Mais um ano em vias de encerramento e a regra, como de praxe, é posta em prática: a maioria dos veículos lança cadernos especiais, matérias e reportagens de retrospectiva dos momentos marcantes. O gesto, que não deixa de ser excelente recurso de pauta complementar (de aprovação pública garantida), é sempre um motivo para avaliar a cobertura mídiática em relação aos referidos acontecimentos.
Para chegar a um bom termo, aliás, nem precisamos ir tão longe. É suficiente darmos conta destes dias corridos de dezembro, profícuos em notícias interessantes, como a votação pela demarcação contínua do território da Reserva Raposa Serra do Sol, o rebaixamento do Vasco da Gama, a contratação do jogador Ronaldo pelo Corinthians, a interrupção e o retorno às bancas do jornal Tribuna da Imprensa, a morte do ex-PM Marcelo Silva, o julgamento de um dos envolvidos no assassinato do menino João Roberto e a turnê da cantora Madonna. Enfim, período de intenso movimento nas redações.
Todas as ocorrências foram pautadas, como não poderia deixar de ser. A ordem de prioridades, no entanto, merece observação. No topo, absoluto, o sensacionalismo visceral em torno dos fatos que supostamente atraem a massa: a trágica morte do ex-marido da atriz e o show da diva pop. Foram – e são – extensas suítes e intermináveis links com riquezas de detalhes irrelevantes, como os que descrevem itens do cardápio dos camarins da cantora, de seus filhos e de seu staff.
Jornalismo colaborativo preenche lacuna
Sobre o falecimento do ex-PM, um jornal popular chegou a destacar, em capa deste domingo, declaração de religioso que credita o desfecho infeliz à ação de magia negra. A última edição da revista Veja, que também traz o caso estampado em capa, é um belo e encorpado resumo, em que se tem a oportuna idéia de comparar o drama real a cena de ficção.
Quanto aos temas esportivos, a atenção à recente aquisição do clube paulista, carregada de especulações, foi muito maior que a dada ao rebaixamento do time carioca. De qualquer modo, pode-se dizer, ambas satisfatórias. Por fim, os desdobramentos do episódio de Roraima, que foram explorados a contento apenas pelo Globo e Estadão; a absolvição de um dos acusados do homicídio de João Roberto, que teve, talvez pela primeira vez, enfoque coerente (possivelmente porque, nesta ocasião, havia fartura de assuntos a perscrutar); e o da Tribuna da Imprensa que, como já colocou Alberto Dines, foi propositalmente ignorado pela grande mídia.
Enquanto isso, e como de hábito, passam ao largo outras questões, como o debate realizado na ABI (Associação Brasileira de Imprensa) sobre a necessidade de uma nova Lei de Imprensa, com presença da autora de projeto que tramita no congresso, a senadora Seres Slhessarenko,e o presidente da casa, Maurício Azêdo, entre outros. A discussão, que certamente interessa à imprensa, deveria dizer respeito também à sociedade, uma vez que pode afetar os modos de se transmitir informação. A comunicação informal – o chamado jornalismo colaborativo – entretanto, através de blogs e sites particulares, acabou preenchendo a lacuna deixada pelos meios tradicionais. O que tem sido natural, ultimamente.
Em tempos idos, se não houvesse novidade, saía-se à rua para morder cachorro. Hoje, pelo visto, a moda é cutucar os animais feridos.
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Estudante de Jornalismo, Rio de Janeiro, RJ