Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma influência incontestável

Meu talento, numa terra de capachos, se manifesta contestando. Aparece fácil. Não há praticamente competição.

Polemista político, cultural e social, Paulo Francis marcou época. Amado por muitos, odiado por outros tantos, era impossível permanecer indiferente aos seus textos, sempre repletos de opiniões, ironia, bom humor e, claro, muita cultura. Em várias ocasiões, exagerou, e chegou a apanhar por isso, mas, apesar dos defeitos, foi uma influência incontestável tanto para jornalistas quanto para leitores.

Como Flaubert, acredito que se pode avaliar um homem pelo número de inimigos que faz e a importância de seu trabalho pelo que provoca de oposição.

O Paulo Francis polemista nasceu no dia em que ele e dois amigos críticos de teatro combinaram de só escrever sua verdadeira opinião sobre as peças – sem medo de desagradar alguém. Quando se tornou jornalista, do mesmo modo que opinava sobre atores e diretores, passou a escrever sobre os mais diversos temas: política, economia, relações internacionais, arte, ou qualquer assunto que estivesse em destaque. Seu estilo era irresistível e – concordando ou não com suas opiniões – imperdível. Com um texto agressivo, sarcástico e muito descontraído, Francis conquistava admiradores e inimigos, e principalmente, provocava debates.

A glória da imprensa foi feita por gente de opiniões fortes e inconformistas.

A mistura de inteligência, cultura e coragem para dizer o que pensa era o diferencial de Francis. Sem papas na língua, opinava sobre tudo e todos. E não eram apenas as opiniões de Francis que atraíam, mas a maneira como ele as emitia, a personalidade com que as lançava. Francis gostava de provocar os leitores. Ao expor suas opiniões – e da maneira que fazia – queria cutucá-los em suas crenças, e assim, quem sabe, estimulá-los a pensar e formar suas próprias opiniões. O texto sucinto, irônico, descontraído, repleto de frases de efeito, completamente livre de eufemismos e extremamente provocador era único. Uma reminiscência de um jornalismo já quase extinto, anterior à década de 60, e encontrado em polemistas como Carlos Castello Branco, Gustavo Corção, Nelson Rodrigues, e em seu maior ídolo, o crítico de teatro irlandês Bernard Shaw.

Além das provocações, tinha também muita informação culta, cosmopolita, levando, com seu fraseado contagiante muitos jovens leitores a descobrir o prazer da vida cultural. Francis criticava o Brasil, e jogou na cara dos brasileiros todos os seus defeitos, seu conformismo. Sempre inconformado, em várias ocasiões enfrentou a opinião dominante: trotskista, atacou a esquerda stalinista; esquerdista, se opôs ao regime militar; liberal, defendeu as privatizações quando todos afirmavam que o país estava sendo ‘vendido’.

Muitas vezes foi criticado por mudar suas opiniões – passou, por exemplo, de comunista a neoliberal –, mas era justamente esta vontade de ‘chacoalhar certezas’ (inclusive suas próprias), estimular a reflexão, que o fazia tão provocador. No final de O Afeto que se encerra, deixa clara esta sua postura: ‘Minha cabeça se examina e se auto-examina constantemente. É meu inferno e delícia, minha única justificativa plausível de alegar que evoluí dos macacos. Aceito os riscos e incertezas dessa liberdade, essencialmente modesta, pois me acho disposto a aprender do que ou de quem me persuadir. Ainda que sozinho continuarei assim, mas sei que estou muito bem acompanhado’.

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Estudante de Jornalismo da UFSC