Um rápido estudo sobre as fontes de informações do jornalismo econômico, citadas em reportagens ou como autores de artigos, pode dar uma pista sobre as raízes da homogeneidade observada na imprensa brasileira.
Entre o segundo semestre de 2007 e o primeiro semestre de 2008, pelo menos 70% das fontes se repetiram nos cadernos e economia da Folha de S.Paulo e do Estado de S.Paulo e nas respectivas seções das revistas Veja e Época.
A Gazeta Mercantil e Valor Econômico, mais dedicados a negócios, têm uma diversidade maior de fontes, mas nas seções de macroeconomia também se repetem as citações, embora em menor proporção.
Entre os mais assiduos opinadores da chamada grande imprensa, cinco são ex-ministros ou ex-figurões do Banco Central: Mailson da Nóbrega é o mais freqüente, na companhia de Pedro Malan, Luiz Carlos Mendonça de Barros, Delfim Netto (basicamente em artigos) e Armínio Fraga. Aparecem bastante também Carlos Thadeu de Freitas e Ilan Goldfajn, que já trabalharam no BC.
No mais, são muito consultados os executivos de instituições financeiras, economistas-chefes de bancos de investimento e profissionais das grandes consultorias, além de consultores independentes e professores das faculdades de economia de melhor reputação. Quase sempre os mesmos.
Síntese dos limites
Apesar de não se tratar de um estudo científico, essa observação ajuda a entender por que razão os jornais dão a impressão de ser dirigidos pela mesma cabeça. Também não seria absurdo notar que a falta de diversidade na escolha de fontes indica que os editores assumem e reproduzem certos pressupostos, seja qual for a situação indicada pelo noticiário.
Na semana da passagem do ano, a Folha de S.Paulo citou o economista Ladislau Dowbor numa reportagem sobre metodologias alternativas para a mensuração do desenvolvimento. Embora seja dono de respeitável currículo, tento atuado por mais de trinta anos como consultor da ONU, Dowbor é figura rara no noticiário econômico.
Ainda não foi possível constatar se o fenômeno se repete em outros temas, como a política e as questões urbanas ou de educação. O estudo das fontes de informação da imprensa com certeza ajudaria a entender como a opinião do público pode ser direcionada para determinadas tendências.
Pela freqüência com que aparecem nas páginas de jornais e revistas, em programas de radio e TV, certas figuras notórias da mídia representam certamente o melhor da inteligência nacional. Ou a síntese dos limites a que a imprensa está disposta a se expor nos grandes debates públicos.
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Hora de refletir
A inauguração de um novo ano é sempre uma oportunidade para a reflexão e a renovação. No caso da imprensa, a crise financeira internacional, que neste novo ano ameaça atingir os fundamentos da economia real, deveria servir como inspiração para algumas mudanças.
Desde os anos 1980, os jornais e revistas vêm seguindo certos dogmas que já dão sinais de fadiga. Um deles, e talvez o fundamental, é o conjunto de pressupostos que acompanha a convicção de que vivemos em um mundo pós-moderno.
Esse conjunto de crenças que compuseram a base teórica das reformas por que passaram quase todos os jornais nesse período repete de certa forma o que se deu no mundo das artes e espetáculos, onde a mediação passou a ser mais importante do que a obra.
A rigor, a imprensa acaba criando um universo auto-referente no qual há pouco espaço para o contraditório.
Quebrar consensos
Alguns estudos sobre a linguagem da mídia, como aqueles dedicados à crítica de arte e literatura pelo ensaísta e poeta Affonso Romano de Sant´Anna, revelam que estamos imersos numa sopa de sofismas tratados como verdades absolutas. Um deles, aquele segundo o qual o mercado financeiro é capaz de se auto-regular e prescinde do controle social, acaba de se transformar em pó.
Outra característica que merece uma análise mais profunda neste momento de reflexão é a insistência em abordar a natureza complexa do mundo contemporâneo com disciplinas antiquadas. Na política, por exemplo, o círculo do noticiário se encerra nas instituições tradicionais, ignorando-se o poder das redes sociais, que compõem instituições virtuais também capazes de atuar.
O ano acaba de nascer, de um parto difícil e com dias sombrios pela frente.
A imprensa precisa se abrir para o novo, arriscar-se mais na interpretação da realidade e sair da caixa de consensos em que se enfiou no fim do século passado.
A imprensa precisa voltar a surpreender.