Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que duvidar do ano-novo

Certa vez, um amigo escritor chamou-me a atenção para uma passagem bíblica que muito me impressionou: ‘Rosto alegre é sinal de bom coração, mas inventar provérbios é trabalho fatigante’ (Eclesiástico, capítulo 13, versículo 26).


Seja lá quem tenha redigido esse surpreendente desabafo, posso afirmar, sem o risco de enrubescer as faces da lógica, que ele era feliz e não sabia. Vivesse nos nossos dias, pouco poderia contra as matreirices da rotina jornalística brasileira, e esse é um exemplo que insiste em meter o pé na soleira da porta que, afinal, haverá de fechar-se na cara de mais um período que se fingirá esgotar. Como se, dali em diante, apenas por um acordo com o calendário, assomasse uma fresta qualquer para a esperança de um mundo melhor.


A arte de inventar provérbios pode ser exaustiva, mas é plenamente recompensável pela certeza de que ninguém ali estará a conversar com os peixes. Nada, em contraste, parece convencer-me da eficácia da crítica em sua busca por emergir de si mesma, sem que se esgote em um estranho solilóquio: de perto afigura insano e, por seu fracasso, autodepreciativo; de longe, é palma e apupo para maluco dançar.


Era do desprezo


Pouco se pode contra a futilidade daqueles que se crêem inteiros. Em que pese a persistência dos que desejam ostentar-lhes os cacos, têm-se, os primeiros, arrastado pelos anos, portadores que são de um paradoxo malcheiroso: à medida que rastejam, eternizam vestígios que, ainda que denunciantes de um passado, somam-se àqueles que a tudo unificarão, como marca da Era Entronizada do Desprezo, caracterizada pelas investidas reiteradas contra os direitos cunhados por uma Nação que se supõe democrática e, num laivo de ingenuidade, livre.


O ano que passou deveria, pois, esgotar-se em trezentos e tantos dias de acertos e de erros jornalísticos. A leitura diária deste Observatório não parece, contudo, autorizar-nos uma conclusão, em seu sentido estrito.


A despeito de tantos artigos que os alertaram, ao largo de dezenas de episódios, muitos editores, repórteres e redatores persistiram na semeadura das mais variadas aberrações. Aqui, um réu pré-condenado, sem direito a julgamento; ali, uma alcunha policialesca, dessas que aferram a pessoa a um fato pré-fabricado.


Ideólogos chinfrins travestiram-se de jornalistas ‘isentos’. O público gostou quando queria gostar e odiou o que sempre gostou de odiar. A minoria pensante reagiu e, fora de época e de lugar, continuará a abraçar a própria sombra, entre perplexa e carente da atenção de uma gente que ainda está por nascer.


Não acredito em jornalistas, tampouco em críticos e leitores. Acredito, no entanto, em dilúvios.


Antes do cataclismo, preparemo-nos para o Ano-Novo.

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Jornalista