhamos o propósito de realizar para fortalecer a presença da ABI em São Paulo tornou-se inviável, não só pela inoperância da máquina burocrática instalada no Rio de Janeiro, mas principalmente pela absurda concentração das decisões nas mãos do presidente da Casa e de seus prepostos, alguns dos quais sequer são funcionários da entidade.


Os problemas decorrentes dessa situação vêm comprometendo gravemente o funcionamento da entidade, causando-lhe prejuízos de toda ordem. O mais grave, porém, é que, submetida ao autoritarismo do atual presidente, a ABI está jogando no lixo toda uma história de lutas que a transformaram numa trincheira da democracia liberdade de informação e expressão e da defesa das grandes causas nacionais.


O passado construído por figuras da dimensão de Barbosa Lima Sobrinho, Herbert Moses e Prudente de Moraes, neto, hoje serve apenas como tema de discursos empolados que ocultam a verdadeira situação da ABI.


Enquanto se repete o discurso libertário, em ocasiões festivas como as que ocorreram durante as comemorações do centenário da ABI, pratica-se internamente toda sorte de arbitrariedades. Nas mãos do atual presidente, o estatuto da ABI é letra morta. As decisões de maior relevância são tomadas sem o conhecimento da diretoria, mesmo porque não são realizadas as reuniões quinzenais determinadas pelo estatuto. São tomadas, também, decisões absurdas. Recentemente, a logomarca da ABI foi inserida em informe publicitário de entidades que congregam hotéis, restaurantes, bares e similares, entre as quais a Apam – Associação Paulista de Motéis –, condenando um projeto de lei que restringe os ‘direitos dos fumantes’ em locais públicos. No caso, juntamente com tais entidades, a ABI se manifesta ‘pela liberdade de escolha’.


‘A proposta caiu no vazio, como muitas outras’


O Conselho Deliberativo, órgão superior da administração da ABI, ao qual cabe discutir e aprovar as propostas do colegiado diretivo, foi praticamente transformado em instrumento homologatório das decisões tomadas pessoalmente pelo presidente da ABI.


As reações a essa situação absurda são respondidas, em várias ocasiões, por discursos agressivos e desrespeitosos pelo presidente. Conselheiros ou diretores que ousam contrariá-lo são tratados como inimigos e, muitas vezes, destratados, como ocorreu recentemente, quando a um deles foi dito, aos gritos, que ‘não significa nada, não representa nada’.


Foram atitudes como esta que levaram a que nada menos de cinco diretores tenham renunciado a seus cargos, como foi o caso da diretora administrativa Ana Maria Costabile. Um funcionário admitido pela Presidência com poderes de interventor, ofendeu-a com palavras de baixo calão, diante de todo o pessoal da Secretaria, chegando a ameaçá-la de agressão física. O caso terminou numa delegacia de polícia.


As manifestações escritas, mesmo quando assumidas coletivamente, têm sido simplesmente ignoradas. Foi o caso do documento assinado por oito dos onze membros (três não estiveram presentes à reunião que discutiu e aprovou o texto) do Conselho Consultivo da Representação de São Paulo, contendo críticas à presidência da Casa, em virtude de decisões tomadas a respeito do 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor, em novembro do ano passado. Além de críticas, o documento propunha medidas como uma forte campanha de filiação à ABI no estado de São Paulo, com a aplicação de parte dos recursos financeiros obtidos pela Representação para a realização do evento. Não era a primeira vez que se tentava encontrar os meios necessários para a consolidação da Representação, tornando-a capaz não apenas de atrair mais associados, mas de obter os recursos suficientes para sua manutenção, sem depender de aportes da sede. Mas a proposta caiu no vazio, como muitas outras.


Levado a reunião do Conselho Deliberativo pelo presidente da ABI, o documento foi interpretado como manifesto ‘subversivo’, tentativa ‘separatista’ da Representação de São Paulo. Numa atitude de total desrespeito aos integrantes do Conselho Consultivo da Representação, ele nunca foi respondido. Esse conselho, é importante frisar, é composto por figuras da mais alta representatividade de diversas áreas do Jornalismo em São Paulo, além de representantes dos estudantes, professores e dirigente de associação de jornais.


‘Seria exaustivo citar exemplos de desrespeito à história da ABI’


Da mesma maneira não obteve resposta o documento que eu, na condição de vice-presidente da Casa, enviei ao Conselho Deliberativo em 17 de abril deste ano, a respeito do processo eleitoral para renovação do terço de integrantes deste órgão. O documento contém a grave afirmação, nunca contestada, de que a eleição foi fraudada, uma vez que não foram respeitados prazos, constituição da comissão eleitoral, inscrição de chapas e outras exigências do Regulamento Eleitoral.


A discussão sobre o atropelamento do processo eleitoral pelo presidente da ABI, na reunião ordinária do Conselho Deliberativo, no dia 15 de abril, teve desfecho trágico: o conselheiro Arthur Cantalice, que usava da palavra para criticar os métodos postos em prática pela direção da Casa para a realização da eleição, caiu fulminado por um ataque cardíaco. Pouco se falou sobre esse lamentável fato. E nada se disse sobre o documento por mim apresentado dois dias depois, na continuação da reunião do Conselho. Na verdade, tentou-se escamotear a sua existência. O documento só foi lido quando um grupo de conselheiros se levantou e exigiu que isso fosse feito.


Em sua conclusão, o texto resume a própria situação da ABI: ‘Tudo isso (a série de desmandos) constitui desrespeito não apenas a um regulamento, mas à entidade que, em cem anos de história, contribuiu de maneira marcante para a defesa da democracia, da liberdade de expressão e defesa dos direitos dos cidadãos. E acrescenta que é uma contradição que, ‘enquanto vários setores da sociedade que reconhecem na ABI uma trincheira da de democracia, um bastião da liberdade, lhe prestam grandes homenagens, estejamos nós, seus diretores, a discutir uma questão como esta do atropelamento de um processo eleitoral’.


Seria exaustivo citar outros exemplos de autoritarismo e desrespeito à própria história da ABI. Mas o fato é que eles, hoje, fazem parte do cotidiano da entidade. Convivi com essa situação, obviamente dela discordando, até o limite da tolerância, atendendo a ponderações de companheiros da diretoria e do Conselho Deliberativo. Minha renúncia, diziam, prejudicaria a imagem da ABI, que estava para comemorar o seu centenário.


Chegou, porém, o momento em que continuar é impossível.


‘Não tenho o direito de silenciar diante do autoritarismo’


Convidado a participar da diretoria da Casa, num momento em que, esperava-se, ela poderia ser fortalecida para retomar a sua quase secular trajetória de luta democrática, aceitei o encargo com a mesma disposição com que participei dessa mesma luta, em outras frentes.


Minha história é conhecida. Jamais me calei na luta contra a injustiça e o arbítrio.


Não tenho o direito de silenciar diante do autoritarismo que hoje domina a ABI. Espero que a minha renúncia, em caráter irrevogável, possa contribuir para que diretores, conselheiros e associados da mais importante instituição de imprensa do País reflitam e tomem decisões que a reconduzam ao seu destino histórico, que é o da defesa da liberdade.


São Paulo, 15 de dezembro de 2008.


Audálio Dantas


***


Conselho Consultivo-SP também renuncia


Em solidariedade ao companheiro Audálio Dantas, os membros do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Imprensa, representação São Paulo, apresentam, por este meio, pedido de irrevogável renúncia coletiva.


Sustentam este pedido as mesmas razões expostas por Audálio Dantas em sua carta de renúncia, entre elas a impossibilidade de continuar a aceitar os métodos autoritários do atual presidente da entidade, Sr. Maurício Azêdo, na administração da ABI. São inaceitáveis as suas continuadas atitudes de ofensivo desrespeito ao homem digno e ao cidadão exemplar que é Audálio Dantas, admirável protagonista de lutas históricas em favor da liberdade, da democracia e dos direitos humanos.


Atestamos que todos os fatos apontados na carta-renúncia de Audálio Dantas são rigorosamente verdadeiros. A gravidade do que se relata justifica, portanto, e plenamente, a atitude tomada por ele, que deve ser entendida como gesto de grandeza em defesa da própria ABI, cuja história centenária a identifica e qualifica como instituição símbolo dos ideários democráticos da Nação brasileira.


E essa História vem sendo vilipendiada pelos comportamentos inadequados do atual presidente da instituição.


Por isso, e em favor da preservação da ABI, Audálio Dantas renuncia. E nós o acompanhamos, solidariamente.


São Paulo, 17 de dezembro de 2008. (Assinam: Alberto Dines, Carlos Marchi, Eduardo Ribeiro, Egydio Coelho da Silva, Gioconda Bordon, José Marques de Melo, Laurindo Lalo Leal Filho, Leandro Buarque, Manuel Carlos Chaparro, Ricardo Viveiros e Sérgio Gomes da Silva)