A ‘novidade’ que mais chamou atenção na cobertura jornalística da guerra do Iraque foram os jornalistas embedded (que pode ser traduzido como embutido, encaixado). O fato de se deslocarem junto com as tropas enquanto elas avançavam na conquista do território iraquiano proporcionou uma proximidade maior com o campo de batalha, ao mesmo tempo em que suscitou uma série de dúvidas éticas.
As aspas em novidade se justificam porque suas origens remontam à Guerra da Criméia (1853-1856), que opôs britânicos, franceses, sardos e otomanos ao império russo. Como destaca Kuhn (2005), o irlandês William Howard Russel, repórter do Times, de Londres, deslocava-se junto com a Brigada Ligeira britânica e sofreu pressão das autoridades civis e militares do Reino Unido. Da mesma forma, Araújo Neto (2005) diz que a cobertura na guerra do Iraque tratou mais de uma relação de continuidade que de ruptura em relação às guerras anteriores. Para ele, o alinhamento com o governo é uma tendência da mídia quando há um conflito armado e a figura do jornalista acompanhando as tropas já estava presente nas guerras mundiais.
Barreira adicional
De qualquer forma, a guerra do Iraque representou uma ruptura em relação às duas guerras anteriores de grande porte em que os Estados Unidos se envolveram: Vietnã e a primeira Guerra do Golfo (Araújo Neto, 2005). No caso do Sudeste Asiático, a cobertura televisionada ajudou a formar na opinião pública norte-americana, uma posição contrária à guerra, sendo considerada pelo governo a culpada pela derrota (Carvalho, 2004). Já no caso do Golfo, adotou-se a postura de manter as tropas afastadas da imprensa.
Com a guerra do Iraque, foi decidido que os jornalistas poderiam acompanhar as tropas, noticiando suas ações ao vivo, conquanto aceitassem uma série de normas. Isso permitiria um controle mais descentralizado da imprensa, além de ser, à primeira vista, considerado um avanço no trato com os jornalistas. Os embedded não poderiam informar sobre as operações em curso, sobre a efetividade do inimigo ou sobre a identidade dos prisioneiros feitos, além de terem que viajar nos carros militares ao lado dos soldados (Kuhn). Isso tinha relação não apenas com os interesses dos militares, mas também com a própria segurança dos repórteres que se deslocavam com eles, trazendo conseqüências negativas. Como lembra o professor de Ética e Legislação em Jornalismo no Uniceub (Centro Universitário de Brasília) Sérgio Euclides de Souza, o público tem todas as razões para acreditar que o embedded é o porta-voz de quem o protege.
Outro fator lembrado por Araújo Neto (2005) é que a proximidade entre jornalistas e soldados ajuda a criar laços afetivos. Tais laços atuam como uma barreira adicional que impede a transmissão de determinadas informações que venham a prejudicar ou contrariar as tropas e seus generais.
Não há cobertura isenta
A atuação da imprensa norte-americana na guerra do Iraque, portanto, não tendeu a noticiar a verdade, mas a atender duas demandas: a popular e a do governo. No primeiro caso, a presença dos repórteres deu um maior realismo à cobertura, assemelhando-se aos reality shows da TV (Garcia, 2003). Ao mesmo tempo, não deveria se indispor com a opinião pública que, no caso dos Estados Unidos, era favorável ao conflito, nem parecer antipatriótico (Garcia, 2003). No caso do governo, desobedecê-lo implicava o fim da possibilidade de cobrir a guerra do front. É óbvio concluir que a cobertura saída dessa situação está longe da realidade, uma vez que a imprensa é usada pelos militares como parte do esforço de guerra. A mídia, por sua vez, no desejo de audiência ou de simplesmente encampar a visão oficial do seu país, esconde parte dos fatos.
O jornalista português Carlos Fino, que cobriu a guerra pela TV estatal portuguesa RTP, foi o primeiro a noticiar o bombardeio de Bagdá. Ele também compartilha a opinião de que a mídia dos Estados Unidos teve uma atuação lamentável, mas faz ressalvas quanto à figura do embedded. Fino acha que em certas situações, quando a única possibilidade de cobrir um evento é por esse meio, deve-se arriscar. Para ele, há uma margem de manobra de que o repórter pode se aproveitar para passar informações. Ele cita sua própria experiência no Iraque em que, segundo ele, foi uma espécie de embedded do lado iraquiano. Seus movimentos eram limitados pelos tradutores, motoristas e outros empregados do governo iraquiano, mas a partir de um certo momento eles passaram a fazer vista grossa para algumas ações dos repórteres que, em tese, deveriam ser proibidas. As relações afetivas, afinal, também tinham o lado inverso na cobertura. Carlos Fino, porém, é realista e diz que dependendo da quantidade de condicionantes, não há como fazer uma cobertura isenta.
Horror e devastação
Cobrir uma guerra é uma questão delicada. A verdade, que em teoria é o objetivo do repórter, é frágil. Ter um jornalista embedded é uma opção para conseguir informações de um dos lados, mas torna-se problema quando ganha destaque em demasia, balançando a cobertura para um dos lados.
O equilíbrio, no entanto, pode ser alcançado. Carvalho (2004) cita o exemplo da BBC. Nos primeiros dias do conflito, os repórteres embedded tiveram destaque com as notícias do avanço das tropas norte-americanas e britânicas. Posteriormente, elas foram cedendo espaço para o horror e devastação da guerra, feita por repórteres sem as imposições dos embedded. Especialistas em Oriente Médio, nos estúdios em Londres, terminavam por contrabalancear o enfoque dado aos avanços militares. Embora com um começo vacilante, a emissora soube no fim ter um certo equilíbrio.
Bibliografia
ARAÚJO NETO, Antônio Martins. O jornalismo na Guerra do Iraque: a relação entre jornalistas, militares na era dos repórteres embutidos. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005. Mestre em Jornalismo Internacional pela Universidade de Westminster, Reino Unido, e professor dos cursos de Jornalismo da Associação de Ensino Superior de Olinda (Aeso) e Universidade Salgado de Oliveira (Universo), no campus Recife
CARVALHO, Anabela. 2004. O Iraque nas televisões européias: representações da segunda guerra do Golfo. Disponível aqui, acessado14/11/2008. Professora da Universidade do Minho, Instituto de Ciências Sociais, Departamento de Ciências da Comunicação
GARCIA, Tânia. Bush x Saddam – representações de uma guerra. In: Facom – nº 11 – 2º semestre de 2003, pp. 49-52. Professora de Sociologia da Comunicação II na Facom-Faap e História Contemporânea do Departamento de História da UNESP/Franca. Mestre em Ciências Sociais pela UFSCAR e doutora em História Social pela USP
KUHN, Adriana. 2005. A história dos correspondentes brasileiros de guerra e sua relação com o poder estatal e militar. Disponível aqui, acessado em 16/11/2008. Especialista em jornalismo de conflitos pela Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha, e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Entrevistas
Carlos Fino – Jornalista português, cobriu a guerra do Iraque para a TV estatal portuguesa RTP e foi o primeiro a noticiar o bombardeio de Bagdá. Atualmente trabalha como conselheiro de imprensa na embaixada de Portugal.
Sérgio Euclides de Souza – Professor das disciplinas de Ética e Legislação em Jornalismo, de Crítica da Mídia e de Teorias da Comunicação no Uniceub – Centro Universitário de Brasília.
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Estudante de Telejornalismo 1-A, Faculdade de Comunicação – UnB, Brasília, DF