Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Joaquim Vieira

‘O leitor Francisco Falé colocou ao provedor, já há mais de um mês, uma questão bem curiosa:

´Na tarde de sexta-feira 18 [de Janeiro], reparei numa notícia no Público online acerca de umas expropriações de terrenos na zona onde será construído o novo aeroporto [de Alcochete]. Referia-se nomeadamente a família Espírito Santo com uma das expropriadas. Algum tempo depois, surgiu um comunicado do Grupo Espírito Santo (GES), curiosamente co-assinado por um ex-jornalista do Público, dando conta de que o GES não estava envolvido, mas não negando que havia pessoas de apelido Espírito Santo no lote dos expropriáveis.

Mais tarde, quando procurei a referida notícia, nada, pura e simplesmente desvanecera-se. Ainda pensei que houvesse desenvolvimentos e que se tivesse decidido transferi-la para a edição impressa – mas nada.

Por conseguinte, fui assaltado pela dúvida: por que desapareceu a notícia? Era falsa? Se o era, o jornal deveria assumir o erro e corrigi-lo. Era verdadeira? Se o era, por que desapareceu? O GES exerceu ameaças e os responsáveis do Público acataram-nas?

Que sucedeu, afinal? Por mim, e por via das dúvidas, fico a acreditar que há algo que cheira a esturro nesta história. Se estou a ser incorrecto para alguém ou algum grupo, sou-o porque o Público não mais me informou, ou se estou a analisar correctamente a situação deixo de ter dados para o fazer porque o Público optou por não informar.

Mas que gostava muito de saber o que se passou, lá isso gostava.´

O provedor, que também leu a notícia e esperava vê-la em letra impressa na edição em papel do dia seguinte, achou a história bem intrigante, e de imediato solicitou esclarecimentos ao editor do PÚBLICO.PT, António Granado. Apesar da colaboração que o jornalista foi prestando sobre a matéria, através de vários contactos telefónicos que permitiram ir esclarecendo o enquadramento da questão, a resposta escrita apenas chegaria na semana finda, e por isso só agora se refere o assunto.

Explica Granado: ´A notícia em causa foi erradamente ‘despublicada’, contrariando a nossas próprias regras sobre estes casos, na sequência do desmentido do GES. ‘Despublicada’ quer dizer que a notícia continuou na nossa base de dados mas não estava visível para os leitores. Quando nos apercebemos do problema, a notícia foi novamente publicada e está desde então disponível em http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1317047´.

Acontece que o provedor foi verificar o endereço electrónico indicado pelo editor do PÚBLICO.PT e a notícia não estava lá – a página encontrava-se em branco. O que deu para pensar, tal como o leitor, que algo aqui não cheirava bem. Embora não acreditando em bruxas, o provedor possui aquela reserva que em matéria esotérica caracteriza os espanhóis: ´Que las hay, las hay´.

Alertado de novo António Granado, que desconhece as causas da segunda desaparição da notícia, esta foi finalmente colocada, ontem, sábado, ao princípio da tarde, em http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1320588, onde o provedor espera que o leitor interessado possa vir a encontrá-la.

O GES é um poderoso e influente grupo económico português que já em tempos retaliou contra um semanário retirando-lhe toda a publicidade por discordância com o seu conteúdo editorial. Não querendo embarcar em teorias da conspiração, o provedor confessa que este episódio aflora inevitavelmente à mente perante o caso agora relatado. O Público teria pois todo o interesse em que o mistério fosse cabalmente esclarecido.

Que foi possível apurar? Que a notícia original foi difundida aos microfones do Rádio Clube Português (RCP), tendo o Público repegado daí a informação. Que a notícia do PÚBLICO.PT desapareceu ao fim de pouco tempo, na sequência do desmentido do GES, apesar de o RCP ter reafirmado algumas horas depois o conteúdo da sua primeira informação. Que os responsáveis do site só se aperceberam do sucedido pelo menos 48 horas depois, precisamente devido ao pedido de esclarecimento do provedor. Que, segundo garantem, terão recolocado a notícia online, se bem que tivesse de novo desaparecido, e só ontem, à terceira tentativa, tenha ficado disponível na rede.

A ocorrência revela, em primeiro lugar, que o Público online se encontra sujeito a intervenções alheias à sua hierarquia editorial, assunto que porém o provedor não está em condições de desenvolver, porquanto Granado assume, em última análise, toda a responsabilidade pelo acto.

Em segundo lugar, o caso impõe a necessidade de afinar procedimentos quanto à intervenção da redacção em notícias já antes colocadas na internet. Este é um dos novos desafios e problemas – designadamente no campo da ética – que o ciberespaço coloca ao jornalismo, suscitando questões perante as quais ainda não existe normativo consensual.

O Livro de Estilo do Público retoma para a página online do jornal, basicamente, os pontos do estatuto editorial da edição em papel, considerando que o novo meio ainda está em evolução e será prematuro fixar princípios sujeitos a súbitas adaptações. Mas internamente o PÚBLICO.PT possui regras para as necessidades de intervenção posterior em notícias, previstas em dois distintos cenários: ´Há casos em que, quando se identifica uma incorrecção numa notícia, se deve proceder à correcção dos factos, mantendo a publicação da notícia corrigida. Há outros casos, porém, em que se constata que uma notícia já publicada é totalmente incorrecta ou descabida, e ela deve pura e simplesmente ser retirada. Nestes casos, quando a notícia original já foi publicada online, deve-se seguir o seguinte procedimento: 1. Retirar a notícia anulada despublicando-a. Ou seja: a notícia não deve ser apagada da base de dados, mas apenas retirada do servidor web, de forma a evitar novos acessos através da internet. (…) 2. Publicar uma nova notícia, com o título: ‘Anulação da notícia com o título ‘[Título da notícia anulada]’’. 3. Escrever no corpo do texto da notícia de anulação uma explicação sucinta mas clara das razões da anulação, quando elas existam. 4. A notícia de anulação não deve ser nunca despublicada.´

Ao contrário do jornalismo impresso, em que a informação é definitiva ao sair da tipografia, o jornalismo online assenta num fluxo noticioso contínuo e sujeito a desenvolvimentos e aperfeiçoamentos constantes. Mas a verdade é que, também aí, uma notícia difundida, por escasso tempo que seja, passa logo a pertencer ao espaço público, como explicam as regras internas do PÚBLICO.PT: ´Estes procedimentos devem-se ao facto de não ser tecnicamente possível para nenhum editor, na internet, evitar a difusão de uma notícia que esteve publicada num servidor web. Ou seja: a notícia anulada, mesmo que seja retirada do servidor web, já pode ter sido copiada milhares de vezes para outros tantos servidores da web e mantém uma vida própria.´

Acontece porém que, para o editor do PÚBLICO.PT, ´no caso concreto da notícia do GES` a ´despublicação` foi errada por não dizer respeito a ´notícias falsas` (e, se o fosse, seria ´obrigatório publicar uma ‘anulação de notícia’´). Esta era antes uma situação em que, ainda segundo Granado, ´os desmentidos feitos pela entidade A ou B devem ser tratados como uma outra notícia e nunca dar origem à ‘despublicação’ da notícia original´.

O erro foi assumido, mas em volta de toda esta história ficou um enigma por desfazer.

Recomendação do provedor. Seria aconselhável que o jornal fornecesse uma explicação aos leitores do PÚBLICO.PT, site que deve estar sujeito a rigorosos padrões de intervenção em matéria já publicada, sob supervisão da respectiva hierarquia.

Publicada em 24 de Fevereiro de 2008

Documentação adicional.

REGRAS DO PÚBLICO.PT PARA ANULAÇÃO DE UMA NOTÍCIA ONLINE:

Circunstâncias

Há casos em que, quando se identifica uma incorrecção numa notícia, se deve proceder à correcção dos factos, mantendo a publicação da notícia corrigida.

Há outros casos, porém, em que se constata que uma notícia já publicada é totalmente incorrecta ou descabida e ela deve pura e simplesmente ser retirada.

Isto acontece por vezes por iniciativa das agências noticiosas, que anulam uma notícia já distribuída pelas redacções através de um novo despacho com a menção ANULAÇÃO ou ANULAÇÃO DE NOTÍCIA.

Procedimento

Nestes casos, quando a notícia original já foi publicada online, deve-se seguir o seguinte procedimento:

Retirar a notícia anulada despublicando-a. Ou seja: a notícia não deve ser apagada da base de dados mas apenas retirada do servidor Web, de forma a evitar novos acessos através da Internet. Apesar de ela não ser disponibilizada é conveniente guardar a notícia anulada por razões históricas e devido a eventuais conveniências legais.

Publicar uma nova notícia, com o título: ´Anulação da notícia com o título ´[Título da notícia anulada]`

Escrever no corpo do texto da notícia de anulação uma explicação sucinta mas clara das razões da anulação, quando elas existam.

A notícia de anulação não deve ser nunca despublicada.

Razões do procedimento

Estes procedimentos devem-se ao facto de não ser tecnicamente possível para nenhum editor, na Internet, evitar a difusão de uma notícia que esteve publicada num servidor Web.

Ou seja: a notícia anulada, mesmo que seja retirada do servidor Web, já pode ter sido copiada milhares de vezes para outros tantos servidores da Web e mantém uma vida própria. É altamente provável, nomeadamente, que ela tenha sido copiada pelos robôs dos motores de pesquisa para os seus próprios servidores e apareça nos resultados de pesquisa. É também altamente provável que ela tenha sido copiada para proxy servers e caches de servidores (ou de computadores pessoais), a partir de onde pode ser difundida.

Isto significa que, dentro de dias ou de anos, a notícia anulada pode aparecer no resultado de uma pesquisa, sem que seja possível ao leitor aperceber-se das incorrecções que contenha.

A existência de uma notícia de anulação torna provável que ela apareça nos eventuais resultados de pesquisa que devolvam a notícia anulada e ao lado desta (devido ao uso dos mesmos termos no seu título). O leitor pode assim aceder à notícia anulada, à notícia com a anulação da notícia anterior e, no melhor dos casos, a notícias correctas sobre o mesmo tema.’